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Peça reconstrói narrativa lúdica que envolve escritor Frank Kafka

"Kafka e a Boneca Viajante” entra em cartaz neste fim de semana no Teatro Goiânia. Atriz diz, em entrevista, que espetáculo mescla aspectos lúdico e filosófico

“Kafka e a Boneca Viajante” se passa em 1923, ou seja, um ano antes de uma tuberculose matar o escritor - Foto: Flávia Canavarro/ Divulgação “Kafka e a Boneca Viajante” se passa em 1923, ou seja, um ano antes de uma tuberculose matar o escritor - Foto: Flávia Canavarro/ Divulgação

Franz Kafka caminhava pelo parque Steglitz, em Berlim, capital da Alemanha, quando avistara uma menina aos prantos. Derramava lágrimas, a coitada. Credo, ela pranteia o luto! Uma amiga – boneca – se foi. Tudo o mais que poderia lhe acontecer estaria associado a um sentimento, digamos, doloroso. Não sabemos lidar muito bem com as despedidas da vida.

Kafka não sabia o que fazer. “As crianças eram um completo mistério, seres de alta periculosidade, um conjunto de risadas e lágrimas alternadas, nervos e energia à flor da pele, perguntas sem fim e exaustão absoluta”, filosofava o escritor, conforme sua companheira na época, Dora Dymant. “Tudo que você ama, você eventualmente perderá.”

As crianças eram um completo mistério, seres de alta periculosidade, um conjunto de risadas e lágrimas alternadas, nervos e energia à flor da pele, perguntas sem fim e exaustão absoluta" Franz Kafka, escritor

Na tentativa de acalmar a criança entristecida, Kafka apelou à imaginação: a boneca não estava perdida coisa nenhuma. O celebrado autor, dizendo-se um “carteiro de bonecas”, traria consigo uma carta que entregaria àquela pequena criatura no dia seguinte. Em casa, pôs a mão no verbo. Escreveu o primeiro de tantos textos endereçados à menina.

Emocionado com o testemunho de Dymant, o escritor catalão Jordi Sierra recriou as cartas esquecidas em “Kafka e a Boneca Viajante” (Martins Fontes), romance que virou peça teatral. Sob direção de João Fonseca, o espetáculo entra em cartaz neste fim de semana no Teatro Goiânia, com bilhetes a partir de R$ 18 (meia-entrada valor social) pelo site sympla.

Até aqui, foram duas indicações ao Prêmio Shell, o mais importante do teatro brasileiro. Há que se dar os créditos ao dramaturgo Rafael Primot, dono de carreira sólida nas artes cênicas. Ele já venceu os prêmios Shell, CesgranRio e Cooperativa Paulista de Teatro. Em “Kafka e a Boneca Viajante”, o artista preserva a beleza do mistério narrativo entre um gênio das letras (cuja obra quase foi queimada por ele próprio) e uma criança enlutada.


		Peça reconstrói narrativa lúdica que envolve escritor Frank Kafka
Alessandra Maestrini (segunda da esquerda à direita) afirma que personagem expressa aspectos humanos. Foto: Jéssica Christina/ Divulgação


Alessandra Maestrini, a boneca, afirma ao Diário da Manhã que a personagem expressa aspectos humanos. Para a atriz, Brígida manifesta essas características tanto em sua composição quanto em sua trajetória. “São transformadoras por serem da essência do viver”, pontua a artista, que se encantou com a obra produzida por Franz Kafka há muitos anos.

Quando assistiu ao filme “A Mosca”, do cineasta Kurt Neumann, Maestrini soube que se inspirava na novela “A Metamorfose”, livro alçado à condição de clássico da literatura. Nascido em Praga, Kafka viveu entre 1883 e 1924 – morreu em Klosterneuburg. Conforme o crítico Otto Maria Carpeaux, o escritor “se aproveita de uma certa linguagem artificial e ambígua para dar aos seus romances a multiplicidade dos aspectos em profundidade”.

“Mirei minha expressão corporal na mescla entre a poesia lúdica de uma boneca de pano e a profundidade filosófica de que todo ser humano, vez por outra – pelo menos – se sente manipulado por outros ou pela vida, sem ter as rédeas sobre si”, conta Alessandra Maestrini, destacando a supervisão de Marcia Rubim – como diretora de movimento durante o processo. “Trouxe-me uma liberdade e segurança importantes.”


		Peça reconstrói narrativa lúdica que envolve escritor Frank Kafka
Maestrini foi indicada ao Prêmio Shell de melhor atriz por causa de papel na peça. Foto: Jéssica Christina/ Divulgação


Contexto

“Kafka e a Boneca Viajante” se passa em 1923, ou seja, um ano antes de uma tuberculose matar célebre o escritor. A narrativa não linear reforça o ritmo ágil com que a história se desenvolve. Alterna-se passado, presente e futuro, bem como a realidade vivida por Sr. K (Kafka, vivido por André Dias), sua esposa Dora (Lilian Valeska) e a menina Rita (Carol Garcia). Alessandra Maestrini, inclusive, foi indicada ao Prêmio Shell de melhor atriz por esse papel.

Para levar a história aos palcos, João Fonseca acha que o grande desafio criativo não foi apenas infantilizar, mas também manter a singeleza narrativa. “É um grande escritor à beira da morte, sem forças para escrever e, de repente, encontra uma menina, a dor daquela menina, que era um pouco como ele, faz com que ele retome a escrita”, afirma o diretor.

Um trabalho desafiador, mas bastante prazeroso, uma vez que a música popular brasileira é muito rica" João Fonseca, diretor

Requintada e delicada, a trilha sonora também merece atenção. Músicas compostas por Caetano Veloso, Candeia, Cartola, Chico Buarque, Djavan, Lenine, Raul Seixas e Rita Lee viram importante elemento dramatúrgico. O diretor acredita que o teatro musical precisa ter o som como elemento primordial, de modo a contribuir para a história contada no palco.

“Para isso acontecer, foi necessária uma pesquisa grande e minuciosa feita pelo Tony Lucchesi (diretor musical) e por mim, com a colaboração de todo elenco, a partir de sugestões do Rafael Primot (dramaturgia). Um trabalho desafiador, mas bastante prazeroso, uma vez que a música popular brasileira é muito rica. Além disso, destaco a sensibilidade do Tony em transformar a música de acordo com a situação dramática”, revela João Fonseca.


		Peça reconstrói narrativa lúdica que envolve escritor Frank Kafka
Produção afirma que doações serão enviadas às vítimas de tragédia climática no Rio Grande do Sul. Foto: Jéssica Christina/ Divulgação


Tony diz que se guiou durante a pesquisa pela necessidade em trazer canções capazes de soarem orgânicas nas cenas. “Durante o trabalho com os atores nos ensaios, outras ideias foram aparecendo. Há ainda uma canção original que eu e João compusemos, cantada pela menina, num momento muito emocionante”, afirma o artista. Ele está em cena tocando piano e conta com uma base gravada por uma banda, usada em certos trechos da peça.

A produção do espetáculo solicita que os espectadores levem doações para as vítimas da tragédia climática ocorrida no Rio Grande do Sul. Água mineral, cobertores, lençóis, toalhas, kits de higiene pessoal, material de limpeza, ração – além de roupas e calçados em bom estado – são itens prioritários. Já os alimentos precisam ser não perecíveis e, segundo os organizadores, devem ainda ser levados apenas por quem adquiriu ingresso solidário.

Kafka e a Boneca Viajante

Sexta-feira, às 21h

Sábado, às 21h

Domingo, às 19h

Teatro Goiânia

Ingressos pelo Sympla

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