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Plataformas de streaming usam sexo como isca para atrair audiência

Netflix tenta desde início de janeiro último seduzir público com 'Olhar Indiscreto', série nacional hypada que procura lançar um olhar feminino sobre BDSM

Atriz Débora Nascimento interpreta hacker que gosta de voyeurismo - Foto: Aline Arruda/ Netflix Atriz Débora Nascimento interpreta hacker que gosta de voyeurismo - Foto: Aline Arruda/ Netflix

Goste você ou não, as plataformas de streaming utilizam o sexo como isca para atrair audiência de geração que não transa tanto e já não sente prazer em assistir televisão. Quem entendeu bem essa receita foi a Globoplay, com campanha publicitária apelativa, atores sarados em cenas quentes, mulheres padronizadas e estética que dialogava com David Lynch e Douglas Sirk: tudo soava artificial demais, arco narrativo nem pé nem cabeça e direção pretensiosa. Ah, e qual produção é essa de que falamos? “Verdades Secretas 2”.

Seguindo os passos da gigante brasileira, a Netflix tenta desde o início de janeiro último seduzir público com “Olhar Indiscreto”, série nacional hypada que procura lançar um olhar feminino sobre universo BDSM. A divulgação da obra, para dizer o mínimo, foi controversa: focou demais nos nus de Débora Nascimento (Miranda) e nas vezes em que Emanuelle Araújo (Cléo) vai pra cama. Só que com um tempero, digamos, que cheira a clichê.

Emanuelle, todavia, pensa diferente: a parte sexual a impulsionou. Não o ato em si, diz, porém o desejo por alguém. “O desejo fica ali mostrando, dando esse estímulo para o espectador também. Para a gente falar dessa série que fala de relações familiares. Quando a gente vai para essa sensualidade a partir de um olhar feminino, essa sensibilidade, que não deixa de ser picante, sexy, mas acho que há essa naturalidade”, afirmou ela, em coletiva.

Com algum refinamento estético, “Blonde” (Netflix) enaltece a atriz cubana Ana de Armas, candidata ao Oscar pela interpretação que fez da estrela hollywoodiana Marilyn Monroe. Ela também aparece muitas vezes transando em cena, em algumas das quais até se fazendo passar por criança, o que fundamentou críticas que apontavam a problematizações sobre uma evidente objetificação de Ana. Mas, justiça seja feita, vê-la ali é a melhor coisa do filme e, apesar do diretor Andrew Dominik, houve algo de espantoso ao observá-la nesse papel.

“Eu estava pronta para ser Marilyn Monroe. Restava, isto sim, interpretá-la. Meu corpo me pertence. Marilyn não teve esse luxo. Eu tenho a faculdade de decidir quanto revelo de mim e quanto mantenho privado. Todos os holofotes estavam sobre ela. Por ser quem é, claro, mas - sobretudo - por viver magistralmente bem Marilyn Monroe”, disse Ana, em bate-papo com a imprensa, realizado no Festival de Valência, na Espanha.

Isso tem sentido?

Abre-se, então, um ponto de interrogação: o que seria afrontoso, sexualmente falando, no audiovisual produzido na terceira década do século 21. Um roteiro que busca imitar “Janela Indiscreta”, obra-prima de Alfred Hitchcock feita nos anos 50, como se percebe pelo texto confuso de “Olhar Indiscreto”? Não, claro. Ou os esforços de cinefilia esgotada, da qual Amora Mautner se mostra adepta, no folhetim da Globo “Verdades Secretas”? Improvável.

Na dúvida, basta retornar retornar ao cineasta Lars Von Trier nos títulos “Ninfomaníaca 1 e 2”. É uma obra-prima, como definiu o crítico Inácio Araujo, em 2013, quando chegou às salas brasileiras. Charlotte Gainsbourg, atriz de talento raro, brilha em cena ao interpretar uma mulher (Joe) recolhida à morte pelo assexuado Seligman, papel de Stellan Skarsgård. Segundo Von Trier, o sexo é, por si só, sombrio. Talvez seja por isso ser tão complicado assistir Joe em sua busca de reafirmar, a todo custo, sua sexualidade silenciada.

O sociólogo Rodrigo Gerace, autor do estudo “Cinema Explícito: Representações Cinematográficas do Sexo”, examina relação entre sexo e cinema. Para ele, na obra, o curta surrealista “Um Cão Andaluz”(1929) foi considerado, por décadas, uma obra indecente. Isso aconteceu porque a metáfora ali, na visão dele, não deixa dúvida: ejaculação. Nos anos 1930, Hollywood tira o sexo de cena para colocá-lo de novo na tela nos anos 60, época de contracultura, transformações comportamentais e também quando o cinema se moderniza.

Na esteira dessas conquistas, mas sem saber como lidar com a liberdade, surgem “Garganta Profunda”, em 1972, e “Emmanuelle”, dois anos depois. É desse período ainda “O Homem que Amava as Mulheres”, produção dirigida por François Truffaut. Nos anos 80, por causa da Aids, serial killers tomam conta da cena, fazendo o sexo retornar à telona nas lentes de Lars Von Trier, na orgia de “Os Idiotas”, de 1998. Em 2015, Gaspar Noé (seus filmes estão disponíveis no Mubi) mostra uma ejaculação em 3D, que faz rir em vez de excitar.

Do obsceno ao delicado, do violento ao inesperado, o sexo, o corpo e o relacionamento são enfrentamentos que sempre desafiaram e ampliaram os limites de nossos valores morais. Os corpos nus, o beijo na boca, a sensualidade provocante, a violência desmedida, o amor delicado, o relacionamento, a discussão de gêneros: nenhuma forma de expressão apresenta os temas-tabus relacionados ao sexo de forma tão contundente e eficiente quanto o cinema”, afirma Gerace, o sociólogo, cuja obra está disponível para venda no site da Perspectiva.

Diante de tantas criações revolucionárias, afrontosas e obras-primas, será que ainda vale seguir filmando produções audiovisuais como “Olhar Indiscreto”? Para a atriz Débora Nascimento, que interpreta Miranda na produção da Netflix, a resposta é sim. “É um suspense que tem sensualidade. São mulheres complexas, que passam por uma porção de coisas, que em um drama familiar, têm dilemas profundos. É um olhar feminino”, refletiu, em coletiva de lançamento. “Olhar…” tem direção geral Luciana Oliveira.

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