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"Pô, gringo não sabe jogar nas ancas", diagnostica cantora Sandra Sá

Diva do funk e soul brasileiros, cantora vocaliza o sonho de um país mais igualitário. DM mostra o que é possível esperar da artista em show que fará no Fica

Sandra Sá interpreta sucessos da carreira durante apresentação no Tim Music Goiás - Foto: Tim Music/ Divulgação Sandra Sá interpreta sucessos da carreira durante apresentação no Tim Music Goiás - Foto: Tim Music/ Divulgação

Ouviu, balançou – esse é o lance. Hora de recomeçar. Mandar a tristeza dar o fora, falô? Saca essa voz grave ressoando consciência social. É Sandra Sá, brother! Está a três ou quatro metros deste repórter. Aparece toda colorida: camiseta, camisa longa, calça. Até os óculos são de certa forma policromados. Libertário, o cabelo black power lembra Angela Davis.

Com a mão direita, segura o microfone em que vocalizará sonhos igualitários durante a próxima hora e meia. Movimenta-se de um lado a outro, sorrindo. Às vezes, beberica vinho rosé. E, de repente, pega um cantil. Como furacão avassalador, interpreta com aquele contralto matador Djavan, Marina Lima e Cazuza. “Sou foda. Somos fodas”, diz a cantora.

Sandra Cristina Malafaia Frederico de Sá levou suingue ao Tim Music Goiás, festival que aconteceu no Oscar Niemeyer. Fez a melhor apresentação que se viu ali. Tocou sonzão black, funkão sacolejante, blueseira da piedade e sambão suburbano carioca. Só fineza musical.

Cercando-se dos melhores instrumentistas, Sandra pode ser definida como herdeira de Tim Maia. Tim, então, seria mais foda que James Brown? “Muito mais”, afirmou, em seu camarim, ao Diário da Manhã. “Brown é do caralho, mas o suingue do Tim é outra parada. Quando falo de Música Preta Brasileira, falo de suingue. Os gringos são duros, bicho!”, emendou.

Sandra cresceu ouvindo Tim, mestre do soul brazuca. Todavia, curtia também Hyldon e Cassiano. Em 1980, lançou o primeiro disco da carreira, “Demônio Colorido”, obra que não está disponível no streaming. Dois anos depois, gravou “Sandra de Sá”, lançado em 82. Em seguida, embarcou nos hits criados por Michael Sullivan e Paulo Massadas.

Eu prefiro ficar com a minha galera aqui, com a galera brazuka que eu acho do c... Sandra Sá, cantora

Para a artista, o brazuca observa, absorve, joga nas ancas e depois deixa fluir. “Pô, gringo não sabe jogar nas ancas”, constata. Veja o caso de Júnior Macedo: sua guitarra carrega brasilidade rítmica. São acordes suingados flutuando pela cozinha. Na seção melódica, o músico sabe emocionar a plateia – como quando improvisou durante “Blues da Piedade”.

De Cazuza e Roberto Frejat, a canção gerou êxtase imediato. “É preciso tomar consciência, fazer algo, mas sem matar e morrer”, conclama, quase ao mesmo tempo em que vocaliza versos como “Senhor, piedade/ Pra essa gente careta e covarde”. Sandra chegou a cantar com o poeta-cantor o hino gravado no disco “Ideologia”, numa versão que tinha a guitarra bluesy de Frejat.

Sandra mandou ver ainda o hit “Uma Noite e ½”, composição escrita por Marina e Renato Rocketh. Houve tempo para um medley que unia Djavan e Ivan Lins. Conforme Sandra, a música de ambos é parecida. “Só que um é nordestino, negro – e o outro é universitário, branco, playboy”, define a cantora, destacando o sotaque sambístico das duas canções.


		"Pô, gringo não sabe jogar nas ancas", diagnostica cantora Sandra Sá
Sandra Sá levou balanço funkeado e consciência antirracista ao Tim Music, no último sábado, 8. Foto: Tim Music/ Divulgação


Em seguida, avisou que se esquecera de “Bye Bye Tristeza”. “Para o fã, é importante”, falou. Publicado no disco “Sandra de Sá”, de 1988, o hit de Carlos Colla tem efeito instantâneo. Ficamos arrepiados. Depois, como estamos emocionados, entoamos os versos, tal qual alguém cujo compromisso é espantar a tristeza. “Eu não tô aqui pra sofrer (bye bye tristeza)/ Vou sentir saudade pra que (bye bye tristeza)/ Quero ser feliz”, cantamos, em coro.

Flamengo

Antes de sair do palco enrolada numa bandeira do Flamengo, mandou ver uma versão matadora de “Olhos Coloridos”, canção que abre o disco “Sandra de Sá” (1982). Escrita por Macau, o funk a consagrou como um dos principais nomes do boogie nacional. Foi produzido por Durval Ferreira, com ninguém menos que Lincoln Olivetti (teclados), Robson Jorge (guitarras), Peninha (percussão), Serginho do Trombone e Mamão (bateria).

Com uma linha flutuante construída no baixo, a música se tornou um hino do orgulho preto brasileiro. Sandra costuma dizer, em entrevistas, que “Olhos Coloridos” não fala sobre ficar doidão. Tampouco traz mensagem acerca de colorações, mas provoca – isto sim – reflexão sobre discriminação racial. “Macau chorou pra caramba. Ficou com o olho vermelho de tanto chorar”, contou a artista, no “Papo com Clê”, programa disponível no Youtube.

Ao repórter, Sandra declarou que “a gente tem uma mania de sempre ‘ô, porque os gringos’. Tudo bem, respeito, acho do caralho Aretha Franklin, mas a gente tem Elza Soares, a gente tem Elis Regina, a gente tem gente pra caraca que não é falado, brother! Então, eu prefiro ficar com a minha galera aqui, com a galera brazuka que eu acho do caralho”, proclamou.

Para quem quiser repetir a dose, Sandra Sá fará nesta sexta-feira, 14, show no Festival Internacional de Cinema e Vídeo (Fica). Será uma apresentação contra a intolerância religiosa, a perversão do racismo e essa gente careta e covarde. Deve-se esperar ainda um passeio pela grandiosa discografia construída pela artista. Ou seja, bye bye tristeza.

Não havia lugar melhor para estar no último fim de semana. O Tim Music recebeu pelo menos 20 mil pessoas em dois dias. No palco erguido entre os prédios desenhados pelo arquiteto Oscar Niemeyer, passaram só no sábado, 8, nomes como Pedra Bruta, Maduli Maíra, Banda Madá, Sandra de Sá e Luiza Martins e IZA. Já no domingo, 9, foi a vez da Banda 7meia2,  DJ Múcio, Mario Broder, Gilsons, Marcelo Falcão e Hungria.

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