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Entrevista - Divino Sobral

"Produção contemporânea de Goiás é uma das mais potentes do Brasil"

Crítico fala sobre novo boom nas artes visuais goianas

Divino Sobral, crítico de arte e curador - Foto: Facebook/ Reprodução Divino Sobral, crítico de arte e curador - Foto: Facebook/ Reprodução

As curvas modernistas assinadas pelo arquiteto David Libeskind emolduram a paisagem goianiense na Rua 84, Setor Sul. Planos verticais e horizontais, espaço fluído e diluído, aberturas generosas e charmosas. É nessa casa construída em 1955, que se transformou em marco estético de Goiânia e já abrigou a sede do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) que mora a Cerrado Galeria. Beleza a céu aberto, aos olhos de todos, arte para arte.

Para se instalar na casa, a Cerrado começou força-tarefa para preservar o patrimônio, conservar as características históricas do espaço, recuperar o jardim, mantê-lo intacto e encontrar uma forma de dar destaque aos azulejos desenhados por Libeskind. “São a essência de sua adaptação para receber um ponto fixo de arte na Capital”, diz a Cerrado, num post publicado nas redes sociais, em abril - poucos dias antes de sua inauguração.

Segundo o crítico Divino Sobral, o investimento feito pela Cerrado demonstra uma certeza na potencialidade da arte e do mercado goiano. Ele destaca que há muito tempo uma aposta de grande porte não era feita na área. Nos anos 1970, Célia Câmara criou a Casa Grande Galeria, responsável pelo que Sobral define como “afirmação do mercado local e da inserção da produção modernista mais celebrada da cidade”. Na década de 90, Marina Potrich introduziu o colecionismo de obras contemporâneas. A seguir, Sobral fala sobre cenário das artes, pujança da cena atual, analisa chegada da Cerrado Galeria, aponta nomes para se ficar de olho:

De que Goiás mais precisa: profissionalização, aparelhos culturais ou dinheiro?

Segundo o importante curador Paulo Heerkenhoff, a produção artística contemporânea de Goiás é uma das mais potentes do Brasil. Temos muitos artistas com alta qualidade, entretanto não há aqui um circuito capaz de absorver a produção. O exemplo mais claro é Dalton Paula, cuja obra chegou aos melhores museus e coleções no Brasil e no exterior, passando totalmente despercebida pelos goianos. Nossos aparelhos culturais estão praticamente paralisados: o MAC, nosso principal cenário, desde que foi transferido para o Centro Cultural Oscar Niemeyer, em 2006, passou mais tempo fechado do que aberto. O Museu de Arte de Goiânia amarga uma reforma sem previsão de término. Os acervos de ambos estão em situação delicada, senão em risco. As galerias oficiais não possuem recursos e muitas vezes funcionam bancadas por artistas e colaboradores.

Dinheiro tem. Embora sempre colocado em situação de risco. Os recursos oferecidos por leis de incentivos e fundos culturais fomentam a produção, mas ocorre um certo vício de grupos que manipulam as verbas com projetos algumas vezes deploráveis, sem a menor qualidade estética e de claro cunho autopromocional. Anos atrás, pensei que os fomentos oficiais, ao injetarem dinheiro no sistema, acarretariam a profissionalização do circuito de arte. Mas me enganei. O amadorismo ainda predomina junto com a autocracia.

O que Goiás precisa é conhecer e olhar para seus artistas com respeito, e para isso precisa romper com o amadorismo ainda vigente.

Dito isso, como anda, na sua visão, o panorama das artes visuais em Goiás?

Como disse antes, a produção hoje cresce em qualidade, quantidade e diversidade. Isso decorre da tradição visual goiana. Muitos nomes novos têm surgido como promessas bastante consistentes de um futuro brilhante. Apesar do vazio institucional e mercadológico que cerca os artistas, a força renovadora que existe aqui é impressionante, e hoje transborda para cidades do interior, como Anápolis e Goiás, que produziram artistas que conseguem circular nacionalmente. A ação do Sertão Negro criado por Dalton Paula e sua esposa Ceiça Ferreira chamam a atenção em âmbito mundial. A Galeria Cerrado chega apostando na potencialidade da produção e do mercado locais. O momento é de bons ventos.

Quais são os artistas que se revelam grandes surpresas do meio artístico local?

São muitos nomes que formam a lista. Para mencionar os mais novos: Talles Lopes, de Anápolis, artista que tem uma obra muito rica dedicada a investigar a formação do moderno no Brasil e a marcha de ocupação do oeste; Estêvão Parreiras que realiza desenhos atravessados por questões religiosas e com um imaginário tributário da arte popular; Hal Wildson, hoje em São Paulo, que produz trabalhos com forte teor político e bastante inventividade dos recursos técnicos; Manuela Costa Silva usa muitas categorias, do vídeo à aquarela, para criar um mundo particular, repleto de mitologias, com atmosfera densa e significados enigmáticos. Benedito Ferreira também explora muitas categorias e tem especial indagação sobre memória, arquivos, goianidade. Existem mais...

Falam numa exposição que você irá fazer a curadoria com as revelações das artes em Goiás. Dentre esses nomes, o que mais te chama atenção na obra deles?

A curadoria da exposição é feita por uma equipe que inclui o artista Dalton Paula, o professor de História da Arte Paulo Duarte-Feitoza e eu.

A exposição ao reunir mais de 20 artistas jovens tenta traçar um panorama do que acontece aqui. São artistas em diferentes estágios de maturação da obra e da carreira que chamaram nossa atenção pelo compromisso com o trabalho e pelo investimento que fazem cotidianamente com a Arte. O conjunto tem uma força incrível exatamente por exibir a diversidade de linguagens, a riqueza e profundidade das poéticas, a extensão das pesquisas técnicas e a preocupação em estabelecer relações com os problemas do mundo.

O que uma galeria do tamanho da Cerrado pode acrescentar à cena das artes em Goiás?

Pode acrescentar muita coisa. O tamanho do investimento feito pela Cerrado é enorme e demonstra uma certeza na potencialidade da arte e do mercado de Goiás. Há muito tempo que uma aposta de grande porte não era feita na área. Nos anos 1970 Célia Câmara criou a Casa Grande Galeria, responsável por um trabalho de afirmação do mercado local e de inserção da produção modernista mais celebrada da cidade. Nos anos 1990 Marina Potrich introduziu o colecionismo de obras contemporâneas. As duas são referências.

A Cerrado vem ocupar uma lacuna enorme que ficou vazia por muito tempo. A falta de mercado fez muitos artistas migrarem para São Paulo. A Cerrado traz um know-how que a cidade não tem. Há um interesse explicito por parte dos galeristas na produção artística e curatorial contemporâneas, o olhar voltado para os melhores e mais representativos nomes de Goiás, que muitas vezes sequer são apresentados aqui justamente por falta de galerias de porte. Uma galeria na atualidade é muito mais que um ponto de venda de obras, tem um papel cultural muito mais amplo, que a Cerrado parece vir cumprir.

Um exemplo da contribuição: as duas exposições de Siron Franco produzidas pela Cerrado (em sua sede e no MAC) permitem ao público de hoje tomar contato com obras históricas e importantes que só eram vistas por meio de livros. Atualizou o olhar do público goiano em relação ao seu maior artista.

É uma das maiores galerias do Brasil instalada em Goiânia, e isso é um ganho para todo o circuito.

Há uma visão um tanto equivocada espalhada pela imprensa nacional de que, com a Cerrado, Goiás se insere no cenário das artes a nível nacional. Você acha que a Cerrado pode “quebrar” esse preconceito, ou simplesmente irá, por ser paulistana, reforçá-lo?

Não entendo a Galeria Cerrado como paulistana. Ela resulta da junção de empresários que tem suas origens e ações em diversos estados. Opera dentro de um modelo de mercado de arte mais globalizado, por assim dizer.

Para inserir Goiás nacionalmente é preciso muita coisa, a começar por museus sérios e consistentes capazes de guardar e exibir com orgulho a nossa História. É preciso um volume grande de agentes trabalhando com profissionalismo em circuito que é muito amplo: tudo começa com os artistas que produzem o bem maior que aciona todo o jogo, depois temos a grande rede que envolve críticos de arte, curadores, museus, galerias, leilões, feiras de arte, escolas de arte, arte-educadores, imprensa especializada, colecionadores, editores de livros, etc... para o barco se transformar em um navio poderoso e funcionar a pleno vapor toda essa rede deve ser ativada.

A Cerrado chega trazendo sua contribuição. E não se pode negar que ela tem um poder de noticiar suas exposições e seus artistas como nenhuma outra galeria da região Centro-Oeste

Podemos dizer que existe um boom na cena local que relembre de alguma forma o movimento que rolou nos anos 1980, quando em Goiânia havia artistas, marchand, galeristas, colecionadores e galerias, ou seja, todo o ecossistema completo estava aqui?

Sinceramente, não vejo semelhança com o que ocorreu nos anos 1980, que foi realmente uma década febril e de fertilidade: os dois museus de arte foram inaugurados; foram instalados programas de governos (no município e no estado) que investiram muito em cultura e difundiram com força a imagem do artista goiano; deu-se o crescimento de uma nova classe média ávida por consumir símbolos culturais; o surgimento de um mercado de produtos artísticos intensos que chegou a ter cerca de 50 pontos de venda. Hoje é bem diferente.

O nosso ecossistema sempre foi muito deficitário. Na minha visão, a ebulição dos anos 80 foi uma ilusão que terminou com a crise, rapidamente os pontos de venda e a esmagadora maioria dos estabelecimentos foram fechados, obras ficaram estagnadas e artistas sem grana até para comer. De lá para cá foram quase 3 décadas de marasmo.

Pensando em termos de profissionalização, anda-se dizendo que a Cerrado talvez profissionalize o meio das artes. É preciso, de fato, profissionalizá-lo?

A Cerrado faz uma aposta grande no futuro do mercado de arte de Goiás. Sem profissionalização não há futuro para a carreira de nenhum artista e muito menos para uma empresa. Hoje o circuito de arte é muito exigente e requer um monte de procedimentos técnicos que demandam profissionais especializados. Além do mais, profissionalizar significa criar mais empregos, e isso é muito bom e necessário.

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