1-2-3-4! Os Ramones começam a rolar aqui onde eu estou. Ensaio dancinha torta, rockão me subindo a espinha e, cara, que tesão inexplicável! Vontade de curtir esse êxtase pra sempre. Ou seria apenas ridícula manifestação de adolescência tardia?
Ih, garotinho, olha essa guitarra explodindo energia capaz de iluminar as escurecidas metrópoles brasileiras! E essa bateria, acelerada e pulverizante, apressada e descaralhante, esparramando-se em power chords primitivos, do tipo que tritura fórmulas enferrujadas e solilóquios musicais ultrapassados... Decreto: música furiosa. Como deve ser o rock.
Batidas monolíticas ressoadas na seção rítmica. Não há pretensão virtuosa no baixo nem na batera. Apenas vigor, ideal pra que entremos em rodinhas punks— se você, ora, já foi ao Martim Cererê entenderá o que digo, é óbvio. E, se ainda não foi, vá — por favor.
Ouço “Halfway to Sanity”, o disco lançado em 1987 pelos Ramones, pois retorna agora às lojas brasileiras (as virtuais e as que ainda funcionam) — e no ultrapassado formatão CD. É o último registro fonográfico com Richie Ramone na bateria, antes de o grupo estadunidense chamar ex-Blondie Clem Burke para impiedosamente tomar-lhe as baquetas.
Sabemos que o vocalista Joey e o guitarrista Johnny Ramone não se entendiam. Inimigos íntimos — como bem descreve o jornalista Ricardo Schott —, os músicos não se achavam capazes de conviver em estúdio. A comunicação, deteriorada e ruidosa, dificultou a vida do produtor Daniel Rey, que lidava ainda com um Dee Dee Ramone (ainda baixista) chapado.
Rey, inclusive, teria executado as linhas de baixo, uma vez que Dee Dee, doidão de loucura química, não conseguia tocar suas partes. Tal descompromisso se justifica, de acordo com pessoas próximas ao grupo, pelo fato de o músico a essa altura já não mais sentir-se reconhecido ali, com certos “amigos” lhe perguntando quando os Ramones iriam estourar.
Mesmo assim, “Halfway to Sanity” continua soando interessante. Com 12 canções — 30 minutos de duração —, o álbum demonstra incursões dos Ramones pelo hard rock e hardcore. Joey se esgoela no punk “I Know Better Now”, na acelerada “Weasel Face” e na crua “I´m Not Jesus”. A banda, um tanto durona, diminui o ritmo na balada “Bye Bye Baby”, num momento de surpreendente ternura nesse repertório escrito em clima de caos extremo.
“I Wanna Live”, por sua vez, sugere punk clássico, com um dedilhado melódico mas funcional de Johnny. Aqui, a mensagem é direita, ou quase: “I´ve been thinking it over/ and I know just what to do”, algo como “eu estive pensando sobre isso/ e eu sei o que quero”.
Para o ensaísta Kelefa Sanneh, os Ramones se vestiam como prostitutas de rua, com calça jeans apertada e jaqueta de couro preta, e faziam um rock barulhento, rápido e um tanto sem sentido. Eles expandiram a fórmula de “I Wanna Be Your Dog”, canção publicada pelo The Stooges, em 1969, e introduziram o espírito anárquico vamos-quebrar-essa-porra-agora.
Criados em 1974 no Queens, Nova Iorque, os Ramones se destacaram pelos seus shows caóticos numa cidade na qual já rolava certa esbórnia de nome New York Dolls. As letras do grupo expressavam o f...-se em decibéis altíssimos, assim como vida de seus membros apontava à produção de um material, digamos, pré-punk. Foi essencial, o Dolls.
Assim como os Ramones, deliciosamente turbulentos, irresistivelmente bons, são hoje cultuados por jovens emputecidos deste País imbecilizado que atende pelo nome de Brasil. Ok, a gente sabe, eles nunca foram ótimos vendedores de discos (só venderam 100 mil cópias em “Mondo Bizarro”, de 1992) , mas o que a frieza do número representa para a arte? Nada.
Por fim, garotinho, solte o som aí: “Halfway to Sanity” vale ser descoberto ou, se você já o ouviu antes, vale ser redescoberto — por que não? O rock ainda é imprescindível.