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Resenha: Rita Lee volta à vida com disco ao vivo 'Uma Noite no Luna Park'

Lançado pela gravadora Universal Music, álbum ganha versão de luxo em vinil. É possível comprá-lo nas lojas físicas e virtuais

Capa do disco - Foto: Divulgação Capa do disco - Foto: Divulgação

Meto o recém-lançado “Uma Noite no Luna Park” pra tocar no streaming. Ouço Rita Lee cantando versões para canções dos Beatles e interpretando seus maiores hits.

Uma das artistas mais importantes do rock brazuca, a santa de sampa caçoa da própria inabilidade em língua espanhola. “Vocês já devem ter notado que my castellano és muy peor que portugués de Julio Iglesias. Tiene tanta gente. Mira la gente”, arrisca, num portunhol.

Havia acabado de interpretar “A Hard Day´s Night”, gravada pelos Beatles em disco homônimo, de 1964. Os acordes tocados por Roberto de Carvalho em sua guitarra de timbre cremoso aparecem entre baquetas, de forma a preencher espaços e eletrificar a música.

Rita era apaixonada pelos Fab Four. Em sua autobiografia, lembra de aceno e, pasme, sorriso exclusivo de Lennon. “Para quem nunca conseguiu assistir a um show ao vivo dos Beatles, guardo essa cena absolutamente intacta no resto de memória que ainda me resta”, escreveu.

Aborrecida pelo fato de Lennon, McCartney, Harrison e Starr lhe traírem com outras mulheres, só voltou a escutá-los quando planeta fora às lágrimas após aquele rapaz pacifista morrer assassinado na porta do edifício em que morava, em 1980. Naquela noite, aos prantos, teve “overdose braba”: abriu seu baú beatlemaníaco e, emocionada, chorou pacas.

Então é possível, chutando por baixo, que nossa roqueira tenha ficado uns dez anos de mal com Beatles, certo? Certo. Como estava em frequência vingativa, sentia-se atraída pelo lado bad dos Stones, pela teatralidade de Bowie e pela porra-louquice de Iggy Pop. “Eu me recusei a botar Beatles na vitrola (vitrola!) até para meus dois filhos mais velhos”, decretou.

Se o tempo é compositor de destinos, como apregoa mano Caetano em “Oração ao Tempo”, Rita registraria nos anos 2000 essa paixão tórrida pela banda britânica em obra fonográfica. Lançado em 2001, o disco “Aqui, Ali, Em Qualquer Lugar” pegou a galera de surpresa.

Propunha arranjos bossa-novistas para “With A Little Help From My Friends”, “She Loves You” e “I Want To Hold Your Hand”. Às vezes, se escutarmos atentamente, aparece até mesmo certo clima lisérgico em “Lucy in the Sky with Diamonds” e “All my loving”. Quase todas essas músicas estão no disco “Uma Noite no Luna Park”. Só “Lucy…” não entrou.

Até hoje, para que tenhamos ideia, é compreendido como o disco que consagrou Rita Lee diante da plateia hermana. O ápice foi o show no Luna Park, estádio instalado na capital portenha e, veja só, onde se apresentaram os lendários BB King e James Brown (pra ficar nesses dois). Rita, sabendo-se abraçada pelo público, se mostrou emocionada.

Em certa altura, ovacionada pelos fãs, descreve-os como “carinhosos”. “Por que eu demorei tanto tempo pra vir?”, questiona-se. Aquele novembro de 2002, na verdade, revelava-se inesquecível, o tipo de momento armazenado no cartão de memória craniano, a plateia ensandecida, o som ensaiado, tudo dentro do esperado em se tratando de Rita Lee Jones.

Também, pudera: Rita lança seus discos na capital portenha desde os anos 1970. Contudo, seu primeiro sucesso por lá precisou esperar até 1980, quando a dupla Rita & Roberto criara “Lança Perfume” e “Mania de Você”, que se tornaram incontestes nas rádios argentinas, ainda que em português. Desde então, todos os elepês ou CDs sairiam no país vizinho.

Além de tudo, “Uma Noite no Luna Park” configura outro feito impressionante na discografia de Rita. Se “Aqui, Ali, Em Qualquer Lugar” (ou “Bossa´n Roll”, como saiu no mercado estrangeiro) ganhou edição no Japão, Taiwan, Itália, EUA, Venezuela, México, Portugal e Chile, foi na Argentina que passou semanas dentre os dez mais vendidos.

Reconhecimento

Pela façanha fonográfica, Rita recebeu Disco de Ouro e, logo depois, agraciaram-lhe com o de Platina. Rita Lee & Roberto de Carvalho, então, viajaram às terras hermanas para tarde de autógrafos na livraria El Ateneo. Apresentaram-se no Luna Park, fechando tour portenho.

Já na casa de espetáculo, quando amplificador avultara a guitarra robertiana, explicitou-se recepção calorosa: argentinos ansiavam pela diva brasileira. “A Hard Day´s Night” funcionou ao vivo, enquanto a atemporal “Baila Comigo” manteve fãs com energia dançante a mil por hora. “With a Little Help From My Friends”, por sua vez, suaviza frisson sonoro.

Daí em diante, como que cientes de que show arrebataria aficionados, a banda ataca com “Alô! Alô! Marciano”, hipnotizando a todos durante solo de theremin desenhado por Rita – instrumento que dispensa contato físico. “Pra Você Eu Digo Sim (If I fell)” e “Panis et Eircenses” injetam doses de ternura. Já o bolero “Bésame Mucho” viaja pelo universo da mexicana Consuelo Velásquez. Audaciosa, “Minha Vida” rearranja a beatle “In My Life”.

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Suingue rita-leeneano balança o compasso em “Quando Te Vejo”, versão para “The More I See You”, canção publicada por Chris Montez em 1966. Estamos quase ajoelhados. Coisa que acontece quando ouvimos Rita Lee. Verdadeiros petardos se sucedem: “Ovelha Negra”, “Doce Vampiro” e “Mania de Você”. “Buenos Aires, você me dá/ água en la boca”, canta.

Próximo ao fim, Rita recebe o roqueiro Charly García, nome fundamental do estilo rebelde na Argentina. Interpretam, juntos, “Love me do” e “Help”. “Lança Perfume” encerra o show no Luna Park. E, amigo, que show: Marco da Costa na bateria, Dadi Carvalho no baixo, Ary Dias na percussão, Rafael Castilhol nos teclados. Por que não ouvi-lo de novo?

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