O disco “Definitely Maybe”, lançado há exatos 30 anos, tirou roquenrou do marasmo em que se metera nos anos 80, quando New Order e Duran Duran aposentaram riffs de guitarra. Para o músico Noel Gallagher, Oasis era “banda punk com melodias de The Beatles”.
Faz sentido. Percebe-se na sonoridade do grupo britânico certa estima por se embriagar molhando os acordes em coquetel baseado na provocação estético-sonora dos Sex Pistols, com um tempero mínimo do glam rock à moda David Bowie e T.Rex. Difícil não vingar.
Era uma carne crua, vivíssima, sem defeitos especiais. Não, melhor, era coisa garageira, totalmente caótica, aquele mesmo caos dos Rolling Stones em “Exile on Main St.”. Nos vocais, Liam Gallagher salva o combalido rock inglês, cantando sobre cigarros e álcool.
Então, vejamos, como era o contexto histórico? Desfavorável. Nos anos 80 (Liam e Noel eram adolescentes), a guitarra abandonou o sucesso. Rolava em Manchester um som diferente, meio rock, meio música eletrônica. O empresário Tony Wilson, conhecido “Madchester”, descobriu Joy Division e o Happy Mondays, Inspiral Carpets e The Charlatans U.K.
Quem arrebatava os irmãos Gallagher era a banda Stone Roses, em cujo primeiro disco, aliás, trazia na capa menção a Maio de 68. Foi criada pelo guitarrista John Squire, parceiro do vocalista do Oasis em “Liam Gallagher & John Squire”, lançado neste ano. Mesmo que sintonizado com o espírito de seu tempo, Roses relembrava caldeirão lisérgico dos anos 60.
Modesto e despretensioso, Noel achava que Oasis seria tão grande quanto Stone Roses. Só que sua banda, para completo espanto de todos, virou umas cem vezes maior que os camaradas de Manchester. “E, depois, mais um pouco”, escreve o jornalista Paolo Hewitt, em “Voando Alto — As Aventuras do Oasis”, biografia editada no Brasil pela Belas Letras.
A história do Oasis se inicia em 91, com Noel trabalhando como técnico de guitarra para o Inspiral Carpets (algum sucesso mundial) e descobrindo que o irmão caçula, Liam, formara banda com amigos. Ali, o aspirante a astro entendeu que poderia ser interessante ajudá-lo, desde que ele, claro, fosse cérebro por trás do grupo. Isso incluía ser autor do repertório.
Podem existir outros grandes álbuns a nível técnico, mas esse é extremamente importante. Não há merda nenhuma. É uma visão honesta da juventude da classe trabalhadora tentando progredir. É sobre fazer sexo, usar drogas, beber e aproveitar tudo isso” Noel Gallagher, guitarrista
Dada a temperatura elevada dos shows (derrubava fácil, fácil pubs), não demorou até que quinteto chamasse atenção. Alan McGee, presidente da gravadora Creation Records, escutou fita demo que lhe apresentaram. Ficou enlouquecido e, maluco da ideia, encantou-se pelo toque psicodélico, pela cara de mau e pela origem dos músicos — eram da classe operária.
Noel Gallagher os liderava com pulso firme. “Nada acontece no Oasis sem o aval dele. Seu apelido na banda é ‘O Chefe’, e ele mantém o grupo em rédeas curtas com pulso inabalável”, relata Paolo, testemunha de tretas entre os irmãos. Com a guitarra, todavia, Noel criava riffs encorpados e barulhentos, perfeitos para os arranjos rasgantes costurados pela voz de Liam.
É o que se ouve em “Definitely Maybe”, primeiro disco do Oasis, lançado em 94 pela Creation. Sob produção de Mark Coyle, a obra será relançada hoje em edição comemorativa. Já na capa via-se as influências do grupo inglês: George Best (futebolista irlandês), Burt Bacharach (pianista estadunidense) e garrafas de vinho (combustível da arrogância).
Disco de estreia com 8,5 milhões de cópias vendidas, “Definitely Maybe” escancara a devoção religiosa dos irmãos pelos Beatles. O álbum abre com a hedonista “Rock’n’Roll Star”. Com riff crispante, a debochada “Cigarettes And Alcohol” narra zombaria etílica do eu-lírico: “estava procurando por ação/ mas tudo o que encontrei foram cigarros e álcool”.
A balada “Live Forever”, inspiradíssima, figura dentre as grandes composições de Noel. “Podem existir outros grandes álbuns a nível técnico, mas esse é extremamente importante. Não há merda nenhuma. É uma visão honesta da juventude da classe trabalhadora tentando progredir. É sobre fazer sexo, usar drogas, beber e aproveitar tudo isso”, afirma o músico.
Melodista
Isso ocorre, em grande medida, pelo fato de Noel ser ótimo melodista. No disco “(What's The Story) Morning Glory” que sucedeu em 95 o cultuado “Definitely Maybe”, os violoncelos soam cativantes em “Wonderwall” — o título foi tirado de tema composto por George Harrison. Noel declarou que fizera canção para a então namorada, Meg Matthews.
Em matéria de ternura, o álbum comove assim que toca “Cast no Shadow” e suas cordas sentimentais. Liam brilha como vocalista. É intenso nas letras evocativas, mas pode soar roquenrou. Um dos grandes momentos é a delicada “Champagne Supernova”, que joga alta carga dramática no desfecho com solos de guitarra executados por Noel e Paul Weller.
O encanto se dissipou, contudo, no auge do Oasis, embora ainda houvesse bons momentos — como o hit “Stand by Me”, gravado em “Oasis Be Here Now”, de 97. A banda ainda publicaria “Standing on The Shoulder of Giants”, 2000, “Familiar to Millions”, 2001, “Heathen Chemistry”, 2002, “Don't Believe The Truth”, 2005, e “Dig Out Your Soul”, 2008.
Após o grupo ser implodido em 2009 pela guerra fria entre os irmãos Gallagher, os fãs se perguntavam se haveria chance de vê-los juntos mais uma vez no palco. Até que, nesta semana, anunciaram o retorno com turnê mundial. Um divórcio de R$ 145,9 milhões de Noel teria impulsionado o retorno da banda. Talvez toquem no Brasil em 2025 ou 2026.
“As armas silenciaram. As estrelas se alinharam. A grande espera acabou. Venha ver. Não será televisionado”, disseram, arrogantes, no Instagram. Inicia-se amanhã venda de ingressos para a série de concertos do grupo no Reino Unido. Trégua na treta, valeu?