MC Pipokinha, 24, coleciona controvérsias. Nos últimos tempos, teve shows cancelados, fez sexo oral no palco, minimizou assédio sexual sofrido por mulheres e teve clipe retirado do ar por causa de racismo. A funkeira nascida em Santa Catarina debochou ainda de professores - ao dizer que seu baile sai R$ 70 mil equanto um profissional da educação não ganha nem R$ 5 mil - e um dançarino que a acompanha chegou até a acertar um chute no rosto de fã.
Ainda assim, o coreógrafo Jonas Kaik continuou requebrando no palco. Após a apresentação, contudo, disse nas redes sociais que “o pessoal da produção de imediato já foi e pegou” a mulher, que caiu desacordada. Pipokinha declarou ainda que assédio “todo mundo sofre”. Seu conselho às mulheres? “Se não sabe se defender, evita, não use roupa curta.” E saiu-se com um “eu estava sofrendo muitos ataques que não chegaram à mídia”, no caso em que atacou os profissionais da educação, muitos dos quais críticos à cantora.
Representante de um estilo que cresceu 200% só no Spotify apenas em 2022, Pipokinha ainda foi mais longe. Ela virou assunto nesta semana ao viralizar nas redes com vídeo em que aparece ao lado de DJ Márcio, 18, cantando a música “Bota na Pipokinha”, hit de sua carreira ouvido à exaustão nas plataformas de áudio. Até que o rapaz, então, é indagado pela funkeira famosa: “quando é que você vai fazer 18 anos para botar em mim”.
Desenvolvimento
O funk proibidão, vertente da qual Pipokinha se tornou adepta, surgiu nos anos 2000. Seu desenvolvimento, porém, é mais antigo, datando de meados da década anterior. São músicas consideradas proibidonas aquelas nas quais se contam histórias ligadas ao cotidiano das favelas, com tráfico de drogas e violência entre facções rivais. Difícil saber quem são os autores das músicas e, segundo a historiadora Juliana Bragança, em rigorosa pesquisa, MCs já tiveram problemas com a justiça sob acusação de promover apologia ao crime organizado.
“As músicas do funk proibidão são impedidas de circularem na grande mídia uma vez que ‘nomes dos traficantes e dos comandos que gerenciam o narcotráfico, além de situações explícitas de sexo apresentadas em algumas letras do funk (...) são evitadas em termos de veiculação no rádio”, analisa a historiadora Juliana Bragança, referência na historiografia brasileira sobre o gênero, na obra “Preso na Gaiola” - importante estudo sobre o estilo.
Segundo a estudiosa, graduada pela UFRJ, o funk proibidão é considerado ilegal porque, muitas vezes, é classificado - equivocadamente - como “promotor de apologia ao tráfico de drogas”. E isso, mostra Juliana, chegou a gerar problemas na Justiça para alguns MCs, dentre os quais Tikão e Frank, que foram até presos no ano de 2010 - para efeito de comparação, o samba já chegou a ser criminalizado na década de 1930.
Um dos estilos ligados ao proibidão é o chamado funk putaria, que têm mulheres como maiores representantes. O principal nome é a cantora Tati Quebra Barraco, expressão que denota sexo. As letras irreverentes, os versos sexuais, as menções às posições para transar. Há nessas músicas uma vertente que conta com aquelas vistas com maus olhos pelo mercado - na maioria das vezes, por causa de letras que aborbam sexo explícito, com palavras de baixo calão e, assim como no outro sub-gênero, também não assinadas.
Juliana mostra, em detalhado estudo, que uma das artistas mais polêmicas ligadas ao funk putaria atende pelo nome de Valesca Popozuda. Ela começou no mundo da música como vocalista do grupo Gaiola das Popozudas e, anos depois, lançou-se numa bem-sucedida carreira solo. Grande parte das músicas do grupo possuem, no mínimo, duas versões: uma - digamos - mais palatável, para tocar nas rádios, e outra - explícita -, cujo foco são os bailes funks, encontros fundamentais para o desenvolvimento da linguagem funkeira.
Anos 90 foram divisores para estilo
Até 1992, ano-chave para o estilo, era comum as pessoas entenderam como funk o som suingado tocado por Tim Maia, Sandra de Sá, Tony Tornado e Banda Black Rio. Na verdade, trata-se da soul music, ainda que aclimatada ao Brasil. É originária, como se sabe, da música afro-americana, consagrada - nos anos 60 e 70 - por Otis Redding, Aretha Franklin, Marvin Gaye e Dustin Springfield. Só que, sendo irmão postiço do gênero norte-americano, a versão carioca foi taxada por ouvidos da classe média como “vira-lata”.
O responsável por trazer, pela primeira vez, MCs cantando letras em português foi DJ Marlboro. Essa novidade aconteceu no disco “Funk Brasil”, considerado por pesquisadores um marco para o funk brasileiro. Mas os detratores não demoraram a aparecer: acusaram o novo som de ser desafinado e esganiçado. “A música funk carioca é uma fala cantada ou um canto falado sobre uma base rítmica”, explica na obra “O Funk na Batida”, livro publicado pela Editora Sesc e fruto de mestrado defendido pelo advogado Danilo Cymrot na USP.
Nos anos 1980, a convite do antropólogo Hermano Vianna, a cantora Fernanda Abreu descobriu nas comunidades cariocas a batida do novo som. Lá também conheceu Marlboro, de quem virou amiga e, de cara, convidou o artista para entrar em estúdio com ela no álbum “SLA Radical Dance Disco Club”, de 1990. Desde então, Fernanda - de classe média - defende o funk, embora nunca tenha escondido que prefere o estilo mais politizado, em que as letras trazem abordagem social e, a partir disso, fazem acurada análise social.
Mesmo com essa predileção, Fernanda não poupa elogios a Anitta, responsável pela internacionalização do estilo e por ter gravado com Madonna a faixa “Faz Gostoso”. “Desde a sua origem, o gênero traz em suas entranhas a junção de diversos elementos advindos de diferentes culturas, como o hip hop e a funk music dos Estados Unidos e, até mesmo, o axé da Bahia. Tudo isso põe em evidência as influências provenientes do que é chamado por alguns pesquisadores de diáspora africana”, afirma o pesquisador Jason Patrick Arnoldt, em dissertação de mestrado defendida na Universidade Federal de Goiás (UFG).
Além de tudo, o funk possui raízes na soul music e no Miami Bass, subgênero do hip hop que tem batidas sincopadas e letras despolitizadas em comparação ao gênero do qual se derivou. O que só confirma a tese de Arnoldt: o funk é diverso e inclusivo.