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Fotografia

Samuel Costa retratou músicos, artistas plásticos, escritores e filósofos

Artista registrou com eclosão do movimento gay na Europa. Acervo está preservado no MIS-GO, na Praça Cívica

Da esquerda à direita: Caetano Veloso, Ana Maria Pacheco e Antônio Pioneiro passaram à história pelas lentes - Fotos: Samuel Costa/ Acervo MIS-GO Da esquerda à direita: Caetano Veloso, Ana Maria Pacheco e Antônio Pioneiro passaram à história pelas lentes - Fotos: Samuel Costa/ Acervo MIS-GO

Descrito como "polêmico e ousado" pela pesquisadora da Universidade Federal de Goiás (UFG) Keith Valéria Tito no contexto do Festival Goyazes de Fotografia, o artista Samuel Costa, natural de Jataí (GO), traz à tona em suas capturas o corpo, o sujeito homoerótico e as sutilezas do universo masculino.

O acervo do fotógrafo está preservado no Museu da Imagem e do Som de Goiás (MIS-GO), localizado na Praça Cívica, em Goiânia – instituição onde Keith já foi diretora. Essa proximidade, segundo a autora, a levou a desenvolver sua tese de doutorado no Programa de Pós-Graduação em Arte e Cultura Visual (PPGACV) da Faculdade de Artes Visuais (FAV) da UFG, orientada pelo professor Samuel José Gilbert de Jesus e defendida em 2024.

"Fui servidora do MIS por quase duas décadas. Acompanhei a chegada do arquivo Samuel Costa à instituição e todo o processo de musealização, que envolve ações de conservação, catalogação, pesquisa e comunicação", conta.

História

Nascido no interior de Goiás, o fotógrafo viveu em Goiânia até meados de 1970, quando começou a se interessar pelo ramo e iniciou suas produções em 1975, ao mudar-se para Paris. Uma de suas primeiras câmeras foi uma Kodak e, em seu processo criativo, arriscava-se a produzir fotos variadas, reveladas dentro de um guarda-roupa.

De acordo com Keith, Samuel Costa "foi um fotógrafo autodidata, gay, com formação religiosa evangélica que, ao se mudar para Paris, profissionalizou-se e se dedicou a fotografar temáticas como o nu masculino e o homoerotismo, temas tabus para o universo anteriormente vivido por ele".


		Samuel Costa retratou músicos, artistas plásticos, escritores e filósofos
Autorretrato do artista goiano Samuel Costa (Foto: Samuel Costa/Acervo MIS-GO). DM Cultura


Keith ainda observa que sua obra é marcada por "silenciamentos" e barreiras sociais, aspectos que prejudicaram sua difusão. Para a pesquisadora, o trabalho visual de Samuel Costa é relevante nos dias de hoje e merece maior visibilidade.

Homoarte

Parte da produção do artista, analisada por Keith no contexto da tese, enquadra-se no que pode ser denominado como "homoarte". De acordo com o teórico Wilton Garcia, utilizado pela pesquisadora em seu estudo, o significado do termo refere-se "à sua designação para a arte homoerótica, para a arte gay, lésbica ou queer". Em outras palavras, trata-se de um conceito voltado para a produção artística inserida no contexto das identidades LGBTQIA+.

As produções de Samuel Costa não compartilham do mesmo estilo cultivado por outros fotógrafos goianos catalogados no MIS. Keith disseca essa característica em sua pesquisa e comenta que "a coleção se destaca em detrimento das demais, que, em sua maioria, são compostas por fotos produzidas pelos pioneiros da fotografia de Goiânia, entre as décadas de 1930 a 1950, cujas temáticas são voltadas para narrativa de uma história oficial".

Segundo a pesquisadora da UFG, essas composições sobre a história oficial da capital goiana "mostram a construção e o desenvolvimento da cidade por meio de suas vistas urbanas, dos eventos políticos e socioculturais e, ainda, pelos retratos de personalidades políticas e seus familiares". Samuel Costa, ao contrário, buscou, entre outros temas, retratar a nudez e os corpos masculinos erotizados, dialogando com fotógrafos em âmbito nacional, como Alair Gomes, e internacional, como Robert Mapplethorpe.


		Samuel Costa retratou músicos, artistas plásticos, escritores e filósofos
Marcha Nacional Homossexual realizada em Paris em 1983 e registrada por Samuel Costa (Foto: Samuel Costa/Acervo MIS-GO). DM Cultura


Para além da arte queer, nas décadas de 70 e 80, Samuel Costa fotografou personalidades do mundo da música, das artes plásticas, da literatura brasileira e da filosofia. Entre essas figuras estiveram Jürgen Habermas, Serge Gainsbourg, Gal Costa, Maria Bethânia, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Ana Maria Pacheco, Christo, Cecilia Meireles e Jorge Amado.

Memória viva

Quando o artista voltou para o Brasil em 1987, trouxe consigo todos os objetos que hoje compõem seu acervo, como ampliações fotográficas, diapositivos, negativos flexíveis, cartões postais, correspondências, discos, cartazes, entre outros materiais. O arquivo permaneceu na casa de sua mãe, Ambrosina Franco, onde Samuel morou até a data de sua morte, que ocorreu no mesmo ano em que voltou ao país, por complicações da aids.

Em 2010, o acervo do artista foi doado ao MIS como uma forma de homenagear e também difundir seu trabalho. Keith explica que, à época, a mãe de Samuel não tinha ideia do que fazer com os arquivos e bens pessoais do filho, de maneira que doá-lo ao museu foi um dos modos de mantê-lo vivo e de repassar suas contribuições à sociedade. "Ela achava que, ali, ele [o material] estava parado e que ele poderia ser comunicado para mais gente", explica.

A doutora em Arte e Cultura Visual revela ter trabalhado com a série de imagens mais polêmica e, ao mesmo tempo, a que mais representa a visão de mundo do artista. A partir dessa escolha, a pesquisadora pretendeu não apenas estimular reflexões, mas desconstruir pensamentos e atitudes "no que tange ao preconceito e à discriminação dos corpos que se destoam desses padrões heteronormativos de comportamento".

Ela achava que, ali, ele [o material] estava parado e que ele poderia ser comunicado para mais gente" Keith Valéria Tito, pesquisadora

Temática

No MIS-GO, o quinto volume da série "Cadernos de Fotografia" recebe o nome de "Imagens do Brasil", tendo sido organizado por Luís Araújo Pereira e Stela Horta Figueiredo em 2014. O catálogo privilegia a obra de Samuel Costa e abarca o período em que o artista se ausentou temporariamente da França. Ao retornar ao Brasil, buscou registros da sua terra natal, Jataí, momento no qual destacam-se os retratos de artistas e amigos. Além de Goiás, produziu imagens na Bahia, Minas Gerais, Pará, Rio de Janeiro e São Paulo.

Samuel também registrou as manifestações de rua de movimentos homossexuais na Europa durante a década de 1980. Entre elas, estão a Marcha Nacional Homossexual, ocorrida em 1983. Além disso, parte considerável da sua produção homoerótica foi publicada em revistas como Gai Pied Hebdo. Existem ainda fotografias representativas do carnaval gay no Brasil e na Itália, e imagens de boates e clubes noturnos em Paris e Londres.

Como explica Keith em sua tese, o repertório do fotógrafo é diversificado. Estende-se das imagens homoeróticas do corpo masculino às fotografias urbanas, paisagens rurais, retratos de artistas, imagens do homem do campo e seus afazeres, passando pela fotografia publicitária e também por registros do garimpo em Serra Pelada, no Pará.

Uma das curiosidades da vida de Samuel é que ele também tinha gosto musical apurado, como aponta a pesquisa. Uma parcela de seu acervo é fonográfica e tem como destaque a sua coleção de vinis, que reúne artistas como Beatles, Rolling Stones, Rita Lee e Nina Simone.

Reportagem originalmente publicada no Jornal da UFG, em 11/02/2024

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