É de ficar comovido: Walter Benjamin - aos 48 anos - prefere o suicídio em Portbou, cidade localizada nos montes Pirineus, entre França e Espanha. Ele era judeu alemão em tempos de nazismo, tinha escrito ensaio sobre o poeta Charles Baudelaire e refletido a respeito da reprodutibilidade técnica na arte, ou seja, virou um símbolo emblemático de uma intelectualidade refinada no seio da barbárie. Até hoje, as palavras benjaminianas vivem.
Benjamin foi um dos pensadores que o jornalista norte-americano Varian Fry tentou tirar da Europa a partir de Marselha, no sul da França, durante a Segunda Guerra Mundial. Como diria anos tempos a filósofa e amiga Hannah Arendt, quando os carrascos nazistas encararam o Julgamento de Nuremberg após o cessar-fogo, eram poucos os que ainda sabiam do brilhante ensaísta no momento em que optara pela morte no outono de 1940.
“Para muitos de sua origem e geração, sua morte marca o período mais negro da guerra”, recordou-se Arendt, que conseguiu atravessar os Pirineus, cruzar a Espanha, chegar em Lisboa e seguir a Nova Iorque. Assim como André Breton, Max Ernst e Marcel Duchamp, expoentes do surrealismo, dadaísmo e expressionismo retratados em “Transatlântico”, série em cartaz na Netflix, a escritora também era odiada por Adolf Hitler e sua polícia política.
É um drama necessário, porque mostra a história do Comitê de Resgate de Emergência e narra os desafios de Varian (Cory Michael Smith) em atuar ao lado do cônsul americano, Graham Pattern (Corey Stoll), dada a simpatia que o diplomata tinha pelo fascismo. Quem ajuda a financiar a resistência é a socialite Mary Jane Gold.
Como se não bastasse ter de tomar cuidado com os nazistas, Mary Jane precisa dar um jeito nas exigências que o pai lhe faz, um endinheirado industrial dos Estados Unidos: ou ela debanda da ideia de lutar contra Hitler e deixa a Europa, ou ele, o progenitor, não tem outra opção e, sem tê-la, parará de mandar-lhe dinheiro. E, longe de ser surpreendente, é isso que acaba acontecendo. E olha só o drama: a americana usa a grana para ajudar judeus.
Mary Jane mete-se numa encruzilhada: sem dinheiro, fazer o quê? Se voltar, talvez seja forçada a se casar. Fora de cogitação, nada de Chicago! Outra ideia, Mary Jane precisa de outra ideia! E recebe, então, proposta de camarada que mora Villa Air Bel, para cuja residência ela e Varian se mudam quando a polícia descobre que o Hôtel Splendide era, na verdade, um esconderijo. A americana se relaciona com Albert Hirschman (Lucas Englander), um economista austríaco e judeu. Ora veja, sem amor não há solução.
Relevância artística
“Transatlântico” dá nome aos bois: quem é culpado pela situação dos refugiados atende pelo nome de Estados Unidos. Varian Fry guia-se pela fúria de nunca ter tido suas tentativas em alertar a violência antissemita na Alemanha levadas a sério - na vida real, o jornal “The New York Times” lhe censurou um texto no qual denunciava o ódio nazista, nos anos 1930.
Patterson, o cônsul americano, é retratado como um sujeito impiedoso. Quando o assunto é dinheiro e empresas dos EUA no continente europeu, ele revela-se um crápula. Para tanto, justifica as razões que, na visão dele, a guerra se transformaria num desastre - ao Tio Sam, claro. “Henry Ford vendeu mais de 60 mil carros na Alemanha nos últimos cinco anos”, diz, demonstrando que a neutralidade tinha, na realidade, muito pouco a ver com a soberania dos povos, e sim com interesses de seu país - lucro acima de tudo, deus acima de todos.
Quem imaginou um dia assistir uma série da Netflix que estimula debate filosófico ou personagens como André Breton, Max Ernst ou Hannah Arendt? Pois saiba, é o caso de "Transatlântico”, série de Anna Winger. Os esforços de Varian Fry merecem ganhar as telas. Afinal de contas, ele deixou Nova Iorque com uma lista debaixo do braço na qual estavam gravados 200 nomes. Um ano depois, livrou centenas de pessoas do nazismo e proporcionou que escapassem da morte. Mas Walter Benjamin, gênio, não conseguiu.
Onde assistir 'Transatlântico'
Netflix
7 episódios
Drama
Classificação indicativa: 16 anos