Rock e maracatu andam juntos. É tipo Roberto & Erasmo, Lennon & McCartney. Os dois estilos têm mesma acentuação, como veremos neste sábado, 19, em show do mangueboy Sérgio Roberto Veloso de Oliveira, o Siba, que sobe ao palco do Shiva, a partir das 23h.
Só mesmo ouvindo ao vivo esse maracatu-humildade, que promove desde os anos 90 um delicioso fuá na casa de Cabral, para entender o sobe e desce das ladeiras em trajes ancestrais. Pelas ruas do Setor Oeste, imersas no baque solto, ecoarão bocas dizendo versos do juízo que se abre para o som da mata, com corpos a se movimentarem na grande noite.
Sim, dançaremos a música pernambucana criada há três décadas. Ao lado de Nação Zumbi, Mundo Livre S/A e Banda Eddie, o grupo Mestre Ambrósio — do qual Siba fora fundador — emoldurou cultura nordestina em sonoridade pé-de-calçada, combinando ciranda e forró, baião e maracatu. E, claro, temperou-a nas notas de guitarra à moda Pepeu Gomes.
Mistura sonora singular, essa. A musicalidade do Mestre Ambrósio — beleza inimitável — ainda traz outro elemento: cavalo-marinho. Tal ritmo popular, originado na zona da mata nordestina, se teatraliza na simplicidade da rua e, em seu escopo de personagens, apresenta o velho Mestre Ambrósio, que surge em cena revestido numa máscara preta e branca.
Rebobinemos a fita na qual guardamos cenas antropológicas de “Renascer”: bumba meu boi. Memória televisiva da cultura popular fotografada. Ah, Siba, é só tua música ressoando em minha memória a arte popular, poeta sambador sambando o tempo na terra de reis.
Não basta só ouvir, é necessário entender o que se ouve. Deve-se separar os limões nessa limonada estética: Nação Zumbi pluga guitarra na eletricidade roqueira (meio heavy metal, pensando bem) e percussiona batuques de maracatu atômico, enquanto Mestre Ambrósio anda por caminho inverso, de tradição popular, e sem abrir mão do rock e da música árabe.
Eder “o” Rocha (percussão), Helder Vasconcelos (fole de oito baixos e percussão), Cassiano (percussão e vocal), Mazinho Lima (baixo), Mauricio Bade (percussão) e Siba (voz, guitarra e rabeca) se conheceram no ambiente estudantil recifense. Ali, algo comum aos jovens daquele tempo, contavam uns aos outros do gosto pelo rock, mas se voltaram para gêneros locais.
Dentre 1996 e 2004, o Mestre Ambrósio publicou três discos: “Mestre Ambrósio” (1996), “Fuá na Casa de Cabral” (1999) e “Terceiro Samba” (2001). Em junho, o grupo lançou no streaming o xote “Pela Janela”, no qual o eu-lírico trafega entre afetos e memórias do beijo amado. “O perfume que lhe envolveu/ fez seu corpo dançar no espaço”, vocaliza Siba.
Nos anos 2000, em carreira solo, Siba acentuou seu despertar para sonoridades regionais, iniciadas ainda durante manguebeat. Agora, o cantor, compositor, guitarrista e rabequeiro mergulhava nos ritmos que lhe marcaram a infância recifense, sendo, aliás, filho de família do agreste. A viagem resultou ótima em 2002 quando lançara o disco “Fuloresta do Samba”.
Código de conduta
Naipe de metais se mistura ao balanço percussivo dos ritmos populares. Mas no ano seguinte, em 2003, Siba registrou em obra fonográfica códigos de conduta do maracatu rural, por vezes também chamado “de baque solto”, que seria contraponto ao estilo urbano, o dito “de baque virado”. Detalhe: pernambucanos conceituam todo ato de festejar como samba.
“No Baque Solto Somente”, parceria com o mestre Barachinha, embriaga-se na cultura popular. A estrutura, explica o crítico Pedro Alexandre Sanches, soa simples. Um apito precede começo da batucada, que caminha por estrada melódica sedimentada pelo naipe de sopros. Em certo momento, suspende-se até o acompanhamento rítmico. O mestre declama versos, o sopro retorna e, alto-astral, a batucada aumenta, até que se inicie novo ciclo.
Onde procurava roquenrol, Siba encontrou brasilidade, catimbó e poesia do homem simples. De guitarrista distorcido, um caranguejo com cérebro (pra usar expressão do mundo livre Fred Zero Quatro), o artista aposta no estudo de rabeca e canto popular, numa estrutura musical folclorista, de boas letras, refrão curto e, sobretudo, melodias cativantes.
Tragando no cachimbo da poesia, o compositor lançou em 2007 o disco “Toda Vez que Eu Dou Um Passo o Mundo Sai do Lugar”, que reúne as ótimas faixas “Pisando em Praça de Guerra”, “Cantar Ciranda” e “Toda Vez que Dou um Passo Sai do Lugar”. Antes de regressar às origens roqueiras, em “Avante”, de 2012, publicou com Roberto Côrrea o belo “Cara de Bronze”, em que o violão se revela o grande protagonista das composições.
Tanto “Avante” quanto “De Baile Solto”, este de 2015, têm presença da guitarra nos arranjos. Em 2019, Siba publicou disco “Coruja Muda” e acaba de disponibilizar no streaming single “Vaivém”, alimentando expectativa de novo álbum. Enquanto esse trabalho não chega, resta vê-lo no Shiva. Rock e maracatu, voltando ao início deste texto, andam juntos.
SIBA EM GYN
Sábado, 19, às 23h
Shiva Alt-Bar
Alameda das Rosas
1371, Setor Oeste
A partir de R$ 50
Pelo app Shotgun