Toca no último volume da catarse musical o single “Angry”, lançado pelos Rolling Stones nesta quarta-feira, 6. Já tentei escrever zilhões de vezes sobre a sensação que é esperar anos por uma inédita de Jagger, Richards e Wood (Charlie, você nunca será esquecido, cara), mas acabo sempre voltando a faixa pro início, me levanto da cadeira, escuto-a de novo e anseio por cair no rock. Não nego pra ninguém: curto música que tenha alma.
É impossível ouvir o single como se ouve outros por aí. Ao menos para um fã, pode apostar, é. Se você ainda não percebeu, não renego minha posição de stoniano indefectível. Do alto dela, portanto, digo que Keith Richards não deveria nunca parar de criar seus riffs e nem Ron Wood abdicar dos seus solinhos que põem em diálogo as frases rítmicas de Richards. A voz de Mick Jagger está tatuada em nossos tímpanos há mais de 50 anos.
Só que falta um componente em “Angry”. Um importante componente, aliás: a bateria de Charlie Watts, falecido em agosto de 2021, aos 80 anos. Ok, Steve Jordan comanda com dignidade o bumbo dos Stones. Mas ele não é Watts, tampouco quer sê-lo, apenas dita o ritmo pra Keith, que olha pra Ron, que olha pra Jagger e, em 15 segundos, não mais do que isso, a mágica está feita: música orgânica, verdadeiríssima. Sinfonia de guitarras, linha de baixo e aquele pianinho safado que amamos. Depois disso, amarre os pés e as mãos.
Não sei como, mesmo passado todos esses anos, a banda consegue manter seu arsenal libidinoso em pé. No single, Jagger se lamuria numa briga entre amantes. “Faz um mês que não chove, o rio está seco/ não transamos e quero saber por quê”, reclama o vocalista, acabando por cantar a plenos pulmões. “Eu ainda estou tomando os comprimidos/ e vou ao Brasil.” Os Stones - já diria Zeca Jagger, pseudônimo do jornalista e produtor Ezequiel Neves - é “melhor do que tudo que imaginei deles”. “Nada pode ser tão bom”, resume.
As resenhas, até outubro, estão embargadas. No entanto, o crítico Ben Beaumont-Thomas, do “The Guardian”, descreve o álbum com energia nas alturas, num rock acelerado, com a característica progressão de acordes e uma linha de baixo disco que lembra o groove de “Miss You”, hit do elepê “Some Girls”, lançado em 1978. “Há também números de blues reduzidos, country-rockers bucólicos e baladas pop-rock mais leves”, garante o jornalista.
Para Ronnie, um dos melhores riffs do trabalho é “Whole Wide World”. Os músicos se reuniram no Natal e terminaram o disco em fevereiro. Foram escritas 23 músicas, mas só 12 entraram em “Hackney Diamonds” - duas das quais gravadas por Charlie. “Desde que ele se foi, é diferente. Steve foi recomendação dele e seria mais difícil incluir alguém na banda sem sua benção”, conta Keith, em cujo trabalho voltou a tocar com o baixista Bill Wyman e gravou com o beatle Paul McCartney - para quem tudo foi muito “divertido”.
O anúncio do primeiro disco de inéditas em 18 anos ocorreu durante coletiva de imprensa em Londres, cidade na qual a banda foi fundada, no ano de 1962. Jagger, Richards e Ronnie levaram papo com o apresentador Jimmy Fallon sobre “Hackney Diamonds”, o 24º disco da lendária banda, previsto para sair no próximo dia 20 de outubro. Trata-se do primeiro trabalho com inéditas desde “A Bigger Band”, de 2005, e o primeiro após o falecimento de Charlie. Há sete anos, gravaram “Blues and Lonesome”, tributo aos mestres do blues.
No palco, os músicos estavam com o sarcasmo em dia. “Talvez estivéssemos com um pouco de preguiça”, disse Jagger, sobre o hiato de 18 anos sem inéditas. “De repente, dissemos: ‘vamos colocar um prazo’. E fizemos isso bem rápido. Havia muitas ideias circulando e nós as reunimos pouco antes do Natal.” Wood, de 76 anos, receitou: “você tem que manter seus dedos em movimento quando chegar à nossa idade – manter tudo em movimento”. Quando questionado se já se casou com alguém que foi a um show dos Stones, Richards tomou a dianteira. “Eu poderia casar com todos eles, cara”, debochou o guitarrista-pirata.
“Hackney Diamonds” é gíria para o que acontece com pára-brisas quando alguém fica, digamos, doidão numa festa. “Não estaríamos lançando isso agora se não gostássemos realmente. Não queríamos fazer qualquer disco e lançá-lo. Queríamos fazer um disco, um bom disco. Antes de tudo, dissemos que todos queríamos fazer um disco que amássemos. Algumas pessoas podem gostar, outras não. Mas estamos satisfeitos com resultado.”
Faixa a faixa 'Hackney Diamonds':
1. Angry
2. Get Close
3. Depending on You
4. Bite My Head Off
5. Whole Wide World
6. Dreamy Skies
7. Mess It Up
8. Live by the Sword
9. Driving Me Too Hard
10. Tell Me Straight
11. Sweet Sounds of Heaven
12. Rolling Stone Blues
Disponível nas plataformas de streaming