A afinação que Almir Sater utiliza, se você nunca percebeu, se chama Rio Abaixo. Torna a viola sedutora. Mística, se preferir. Um som misterioso sai dela a cada vez que suas cordas são tocadas. Mas Almir Sater, uma das maiores autoridades no assunto, usa também a Cebolão e a em dó maior, com a qual chegou a gravar. “Não sei nem se tem nome. Fui fuçando na viola. A viola é um instrumento muito pessoal”, diz o músico, durante entrevista exclusiva ao Diário da Manhã, realizada antes de se apresentar neste sábado, 9, em Britânia.
Almir se apresenta na 28ª edição da Festa do Peão de Britânia, evento que declara desejo em redefinir a forma como as tradições rurais goianas se unem às expressões culturais modernas, proporcionando experiência inclusiva. Ele sobe ao palco a partir das 23h. A festa acontece desde o dia 6 e se estende até sábado, com entrada solidária: 1 kg de alimento não perecível. Já passaram pelo palco o cantor Marcus Biancardini e o violeiro Almir Pessoa.
Nascido em Campo Grande (MS) em novembro de 1956, Almir Sater se destaca em sua trajetória artística por ser um dos responsáveis pela valorização da viola, base da música caipira. Suas composições refletem o popular e o erudito de maneira ímpar, como poucas vezes se ouviu na música brasileira. É um som refinado, bonito, folkeado. Lembra a alma expressiva Bob Dylan e Joan Baez - maiores expoentes do estilo nos Estados Unidos.
Na entrevista que se segue, Almir Eduardo Melke Sater fala ao repórter sobre mistérios em torno da viola, revela segredos do instrumento, detalha como foi processo criativo do belo disco “Do Amanhã Nada Sei” e confessa amor a Goiás, onde também se apresenta neste mês (dia 24) no Canto da Primavera, em Pirenópolis. Almir ainda toca, em novembro próximo, no Teatro Rio Vermelho, na Capital goiana. Veja os melhores momentos do bate-papo:
Diário da Manhã - A viola carrega universo de mistérios. Encontram-se formas de afiná-la diferentes até entre regiões do Brasil. Quais são as afinações que você utiliza?
Almir Sater - A viola é um instrumento misterioso, místico. Cada região tem preferência por uma determinada afinação. Cada violeiro tem sua preferência por usar uma afinação específica. E existem várias afinações. Eu gosto de trabalhar no Rio Abaixo, no Cebolão, na afinação de dó maior, com a qual gravei algumas coisas. Não sei nem se tem nome. Fui fuçando na viola. A viola é um instrumento muito pessoal. Cada violeiro tem sua preferência, seu toque e sua colaboração para a grandeza do instrumento.
DM - Quais são as artimanhas de afinação para criar uma viola ágil, com som sedutor, do cramulhão - tal como o público brasileiro assistiu no remake da novela “Plantanal”?
Almir - Sobre as artimanhas das afinações, é como eu te falei na pergunta anterior: cada músico tem seu toque, sua preferência. Na música caipira/ sertanejo tradicional, o pessoal gosta muito de usar o Cebolão. Na região do norte de Minas, terra de grandes violeiros, o pessoal opta por Rio Abaixo. Essas duas afinações são as mais comuns de encontrar.
DM - Sua musicalidade guarda elementos do folk, como se ouve o disco “Do Amanhã Nada Sei”, e soa a nossos ouvidos como voz capaz de mediar a reconciliação num país ainda hoje polarizado. Onde você busca referências para criar uma obra tão refinada?
Almir - Realmente, minha música traz elementos do folk. Quando falo folk, falo em músicas que vêm do interior dos países, músicas que vêm das expressões mais simples da cultura de cada povo. Gosto muito do folk inglês. E de música brasileira também. Nosso país é um continente. Cada região tem um sotaque. E folk vem de folclore. Já a expressão folk eu acho que é o folclore com uma pitadinha de pop. Essa é a diferença.
DM - “Do Amanhã Nada Sei” nos fica a sensação de que você se pautou a vida inteira pela procura de um som seu, unindo a canção pantaneira com a música tocada nas cidades. Como a produção do norte-americano Eric Silver te ajudou nessa empreitada?
Almir - É verdade. Esse disco tem um som que foi sendo construído aos poucos, desde quando fui gravar o álbum nos Estados Unidos e conheci o Eric Silver. Ficamos amigos. Ele acabou produzindo o disco “AR”, que fiz com Renato Teixeira. Tivemos um bom resultado. E gostamos desse clima, desse tipo de som, dessa soma de influência e dessa contribuição de excelentes músicos. Resolvi continuar, em “Do Amanhã Nada Sei”, com essa mesma fórmula. Mudou alguns músicos, mas a fórmula segue parecida.
DM - A faixa primeira faixa do disco nos é familiar à medida que identificamos nela a referência a “Je Suis Desole”, canção gravada por Mark Knopfler. Por que você gosta tanto do astral dessa música?
Almir - Eu e Paulo Simões fizemos uma versão da música do Mark Knopfler. Uma vez, fomos para a França e ouvimos muito essa música. Tem expressões em francês, né? Je Suis Desole. Como a ouvimos muito na viagem, ficou meio marcado na nossa memória. Resolvemos fazer essa versão. Depois, ficamos sabendo que o pessoal não iria autorizar, que era complicado, etc. Pegamos, então, uma curva à direita e fizemos essa música. E o resultado foi legal, nos agradou muito. Tanto que acabou dando nome ao disco.
DM - Suas composições retratam a vida no campo. A poesia dos cheiros que encontramos no sertão abastece os versos daquilo que você canta. Como a música consegue conscientizar as pessoas sobre a necessidade de cuidar do meio ambiente?
Almir - Nossas letras, nossas músicas, ela reflete o que a gente gosta. Reflete o nosso momento também. Eu sou um homem do campo. Sempre sonhei em viver no mato. A natureza faz bem pra mim. Geralmente, quando nós estamos trabalhando, optamos por ficar no meio dela. Meus parceiros do Pantanal. Vou lá pra Serra da Cantareira. A natureza está sempre em volta da gente e reflete no nosso trabalho. É uma forma de conscientização sobre a necessidade em cuidar do meio ambiente. Na verdade, nós dependemos dele. A natureza sempre nos ajudou, nos inspirou, trazendo um ar maravilhoso. Um silêncio. O som dos pássaros. Tudo isso contribui para que nós tenhamos condições de fazer uma boa música.
DM - Continuando nessa toada, Almir, qual é o seu poeta sertanejo favorito?
Almir - São vários poetas sertanejos. Têm os genuínos, tipo Lourival dos Santos, que eu conheci. Um homem brilhante. Inteligente demais. Foi parceiro do Tião Carreiro. Existem ainda João Pacífico, Teddy Vieira, o grande Renato Teixeira e Paulo Simões. São meus parceiros. Acho que são poetas sertanejos também de alta categoria.
DM - Com Renato Teixeira, você fez o disco “AR”, considerado como obra fabulosa. Por que decidiram estabelecer nesse trabalho um diálogo com Bob Dylan e Joan Baez?
Almir - Eu e Renato sempre tivemos vontade de fazer um trabalho juntos. Um dia estava na Serra da Cantareira e ele me mostrou uma canção chamada “A Flor que a Gente Assopra”. Aquela canção me tocou profundamente. Pela simplicidade, pela beleza, pela poesia e pela generosidade. E o Renato é um cara muito generoso. Sempre disponibiliza as músicas dele para quem quiser gravá-las. Naquele dia, fiquei com medo de ele pegar a música e já entregar pra alguém. Falei: ‘Renato, a gente tem que começar o nosso disco agora. Já guarda essa canção pra gente’. Ali começou o projeto do álbum. Gostamos tanto de fazer “AR” e, logo em seguida, fizemos o “+AR”. Mostra um pouco do nosso gosto. Nós temos um gosto parecido. Quando escutei o trabalho do Renato Teixeira, percebi que eu não estava sozinho nesse universo da música folk brasileira.
DM - O que o público de Britânia pode esperar do espetáculo que você irá fazer na cidade?
Almir - Pode esperar total dedicação. A gente sempre quer fazer o melhor show do mundo. Tô meio gripadão agora, como você pode sentir. Mas espero no dia já estar em boas condições. Gosto de tocar nessas bandas do Araguaia. Um lugar que sempre me motivou. Tenho uma relação muito forte com Goiás. Sou casado com uma mulher goiana. Esse estado sempre me trouxe coisas maravilhosas. Espero devolvê-las em forma de canção.