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Timothée Chalamet encarna Bob Dylan em aguardado filme

‘Um Completo Desconhecido’ ficcionaliza revolução musical encabeçada por Dylan nos anos 1960. Produção estreia nos cinemas goianos em fevereiro

Ator conquistou elogios lá fora por interpretar trovador folk - Foto: Divulgação Ator conquistou elogios lá fora por interpretar trovador folk - Foto: Divulgação

Falam bem pacas de Timothée Chalamet no filme “Um Completo Desconhecido”: ficção desfrutável, fácil de assistir, caracterização fiel. Vejo Chalamet encenando a imortalidade. Vamos com calma, porém. Como em qualquer show cover, o material original nos prende.

O filme que emerge daí costuma ser subserviente, acrítico, dissociado da realidade. E, no entanto, muita gente o assiste. Uns até gostam. Regozijam-se. Tem função pedagógica, acreditam. Mas o puxa-saquismo reina ali. Certas passagens biográficas são aniquiladas. Somos acossados por uma indústria cultural inclinada às historinhas adocicadas.

“Um Completo Desconhecido” chega aos cinemas goianos no dia 27 de fevereiro. Dirigida por James Mangold, a película retrata quatro anos agitados da vida de Bob Dylan. O ponto alto, conforme resenhas publicadas na imprensa anglófona, é o show que Dylan fez no Newport Folk Festival em 1965. Ele provocou um abalo sísmico ao usar guitarra elétrica.

Dylan ganhou o mundo com tamanha velocidade que sequer The Beatles conseguiram acompanhá-lo. Se os rapazes ingleses pediam “Help!”, o trovador norte-americano dedilhava “Mr. Tambourine Man”. Foi preciso que sofresse acidente de motocicleta, em 1966, para que Beatles e Rolling Stones chegassem mais perto dele em termos artísticos.

“Jamais quis ser profeta ou salvador”, afirmava o cantor, quando incitado a falar de sua discografia. Diante do rock — auge da beatlemania, começo dos Stones —, não podia continuar sendo aquele cantor folk solitário. Quando aparecera com guitarra elétrica em Newport, muito ousado e estranhamente moderno, foi alvo de chacota dos puritanos.

“Highway 61” resultou digno e, embora lhe lançassem duras críticas, é atemporal. Talvez fosse a maior transformação musical desde “Sagração da Primavera”, composição de Stravinsky que causara em 1913 motim no Théâtre des Champs-Elysées. Paris enlouqueceu, mas logo se compreendeu o que estava em jogo ali. Houve mais ou menos isso com Dylan.

Aqueles críticos, coitados, nem sabiam que o rock deixava de ser música adolescente. Dylan presenteou os Beatles com seus baseados em 1964. Maconha era comum entre blueseiros e jazzistas. Todos chapavam. Desacelerava-lhes o tempo. A percepção temporal melhorava.


		Timothée Chalamet encarna Bob Dylan em aguardado filme
Timothée Chalamet impressiona pela caracterização fiel. Foto: Divulgação


Agora, a canção popular era uma obra de arte em si. Recitava-se mais do que se cantava, como se a melodia precisasse ser demitida. Voz anasalada, peculiar, essa de Dylan. Ao deixar de ser cantor folk para virar roqueiro segurando uma guitarra, o artista atualizava o manual da música pop. Já não mais se fazia necessário um hit radiofônico de três minutos.

Com seis minutos e treze segundos de duração, “Like a Rolling Stone” foi objeto sobre o qual a pena ensaística do crítico musical Greil Marcus repousara em livro editado no Brasil pela Companhia das Letras. Marcus faz análise meticulosa dessa canção que se tornou símbolo da contracultura, relacionando-a com momento histórico da política dos EUA.

Mas existem múltiplos Dylans: o poeta vencedor do Nobel da Literatura, o homem religioso, o gênio desencantado e renascido. “Escolher apenas um parece inútil”, atesta a jornalista Manohla Dargis, no “New York Times”. “Em vez disso, com Chalamet no comando, que, como os outros protagonistas, canta (muito bem) com sua própria voz, mostra a Bob o enigma, um médium que chega do além - isto é, de Minnesota - a um mundo necessitado.”

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Esse Dylan, “desajeitadamente encantador, por vezes cruel e totalmente desconcertante”, escreve versos que são melhores momentos da poesia no século 20. Emoldura-os com ritmos delicados, como um artesão sensível. Seus refrões apunhalam nossos ouvidos. Suas letras trazem pautas urgentes. Sua vocalização áspera espalha inquietações de uma geração.

Na prosa libertária de Jack Kerouac — sobretudo no romance “On The Road”, editado em 1957 —, Dylan adquiriu coragem suficiente para meter o pé na estrada. Chegou a Nova York em um dia frio e cinzento de inverno. Pouco tempo depois, já flanava pela boemia do Greenwich Village, onde se encontravam músicos, poetas, escritores, turistas e migrantes.

Nova York

Ali, vemos Robert Allen Zimmerman usando jaqueta marrom, mãos depositadas no bolso da calça e rosto abaixado nas ruas de Greenwich Village. A namorada da época, Suze Rotolo, o abraça. Cumplicidade apaixonada. Essa é a imagem daqueles dias fotografada por Don Hunstein para a capa do disco “The Freewheelin´ Bob Dylan”, publicado em 1963.

Manohla Dargis diz que a introdução de “Um Completo Desconhecido” é desfavorável. “Você sente a direção de arte”, afirma a crítica, acrescentando que as coisas pioram quando Dylan se depara com um músico de rua. Mas a vida começa a melhorar, diz Dargis, quando encontra seu lugar no mundo folk da cidade. Aqui, o ritmo do filme se torna mais atrativo.


		Timothée Chalamet encarna Bob Dylan em aguardado filme
Robert Allen Zimmerman: lenda viva por Timothée Chalamet. Foto: Divulgação


Para a jornalista, Dylan viajou “leve”, com mochila e violão cujo adesivo colado no instrumento dizia “essa máquina mata fascistas”. São as mesmas palavras de seu ídolo, Woody Guthrie. “Bob veio a Nova York, entre outras coisas, para visitar Woody (Scoot McNairy), agora mudo, que está morrendo em um hospital de Nova Jersey", pontua a especialista.

“Um Completo Desconhecido” se baseia no livro de ficção “Dylan Goes Electric!: Newport, Seeger, Dylan, and the Night That Split the Sixties”, escrito pelo guitarrista e historiador de blues Elijah Wald. A obra ainda não foi editada no Brasil. O filme, roteirizado por Mangold e Jay Cocks, transforma a vida de Bob Dylan em jornada heróica, com desfecho previsível.

UM COMPLETO DESCONHECIDO

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