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Turnê Caetano & Bethânia chega ao Mané Garrincha, em Brasília, neste sábado

Artistas convidam público para oração ao tempo, compositor de destinos

Bethânia e Caetano: artistas revisitam repertório atemporal da música brasileira - Foto: Fernando Young/ Divulgação Bethânia e Caetano: artistas revisitam repertório atemporal da música brasileira - Foto: Fernando Young/ Divulgação

Brasília (DF) - Onde queres o ato, Caetano Veloso será o espírito. Brasília, essa linha modernista construída no horizonte, assistirá neste sábado a show aguardado no Mané Garrincha. Doces bárbaros, oração ao tempo. Obra total. Milagres do povo, brincar de viver. You don´t know me.

“As palavras parecem dizer muita coisa relevante quando a gente a canta. Quando a gente pensa um pouco, nada é mesmo relevante. Depois a gente pensa mais e volta a desconfiar de que talvez seja tudo relevante”, refletiu Caetano, gênio da raça, numa entrevista das antigas.

Caetano, escreve o filósofo Pedro Duarte, faz canção pensar e pensamento cantar. Desde a estreia afinada à bossa nova, “Domingo”, de 1967, até “Meu Coco”, lançado em 2021, o compositor baiano jamais deixou de provocar. Talvez isso o rejuvenesça na vida e na arte.

À exceção de show e obra fonográfica nos anos 70, Caetano Veloso e Maria Bethânia não se apresentavam como dupla, embora suas trajetórias se interseccionem, se inspirem e se fortaleçam mutuamente. Ambos carregam ensinamentos ancestrais da família baiana.

Para o escritor argentino Julio Cortázar, os irmãos eram as mesmíssimas pessoas. Ironia cortazariana, óbvio. O autor de “O Jogo da Amarelinha” aplaudiu cantora em 75 quando a assistira certa noite em São Paulo. Arrebatava-lhe a voz dela, a dicção forte. De Gilberto Gil, tinha todos os discos. Acompanhava música brasileira. Ia a tudo quanto era show em Paris.

Bethânia? Vocaliza coisas poderosas demais, vigorosas demais, e também fala mansinho demais, como quando certifica-se da verdade na sua voz quente. Cortázar, fácil, fácil, atirava-se aos pés dessa versão de Bethânia, simpático que nunca deixou de ser pela filha de Dona Canô, enquanto Brasil ama totalidade dessa chica e aguarda espetáculo com Caetano.

Que artista sensível, o Caetano. Aliás, origina-se na pena poética dele os primeiros versos a serem registrados na voz grave e característica da irmã apaixonante. Em 64, ele e ela dividiram palco no Teatro Vila Velha, em Salvador, num show fartamente documentado em livros, discutido na imprensa e desdobrado nas universidades em teses ou dissertações.

“Nós, Por Exemplo”, realizado em agosto de 64, inicia a história musical dos irmãos. No mesmo ano, participaram do espetáculo “Nova Bossa Velha, Velha Bossa Nova”. Nara Leão estava na plateia e, encantada, convidou Bethânia para lhe substituir no musical “Opinião”, cujo palco dividia com Zé Kéti e João do Vale, no Teatro Opinião, em Copacabana.

Os pais aceitaram, mas uma condição: Caetano, quatro anos mais velho, deveria ir junto. Em 15 de fevereiro de 1965, Bethânia estreou em cena. E jamais — desde então — saiu dos ouvidos brasileiros. Por sua vez, o irmão, estudante de filosofia, com sonho de escrever literatura e produzir cinema, abraçou ofício da música — antes praticado sem ser profissão.

Enquanto a irmã buscava sua independência artística, Caetano se juntava a Gil e Gal para lançar as bases ao tropicalismo. A atenta Bethânia alertava o mano quanto aos rumos do movimento transgressor, uma vez que era preciso voltar-se à Jovem Guarda de Roberto e Erasmo Carlos e, se possível, compreender que ser popular não é sinônimo de má qualidade.

Dado o controverso viés estético utilizado à época, não se levava muito a sério vocação pop dessa música jovem — meio Elvis Presley, meio Little Richard — cantada em bom português from Brasil (sim, com S mesmo). Muito menos se aceitava aquelas letras sobre os anseios da juventude, a tal ponto de a considerarem reles — e alienante — cópia do iê-iê-iê anglófono.

Logo depois, o Brasil se barbarizou e, em razão disso, se imbecilizou — pois ditadura. Aos olhos militares, repressivos por princípios éticos, Caetano se exilou em Londres. Quando retornara ao País, em 72, o tropicalista foi produtor do fabuloso elepê “Drama”, obra-chave na discografia bethâniana. Juntou-se ainda ao amigo Gilberto Gil para criar a faixa “Iansã”.

Registrado pela primeira vez em “Drama”, esse samba está no repertório do álbum publicado por Caetano e Bethânia em 78. “Eu sou o céu para as tuas tempestades/ um céu partido ao meio no meio da tarde/ eu sou um céu para as tuas tempestades”, vocalizam os irmãos, revelando que instrumentos musicais também falam, concordam ou discordam.

Pouco a pouco, Caetano se transformava em “superastro”, conforme o crítico Silviano Santiago. Valorizava a curtição, o desbunde, o desejo. Tornava-se tão indissociável da cultura brasileira que seu nome virou verbo: caetanear. O talking head David Byrne, forçado a explicar o tropicalista aos norte-americanos, falou sobre o que Caetano não é.

Não é Bob Dylan (suas melodias são mais belas), nem se assemelha a Neil Young (há aqui e ali semelhanças melancólicas) e tampouco Lennon e McCartney. Na perspectiva harmônica, o brasileiro rivaliza com a dupla beatle. Mas será que, juntando essas pessoas, é possível saber quem efetivamente é Caetano Veloso? Leonard Cohen e Gil Evans? Pouco provável.

Ou Serge Gainsbourg e David Bowie? Quem sabe Cole Porter e Marvin Gaye? A verdade é que Caetano é inclassificável, conclui Byrne. Talvez, arrisco-me a dizer, haja certo parentesco entre o tropicalista e a antropofagia modernista. Onde queres desejo, Caetano e Bethânia.

CAETANO & BETHÂNIA

Sábado, 9, 21h

Mané Garrincha

Portão 1, SRPN, Asa Norte

A partir de R$ 130

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