Alguma coisa acontecerá nas próximas três horas, na terceira e derradeira temporada de “Bom Dia, Verônica”, como consta em flashbacks cheios de suspense. Alguma coisa sempre acontece em qualquer produto cultural - até o nada, reflito, é um evento. Logo, não é possível não acontecer nada, porque esse nada em si está fora do dicionário dramatúrgico, da mesma forma que enfrentar um policial militar e pôr na cadeia um missionário charlatão podem gerar momentos eletrizantes, embora seja necessário ter um desfecho lá pelas tantas.
Então, eis aqui o prenúncio do fim: quem é esse tal de Doúm? E essa mulher, Diana (Maitê Proença)? Misteriosa, linda, olhar ferino. E nada simpática. Verônica Torres fez justiça com as próprias mãos, após o sistema judicial deixar o serial killer Brandão nas ruas, de farda - o cara era sargento. Na segunda temporada, a ex-escrivã da Polícia Civil infiltrou-se numa seita religiosa que encobria abusos. Jerônimo é irmão tanto do PM quanto do curandeiro.
Em poucas palavras, Jerônimo (Rodrigo Santoro) cria cavalos. Aquela mulher misteriosa, Diana, guarda segredos macabros sobre a fazenda em que moram. Faz-se óbvia referência à série “The Handmaid's Tale”, que se passa na república fictícia de Gilead, numa sociedade totalitária, sob uma estrutura eugenista: as mulheres existem apenas para dar filhos aos homens. Há que se lembrar, na produção brasileira, das assertivas cenas tarantinescas.
Desesperada pelo sequestro da filha e cometendo erros crassos a uma policial experiente, Verônica está num lugar semelhante ao retratado na produção criada por Bruce Miller. A policial nos mostra que Jerônimo, bem-sucedido no agro, domina mulheres como se elas fossem cavalos de raça, enlaçando-as com cordas, puxando-as para si e enfiando em seus rostos uma focinheira. Depois, ele estupra-as e, se julgar necessário, mata-as após o parto.
Tainá Müller (Verônica Torres) afirma que conviver com a personagem por cinco anos a transformou. “Para mim, é uma vitória poder dar um desfecho para o público já tão fiel à série, que anseia por saber os mistérios que envolvem Verônica. Eles podem esperar grandes surpresas, catarse e resolução de questões plantadas desde a primeira temporada”, indica a atriz, ao comentar os três episódios que encerram a produção, durante entrevista coletiva.
Inspirado no best-seller de mesmo nome escrito por Ilana Casoy e Raphael Montes, o primeiro capítulo de “Bom Dia, Verônica”, lançado em 2020, se inicia a mil por hora. Uma mulher é vítima de um golpista num site de relacionamento e recorre à delegacia na qual trabalha Verônica, que testemunha uma tragédia: o suicidio da “presa”. A então escrivã ficou abaladíssima. “Era o primeiro dia do fim da minha vida”, diz, na primeira frase do livro.
Em sua incansável caçada ao golpista da web, ela conhece Janete Cruz (Camila Morgado) , que sofre violência psicológica e física de Brandão (Eduardo Moscovis), assassino em série com honras na PM. Mas há um detalhe que faz diferença à trama: ele é exemplar. Na corporação, é tido como herói e, nas ruas, supostamente combate o crime. Ninguém dentro de suas faculdades quer (e tampouco irá) mexer consigo – esse cara é perigoso demais.
Debate urgente
Ao longo dos oito episódios, Verônica esbarra na falta de vontade de seus superiores e opta por meios alternativos, nem sempre ortodoxos, para colocar Brandão na cadeia. Essa policial obstinada o executa utilizando o mesmo método que ele utilizava, quando sequestrava e matava mulheres após pegá-las na rodoviária. Ela se enfurece, abandona seus princípios e, sedenta por vingança, sai à caça do sujeito: queima-o vivo! Um horror, realmente.
Lançada em 2020, com elenco constituído por estrelas, a trama levantou um debate importante sobre violência doméstica. Conforme declarou numa entrevista à revista “Trip”, no ano em que saiu a série, o assunto já sensibilizava Tainá Müller: “O machismo nada mais é do que ver a mulher como um objeto. Os homens se sentem à vontade para avançar sobre esses corpos sem autorização porque não é um sujeito, é um pedaço de carne”.
Na segunda temporada, Verônica corre atrás de um falso profeta, que se blinda do poder religioso para esconder seus crimes. Ele promete aos fiéis cura para todos os males. Ao perceber uma mulher em situação de vulnerabilidade, dá tratamento especial a ela - porém tudo isso não passa de fachada para rotina de abusos sexuais e psicológicos. Mathias (Reynaldo Gianecchini) se casou com a filha, que - por sua vez - é mãe de Ângela (Klara Castanho).
Verônica o coloca na prisão, mas ele ganha tornozeleira eletrônica e, imediatamente, aciona um personagem misterioso - descobrimos que se trata, na verdade, de Doúm. Rodrigo Santoro, que o interpreta, diz que Jerônimo/Doúm é daqueles papéis difíceis. O ator descreve a experiência como intensa, mas destaca que atuar ao lado de bons profissionais torna a tarefa mais rica. Para ele, este é o trabalho do artista: promover reflexões.
Rodrigo conta ainda que lhe trouxe tranquilidade também o fato de ser um personagem rodeado de cavalos. “É um ambiente onde me sinto em casa. Estou feliz com o que fizemos juntos nesse trabalho e espero que vocês gostem da caçada final de ‘Bom Dia, Verônica’. Que essa trama também sirva de alerta para as diversas faces da violência contra a mulher na sociedade. Afinal, a arte é reflexão que gera ação”, relata o artista, numa rede social. Com 30 anos de carreira, José Henrique Fonseca assina a direção da série.
Bom Dia, Verônica
Classificação: 16 anos
Gênero: Suspense
Elenco: Tainá Müller,
Rodrigo Santoro,
Reynaldo Gianecchini,
Maitê Proença, Klara Castanho
Disponível na Netflix