A jornalista brasiliense Maíra Valério tem há dez anos diálogo franco com seus leitores. Em 2014, ela criou o blog feminista “Vulva Revolução”, cujos sonhos e angústias, ideias e reflexões ditos naquele espaço virtual agora viram livro pela casa editorial goiana negalilu.
De acordo com a editora Lari Mundim, a coleção blobloblo chega ao mercado com finalidade de reunir conteúdos que foram inicialmente publicados em blogs nas duas primeiras décadas deste século. “Ativos ou inativos, esses canais de comunicação representam um território relevante de debate e experimentação criativa, a chamada blogosfera”, explica Lari.
No texto “Hello, World, I´m Your Wild Girl”, publicado em junho de 2014, Maíra apresenta o blog aos seus leitores. “Deveria este lindo blog chamar-se Vulva Revolução?”, pergunta-se, ao que fala, na sequência, do medo pelo nome soar trocadilho, feito com intenção de imprimir cara feminista a lugar de assuntos diversos – e, why not?, que enaltecesse a vagina.
“Voltando à vulva (que vovó viu — brinks), não sou apenas ela. E ser mulher não é apenas ter uma. Mas é também, é bastante, é muito”, escreve a autora, ainda no texto inaugural. “Quando eu era bebê, o médico olhou para minha vági e constatou: ‘é menina’. A partir daí, minha vida foi toda delineada em cima de um conceito compulsório sobre ‘ser mulher’.”
Sua vida, redige Maíra, se baseia sobretudo em construções socioculturais. Em prosa fluída — como precisa ser um bom papo em bar punk —, lembra-se de que lhe furaram a orelha tão logo chegara ao mundo. Aí, prossegue a autora, apareceram as demonizações versus santificações versus pode versus não pode. “É um binarismo tão maluco”, define.
Na medida perfeita, os escritos trazem consigo importante acidez, como se desferisse na cara da macharada tabefes pedagógicos. É um humor urgente, digamos, ao menos o é para homens que insistem em certo reacionarismo. Daí, olhando por essa perspectiva, “Vulva Revolução” remedia pensamentos equivocados, curando cabeças doentes de machismo.
Maíra reivindica status relevante à publicação. Para ela, é importante resgatar e organizar a história do blog brasiliense em um livro que está sendo realizado de modo cuidadoso em termos de adaptação, edição e produção gráfica. “O livro aborda questões feministas de modo acessível e descomplicado, e isso torna a compilação ainda mais necessária”, conta.
Criticidade
Um dos textos voa na jugular do capitalismo: “Mulheres libertas não geram lucro, corpos autônomos são mais difíceis de controlar e pessoas conscientes da própria complexidade ameaçam a narrativa de papéis unidimensionais”. Esse sistema econômico, no qual o patriarcado se fortalece há séculos, prefere a submissão ao ato honesto de rebelar-se.
É preciso, portanto, que “Vulva Revolução” chegue aos leitores, se espalhe pelas artérias da sociedade e transforme consciências. Se antes esse projeto havia trafegado pelas estradas do mundo digital, agora haverá de ficar ao alcance do público no bom e insubstituível papel. Um diálogo fundamental entre o digital e o analógico a ser desvendado pelos literatos.
Entusiasta do lema it yourself, Maíra moldou o caráter em shows punks, livrarias e festas gays. Construiu uma trajetória notável no jornalismo brasileiro, ao escrever para publicações como “Vice Brasil”, “Correio Braziliense”, “Uol Tab” e “Jornal de Brasília”. “Cada pequena peça pode ser parte de uma grande mudança”, sentencia a escritora, no posfácio.
“Vulva Revolução” será lançado nesta sexta-feira, 20, a partir das 18h, no Barito Bar, em Brasília. Em janeiro, o livro ganha público paulistano, em evento marcado para o dia 17 de janeiro, às 18h30, na Ria Livraria. Depois disso, é a vez dos cariocas o receberem no Oscar Selvagem Pub, no dia 23 do mesmo mês, às 19h30. Justíssimo: o Brasil precisa lê-lo.