A psicanalista Vera Iaconelli, em seu recente trabalho "Manifesto Antimaternalista – Psicanálise e Políticas de Reprodução", destaca o conceito de maternalismo, enraizado desde o século 19, como um ideal que prejudica a saúde das mulheres na contemporaneidade.
Com base em sua prática clínica, Iaconelli observa que o maternalismo leva as mulheres a assumirem grandes responsabilidades, resultando em casos de depressão e ansiedade. O discurso maternalista, historicamente, serviu para consolidar o capitalismo, explorando o trabalho não remunerado das mulheres como cuidadoras e mães.
A diminuição da natalidade no Brasil levanta a questão: a carga materna contribui para desacelerar a transformação demográfica? A média de filhos por mulher, que diminuiu de seis para 1,6 entre 1960 e 2022, está relacionada a fatores como urbanização, avanço das mulheres no trabalho e desafios na conciliação entre vida pessoal e filhos.
Não ter filhos ou optar por um único filho
A dificuldade das tarefas leva um número crescente de mulheres a optarem por não ter filhos. Algumas, inclusive, fazem dessa escolha uma afirmação pública, desafiando o estigma associado à maternidade. Por outro lado, há um aumento nas escolhas de ter um único filho, muitas vezes motivadas por falta de tempo, convicção, apoio ou recursos financeiros.
A neuropediatra Renata Joviano, após vivenciar os desafios da maternidade, expressa sua irritação com a exaustão crescente das mães, enquanto os pais frequentemente consideram que já cumpriram seu papel ao trabalhar e pagar contas. A necessidade de eliminar a palavra "ajudar" do vocabulário paterno é destacada, revelando as tensões que podem levar a desfechos como separações e divórcios.
Diferenças salariais de gênero
Claudia Goldin, ganhadora do Prêmio Nobel de Economia, destaca o atual impacto da maternidade nas diferenças salariais entre homens e mulheres nos EUA. Apesar das mulheres representarem uma parcela significativa da força de trabalho e liderarem domicílios no Brasil, a dualidade entre ser provedora financeira e genitora cria desafios únicos.
Iaconelli argumenta que desconstruir o maternalismo não significa impor quantos filhos as mulheres devem ter, mas sim criar condições para escolhas conscientes. A responsabilidade da maternidade deve ser compartilhada por toda a sociedade, incluindo empresas, pessoas sem filhos e o Estado, visando uma organização mais igualitária.
A análise de Iaconelli destaca a necessidade de uma abordagem mais equitativa da maternidade, reconhecendo as múltiplas dimensões e desafios que as mulheres enfrentam. O cuidado com as futuras gerações não pode ser encarado apenas como uma responsabilidade privada, mas como um interesse compartilhado por toda a sociedade.