De acordo com o último balanço da Light, as fraudes e furtos de luz , atingiram o patamar mais alto dos últimos cinco anos. De abril de 2020 a março deste ano, foram desviados 7.134 gigawatt-hora (GWh), o suficiente para abastecer todas as casas do Espírito Santo por quase três anos.
O prejuízo é repassado aos demais usuários, o que faz do Rio um dos estados com energia mais cara do país. No caso da Light, que abastece 64% da população fluminense, mais da metade do fornecimento de baixa tensão (utilizada nas residências e pequenos comércios), é drenada pelos “gatos”.
Segundo a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), em 2019, os clientes atendidos pela Light já pagavam 9,5% a mais pela energia por conta disso. Os consumidores da área de concessão da Enel, que distribui energia para 66 cidades do estado, incluindo municípios como São Gonçalo, sofreram um repasse na ordem de 4,4%. No mesmo período, a média nacional ficou em 3%. Os números de 2020, que devem ser divulgados até o fim do mês.
"Preferia pagar a conta de luz direitinho, até para ter comprovante de residência. Mas fiquei desempregado na pandemia. Então, ficou tudo mais difícil", diz um morador, sob condição de anonimato.
Denúncias do Ministério Público do Rio (MPRJ), apontam que milicianos fizeram dos “gatos” mais um ramo de seus negócios escusos. Em 2019, o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) descreveu relatos de que os paramilitares da região cobravam uma taxa de R$ 100 pelo “gato” de luz.
A própria Light já denunciou casos como de condomínios construídos pelos milicianos em Belford Roxo, na Baixada, em que os criminosos, além de furtar energia para os empreendimentos irregulares, cobravam taxa aos moradores por isso.
Do total de perdas não técnicas, 62% foram registradas em áreas consideradas de risco pela companhia. Nas vielas do Vidigal e da Rocinha, por exemplo, favelas sob o jugo do tráfico de drogas, as ligações clandestinas estão por toda parte.
"O problema não é só da Light. Também é um problema de estado, pois envolve segurança pública e prestação de serviços. O estado tem que ser um aliado nesse processo", avalia Diogo Lisbona, pesquisador do Centro de Estudos em Regulação e Infraestrutura (Ceri) da FGV.
De acordo com especialistas, há dois possíveis motivos para o aumento do furto de energia na pandemia: o agravamento do desemprego, que pode ter levado consumidores a optarem por fazer ligações clandestinas para reduzir a conta de luz ; e a maior permanência das pessoas em casa durante o isolamento, que elevou o consumo residencial em toda a rede.
"Todo o país enfrenta os impactos econômicos acentuados pela pandemia da Covid-19. Isso influencia o nível das perdas não técnicas no setor", diz Denis Maia, CEO da Choice Technologies, líder global em redução de perdas na área de energia elétrica.
O delegado André Rosa Leiras, que está à frente da Delegacia de Defesa dos Serviços Delegados (DDSD), afirma que embora a maior quantidade de gatos ocorra em comunidades, esse é um problema que também de bairros de maior poder aquisitivo.
"Esse tipo de ocorrência é bem distribuído. Encontramos casos tanto nas comunidades mais pobres como nos bairros de classe média. A pena é baixa e, por ser um crime com fiança", afirma ele.
Na tentativa de reverter esse quadro, a Light pretende criar iniciativas que aproximem a concessionária das favelas, como a contratação de mão de obra local para os serviços de leiturista e eletricista, gerando renda.
A companhia também planeja oferecer cursos sobre eficiência energética e transformar as associações de moradores em pontos de atendimento. O projeto inclui até a troca do “parque” de equipamentos gastões, como geladeiras e lâmpadas, por meio do Programa de Eficiência Energética da Aneel.
"Estamos chamando a sociedade, as instituições, o governo e as lideranças comunitárias para construirmos juntos um plano diferenciado que vai levar emprego, educação, cidadania e consumo eficiente a essa parcela da população", afirma o diretor presidente da Light, Nonato Castro.