Depois de quase um mês de intensas negociações, o relatório do novo arcabouço fiscal na Câmara chega à reta final, mas ainda vai levar alguns dias para ser votado. Em reunião na residência oficial do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), na noite desta segunda-feira, 15, líderes partidários fecharam um acordo para endurecer a nova regra para controle das contas públicas proposta pela equipe econômica e decidiram levar à votação nesta semana apenas a urgência (tramitação acelerada) da proposta. Já a votação do relatório do deputado Cláudio Cajado (PP-BA) - ou seja, do texto em si - ficou para a semana que vem.
O relator afirmou que, de acordo com o texto, o aumento real (acima da inflação) do salário mínimo e o pagamento do Bolsa Família - dois carros-chefe da política petista - ficam garantidos mesmo se o governo descumprir a meta fiscal (saldo entre as receitas e as despesas, sem contar os juros da dívida). Isso significa que esses gastos ficarão blindados, a pedido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, das novas sanções (travas de gastos) incluídas na regra caso o governo não atinja a meta estipulada.
Cajado apresentou na noite desta segunda-feira os principais pontos do relatório final aos líderes partidários em reunião com Lira e com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad. O relator explicou que o acompanhamento das contas públicas e a elaboração de relatórios serão mantidos bimestralmente para monitorar despesas e receitas do governo. Caso necessário, será obrigatório a realização de contingenciamento (bloqueio de recursos), como é hoje. As despesas com Fundo Nacional de Ciência e Tecnologia, no entanto, não poderão ser contingenciadas. O texto inicial, enviado pela Fazenda, tornava os contingenciamentos opcionais.
Gatillhos
Caso a meta não seja atingida, no primeiro ano de descumprimento, serão acionados "gatilhos" previstos na Constituição. Pelo texto, o governo ficará proibido de criar cargos que impliquem aumento de despesa, alteração de estrutura de carreira, criação ou majoração de auxílios, criação de despesa obrigatória, reajuste de despesa obrigatória acima da variação da inflação, ampliação de subsídios e subvenções e concessão ou ampliação de benefício tributário.
No segundo ano, se nem mesmo assim houver cumprimento da meta, o governo ficará proibido de realizar reajuste de despesas com servidores, admissão ou contratação de pessoal, ressalvadas as posições de vacância, e realização de concursos públicos, exceto para reposições de vacância.
O texto elaborado pela equipe econômica previa que, caso a meta não fosse atingida, as despesas poderiam crescer apenas 50% da variação das receitas, em vez de 70% - mas não discriminava as medidas que o governo teria de tomar para efetivamente reduzir os gastos. O relatório, portanto, detalha essas medidas e estabelece sanções mais duras no caso de descumprimento da meta.
Nesta terça-feira, às 9h, Cajado fará uma apresentação aos jornalistas dos principais pontos do texto. De acordo com ele, após a entrega do material, haverá uma nova rodada de conversas com bancadas para receber novas sugestões.
Ainda que a decisão sugira não haver concordância sobre o texto a ser votado, líderes afirmam que o tempo foi dado para a consulta das bancadas. O pedido de urgência garante que o projeto fure a fila de votação e possa ser colocado em apreciação diretamente no plenário, sem passar por comissões. A disposição de votação acelerada já havia sido sinalizada por Lira ao governo e combinada com líderes partidários.
Pedidos de Lula
Em reunião com a equipe econômica nesta segunda-feira, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva pediu para que os gastos com a política de valorização do salário mínimo e com o Bolsa Família sejam preservados na nova regra fiscal. Lula concordou com a inclusão dos chamados "gatilhos" para frear o aumento de despesas caso o governo não cumpra a meta fiscal estipulada, mas pediu que os dois programas ficassem imunes às sanções.
No final do mês passado, o Ministério do Trabalho e Emprego anunciou a proposta do governo Lula para a valorização do mínimo: corrigir o piso salarial do País anualmente pela inflação mais a variação do Produto Interno Bruto (PIB) consolidado de dois anos atrás - conforme a regra que vigorou no governo Dilma Rousseff.
Para economistas, essa política de valorização real (acima da inflação) poderia comprometer o funcionamento da nova regra fiscal, já que o aumento do mínimo afeta uma série de outras despesas obrigatórias, como benefícios do INSS, Benefício de Prestação Continuada (BPC) e seguro-desemprego.
Com a nova política, só a Previdência Social teria uma alta média anual de R$ 14,4 bilhões, entre 2024 a 2032, na comparação a um cenário sem reajuste real, nas contas de Felipe Salto, economista-chefe da Warren Rena.
Sem crime de responsabilidade
Apesar de confirmar que o texto terá gatilhos para fazer cumprir a meta fiscal, o relator afirmou que não haverá inclusão de crime de responsabilidade no texto. "Essa questão de você ter medidas, gatilhos e 'enforcement' (fazer cumprir a regra) é necessária. Essa parte de criminalização, essas outras questões, elas ficam de fora do texto até porque é outra legislação e nós não estamos nos debruçando sobre ela", disse Cajado.
A proposta do governo prevê que o chefe do Executivo dê explicações ao Congresso caso não cumpra a meta fiscal, mas isso não será considerado uma infração, como o crime de responsabilidade - que levou ao impeachment de Dilma Rousseff em 2016, por causa das chamadas pedaladas fiscais.