O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), criticou nesta segunda-feira (25) o que chamou de "protecionismo exagerado" da França, mencionando a decisão do Carrefour de parar de comprar carne produzida no Brasil e em países do Mercosul.
Segundo Lira, o Congresso Nacional deverá apreciar nesta semana uma "lei de reciprocidade econômica" entre países, que pode exigir isonomia ambiental nas relações comerciais -ele não deu mais detalhes sobre o projeto.
A declaração foi feita durante abertura de evento promovido pela CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo) em São Paulo.
O presidente da Câmara, que lia seu pronunciamento, pediu licença para quebrar o protocolo e falar de improviso.
"Nos incomoda muito o protecionismo europeu, principalmente da França com o Brasil. E deverá ter nesta semana por parte do Congresso Nacional, em sua pauta, a lei da reciprocidade econômica entre os países. Não é possível que o CEO de um grupo importante como o Carrefour não se retrate de uma declaração de praticamente não importar as proteínas animais advindas e oriundas da América da Sul", afirmou.
Segundo Lira, o Congresso, os empresários e a população brasileira precisam dar uma "resposta clara" para que o protecionismo exagerado não vire rotina. O parlamentar acrescentou que os produtores brasileiros produzem embaixo do que chamou de lei ambiental mais rígida do mundo, que é o Código Florestal.
O projeto citado por Lira em seu discurso foi apresentado em abril deste ano e tem como autor o deputado Tião Medeiros (PP-PR), que presidiu a comissão de Agricultura da Casa no ano passado.
O projeto de lei proíbe o Brasil de participar, patrocinar ou ser signatário de acordos internacionais que possam representar "restrições às exportações brasileiras e ao livre comércio", quando os outros países ou blocos signatários não adotarem medidas de proteção ambiental equivalentes.
O texto prevê que caberá ao Executivo criar o Programa Nacional de Monitoramento da Isonomia Internacional de Políticas Ambientais para regulamentar a aplicação da lei.
À reportagem, Medeiros diz que há "retaliação e agressões" das empresas e afirma que os países "não podem exigir de nós o que eles não fazem".
"É uma questão comercial disfarçada de meio ambiente, usam a pauta ambiental para justificar a retaliação comercial. Não tem muito segredo, estão protegendo o produto deles. Eles não têm o mesmo rigor ambiental que nós e querem impor restrições comerciais com esse argumento. Eles nos atacam para se defender", diz.
Segundo interlocutores de Lira, deputados devem votar um requerimento de urgência (que acelera a tramitação da proposta na Câmara) e o mérito do projeto de lei nesta semana.
Ainda não foi designado o relator do texto, mas há uma expectativa entre parlamentares de que possa ser um nome ligado à FPA (Frente Parlamentar das Agropecuária), uma das principais forças do Congresso. Caso a proposta seja aprovada na Câmara, ela deve ser apensada a um outro projeto de teor semelhante que tramita no Senado e é de autoria de Zequinha Marinho (Podemos-PA).
Presidente da FPA, o deputado Pedro Lupion (PP-PR) afirma que a bancada ruralista apoia o texto e classifica a aprovação dele como "extremamente importante".
"[O Carrefour] não é a primeira empresa francesa a fazer isso. Eles que cumpram a mesma legislação que exigem da gente. É muita tentativa de lacração e ideologismo político sem ter resultado prático nenhum."
PARA CNC, ATITUDE DO CARREFOUR É INACEITÁVEL
Durante o evento, o presidente da CNC, José Roberto Tadros, chamou a decisão do Carrefour de inaceitável e criticou a troca de boicotes. Por ser estrangeira, a companhia não faz parte da confederação.
"A França não pode, ou o Carrefour, tomar atitudes radicais, até porque eles estão atuando no Brasil. Já houve reação de um certo governador dizer 'boicotem também o Carrefour'. Isso não é capitalismo, isso não é entendimento entre os povos", afirmou.
Para Tadros, o Brasil sempre foi aliado da França, mas o país europeu hoje não tem condições de competir com o agro brasileiro por questões territoriais.
"O Brasil tem vastas áreas de produção de alimentos e, principalmente, um dos maiores rebanhos do mundo. E a França tem o seu gado confinado na Normandia, não pode competir com a carne do Brasil", disse.
"Aí o Carrefour entra num processo desse, o que é inaceitável. Uma empresa multinacional atuando no Brasil, ganhando dinheiro no Brasil e dizendo que vai boicotar a carne do Brasil. Então, o povo reagiu e disse 'nós vamos boicotar o Carrefour'", acrescentou o presidente da CNC.
ENTENDA A CRISE
O Carrefour anunciou na última quarta-feira (20) que suspenderá a compra de carnes provenientes do Mercosul, incluindo do Brasil, para os seus pontos de venda da França.
A decisão, comunicada pelo CEO global Alexandre Bompard, foi uma resposta a pressões de sindicatos de agricultores franceses, que buscam proteger o setor agrícola local contra a concorrência internacional.
O Carrefour argumenta ainda que a medida está alinhada com preocupações ambientais e normas mais rigorosas exigidas na Europa.
No seu comunicado, o presidente mundial do Carrefour afirma "entender o desespero e a raiva dos agricultores diante do projeto de acordo de livre comércio" e do "risco de inundar o mercado francês com uma produção de carne que não respeita suas exigências e normas."
"Esperamos inspirar outros atores do setor agroalimentar e dar impulso a um movimento mais amplo de solidariedade, que vá além do setor do varejo, que já lidera a luta a favor da origem francesa da carne que comercializa", afirmou.
Logo depois, o Grupo Les Mousquetaires, proprietário da rede de supermercados francesa Intermarché, também anunciou que irá boicotar as carnes bovinas, suínas e aves produzidas em países da América do Sul em geral.
A postura do Carrefour gerou uma reação intensa no Brasil. A medida também foi criticada por líderes políticos brasileiros, que pediram um boicote às lojas do Carrefour no país.
A França lidera a resistência à assinatura do pacto, que criaria a maior zona de livre comércio do mundo e começou a ser desenhado em 1999. A Comissão Europeia, com o apoio de vários países do bloco, como Alemanha e Espanha, é favorável ao fechamento do acordo antes