Proposta do governo para reforma do setor elétrico divide opiniões no mercado
DM Redação
Publicado em 27 de abril de 2025 às 12:40 | Atualizado há 21 horas
A proposta de reforma do setor elétrico apresentada pelo governo neste mês tem gerado opiniões divergentes no mercado. Enquanto grandes consumidores industriais demonstram receio de aumento nos custos, distribuidoras e comercializadoras de energia consideram as mudanças positivas.
Os detalhes da proposta foram discutidos em uma reunião entre o Ministério de Minas e Energia (MME) e associações do setor. De acordo com fontes envolvidas nas negociações, o governo mostrou-se aberto a sugestões e ainda não decidiu se o texto será apresentado ao Congresso como uma medida provisória ou um projeto de lei.
Após seu anúncio, no último dia 16, a proposta se tornou amplamente conhecida pela ampliação da isenção do pagamento da conta de luz para até 17 milhões de famílias inscritas no Cadastro Único (CadÚnico), o que beneficiaria cerca de 60 milhões de pessoas. Contudo, a proposta inclui alterações mais significativas. Associações que representam investidores e consumidores do setor destacam que o MME avança em uma questão debatida desde o governo Michel Temer: a abertura do mercado livre de energia elétrica, permitindo que cada consumidor escolha seu fornecedor. Atualmente, apenas grandes consumidores, como indústrias e grandes comércios, têm essa liberdade. Com a proposta, mais consumidores poderão participar do mercado livre. A partir de março de 2027, indústrias e comércios da chamada baixa tensão (que utilizam energia em menor escala, como nas tomadas comuns) poderão participar. Um ano depois, será a vez dos clientes residenciais.
O MME tem como objetivo a abertura total do mercado em 2028. Antes disso, o governo propõe redistribuir alguns dos custos de subsídios e da operação do setor, pagos pelo consumidor cativo das distribuidoras de energia, para evitar que a conta de luz se torne inviável com a migração em massa para o mercado livre. Nesse contexto, a reforma propõe redistribuir para todos os consumidores os custos da geração das usinas nucleares Angra 1 e 2 e os subsídios pagos pela Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) à geração distribuída de energia. A proposta também sugere a eliminação do desconto nas tarifas de uso das redes de transmissão e distribuição de energia para consumidores de energias renováveis ao término dos contratos com seus fornecedores atuais.
O governo defende que essas mudanças ajudariam a viabilizar o aumento da isenção na conta de luz, sem sobrecarregar os demais consumidores. Além disso, afirma que, com a abertura do mercado, a competição entre fornecedores pode levar à redução das tarifas. A Associação Brasileira das Comercializadoras de Energia Elétrica (Abraceel) calcula que a portabilidade da conta de luz poderia gerar uma economia de R$ 35,8 bilhões anuais, representando uma redução média de 23% nas tarifas de 2023.
“A proposta apresentada busca dar a todos o mesmo direito. Qual é a justificativa para, por exemplo, apenas uma parte da indústria ter acesso ao mercado livre?”, questionou, em nota, o presidente executivo da Abraceel, Rodrigo Ferreira.
No entanto, a proposta de redistribuição dos custos tem sido o principal ponto de divergência no setor. Grandes consumidores criticam a ideia de transferir para a indústria parte do gasto com subsídios e sugerem que a isenção para consumidores de baixa renda seja custeada pelo Tesouro Nacional. “Na prática, as mudanças só transferem os custos hoje associados aos consumidores regulados para o Ambiente de Contratação Livre (ACL), o que pode, inclusive, reduzir a atratividade desse mercado”, afirmou a Associação Nacional dos Consumidores de Energia (Anace) em nota. “É importante tentar acolher a população de baixa renda reduzindo o preço da energia”, disse o presidente executivo da Associação Brasileira dos Grandes Consumidores de Energia (Abrace), Paulo Pedrosa. “Mas há uma transferência de custos significativa para a indústria, o que acaba refletindo no custo do que é produzido no país.”
As distribuidoras, responsáveis pela cobrança da fatura do consumidor, elogiaram a proposta. “A nossa avaliação é positiva. O que está posto ali trata de alguns problemas importantes”, afirmou o presidente da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee), Marcos Madureira.
Entenda as Mudanças Propostas
Eixo 1: Tarifas para a Baixa Renda
Tarifa Social – Como é Hoje (para a baixa renda):
- Para quem consome até 30 kWh/mês: 65% de desconto
- Para quem consome de 31 a 100 kWh/mês: 40% de desconto
- Para quem consome de 101 a 220 kWh/mês: 10% de desconto
- Para quem consome acima de 220 kWh/mês: sem desconto
Proposta (para a baixa renda):
- Consumo de até 80 kWh/mês: 100% de isenção
- Consumo acima de 81 kWh/mês: sem desconto
Impactos:
- 17 milhões de famílias beneficiadas, aproximadamente 60 milhões de pessoas
- 4,5 milhões de famílias terão a conta zerada, cerca de 16 milhões de pessoas
- Custo extra de R$ 3,6 bilhões anuais, a serem pagos pela CDE (pelo conjunto dos demais consumidores)
- Aumento médio de 0,9% para os demais consumidores regulados, antes das revisões de subsídios
Desconto Social na CDE (para a baixa renda):
- Isenção do pagamento da CDE para consumo de até 120 kWh/mês para famílias com renda per capita entre meio e um salário mínimo
Impactos:
- 21 milhões de famílias podem ser beneficiadas, cerca de 55 milhões de pessoas
- Aumento de 0,53% para os demais consumidores regulados, antes das revisões de subsídios
Eixo 2: Liberdade para o Consumidor de Baixa Tensão
Medida que permitirá ao consumidor residencial (de baixa tensão) escolher seu fornecedor de energia, assim como já ocorre com a alta tensão (onde se encontram grandes empresas, como indústrias).
- Indústrias e comércios de baixa tensão: abertura a partir de 1º de março de 2027
- Demais consumidores: a partir de 1º de março de 2028
Outras medidas serão adotadas para suportar a abertura, como a comercialização sem descontos na energia incentivada.
Eixo 3: Equilíbrio para o Setor
- Rateio igualitário das cotas de Angra 1 e Angra 2, com inclusão dos consumidores livres nos custos das usinas
- Pagamento equalizado da CDE para a geração distribuída, com inclusão dos consumidores livres no rateio
- Alocação mais justa dos encargos da CDE, com rateio proporcional ao consumo, independentemente do nível de tensão
- Melhor definição de autoprodutor, como a exigência de participação mínima de 30% do capital social da empresa no empreendimento gerador, para evitar que empresas se associem de forma excessivamente minoritária para obter vantagens
- Limitação dos descontos de uso da rede, como em TUST e TUSD, embora os contratos atuais sejam de longo prazo, o que pode demorar a surtir efeito