Abordar a temática da arrecadação dos impostos por vezes pode parecer um assunto deveras complexo. Para muitos, compreender tantas especificidades e burocracias que permeiam as definições dos gastos feitos através de verbas públicas é considerada como tarefa quase impossível. Por isso, vamos tentar esclarecer para você leitor.
Para manter o equilíbrio, e ainda assim cumprir com as exigências expressas na Constituição Federal, o Poder Público estabelece regras que buscam nortear a maneira correta para serem utilizados os recursos: quais serão as áreas, as prioridades estabelecidas e qual porcentagem deve ser investida. Em resumo, definir a forma como o governo poderá administrar as receitas e despesas do país.
Até o presente momento, os gastos públicos são controlados pelo tão debatido “Teto de Gastos”. Ele foi criado através da Proposta de Emenda à Constituição 95/2016, proposta pelo ex-ministro da Fazenda, Henrique Meireles (União Brasil), sob a gestão do governo do então presidente Michel Temer, com a finalidade de impedir o descontrole das contas públicas. Esta é considerada a mais rígida de todas as normas fiscais já existentes no país.
O atual governo, no entanto, considera o texto vigente um impeditivo para o desenvolvimento econômico e social do Brasil, e por este motivo, através de seu ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), apresentou proposta para reformulação da lei que está em vigor. De acordo com a nova proposição, que já recebeu o aval do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), é possível manter a responsabilidade fiscal sem paralisar os investimentos nas áreas consideradas cruciais.
O texto apresentado por Haddad almeja evitar o congelamento do Orçamento anual, proporcionando ao governo que a partir de agora seus gastos estejam vinculados ao montante de arrecadação de impostos, e não mais pelo aumento da inflação. A utilização dos recursos poderia ser aumentada em até 70% do valor arrecadado com tributos durante o período anterior, ou seja, caso o governo tenha a arrecadado no ano de 2023 o montante de R$ 10 milhões extras, em 2024 poderá aumentar a previsibilidade de seus gastos em R$7 milhões.
Vale salientar que as áreas da Saúde e Educação não serão regidas por esta normativa. Tendo em vista a existência de regulação Constitucional, que prevê a obrigatoriedade da União promover aplicação de no mínimo 15% de sua receita em Saúde, e 18% em Educação, ou seja, se o valor arrecadado crescer, os investimentos nestas áreas deverão ter crescimento proporcional ao estabelecido.
Sendo o principal entusiasta da proposta, o Governo Federal busca encontrar consenso no Parlamento para que haja rápida aprovação da proposição, possibilitando a Lula cumprir mais uma de suas promessas de campanha. Ao que parece encontraram, pois na noite da última quarta-feira, 17, a Câmara dos Deputados aprovou a urgência constitucional do Projeto de Lei Complementar 93/2023 (Novo Marco Fiscal).
A aprovação ocorreu com ampla vantagem entre os votos favoráveis ao PLC, um placar de 367 a favor e 102 contrários. Surpreendentemente, partidos como União Brasil, PSDB e MDB estiveram entre os apoiadores da urgência na apreciação ladeados pelo PSD, Cidadania e PCdoB. No frigir dos ovos, a partir de agora o PLC será priorizado em detrimento dos demais textos em tramitação na casa, driblando o caminho das comissões. O relator do projeto fará a apresentação diretamente no plenário, durante uma sessão, podendo assim ser votado de forma imediata.
De acordo com o Doutor em Economia, Rogério Studart, o novo arcabouço fiscal é diametralmente oposto ao anterior "teto de gastos", considerando a maior racionalidade que a nova proposta apresenta.
"O que está se apresentando agora é bem diferente do teto de gastos, pois ele é um comprometimento com uma trajetória de crescimento das despesas e das receitas de Governo, sempre procurando delimitar o grau de endividamento no futuro. Há também regras sobre o não cumprimento das metas estabelecidas".
Studart afirma que o Teto de Gastos instituído há alguns anos, na verdade pode ser considerado uma "fantasia".
"O teto de gastos instituído há poucos anos atrás na verdade nunca existiu, foi sempre uma fantasia. Os governos na verdade não cumpriam o teto de gastos sistematicamente. Nunca houve uma justificativa e isso gerava uma total perda de credibilidade sobre a política fiscal do país. Já o atual é uma proposição de longo prazo".
O Economista salienta que a aprovação da urgência para votação do projeto de lei é crucial, pois o debate sobre o tema consome tempo muito significativo que poderia ser dedicado a outras questões.
"Acho que a aprovação é urgente pois esse debate acaba consumindo um tempo muito significativo que deveria ser dedicado a discussão da retomada do crescimento, das políticas sociais. Enquanto há priorização deste debate, assuntos essenciais para o desenvolvimento socioeconômico acabam sendo postergados. Creio que a discussão do arcabouço fiscal é importante, mas não tão importante como a questão da fome e da pobreza" afirmou
Para Rogério, não há a menor racionalidade em apenas congelar as despesas enquanto o país continua a crescer.
"O teto de gastos só dizia: vou congelar as despesas. Isso não tem a menor racionalidade em um país que está com a população crescendo, com tantas necessidades de atuação dos órgãos públicos. O país precisa ter uma política fiscal um pouco mais racional do que esta, que fale também sobre a qualidade dos gastos" finalizou