“Os homens tiveram todas as vantagens em relação a nós no que diz respeito a contar sua versão da história. Eles tiveram uma educação muito mais refinada; a pena sempre esteve em sua mão. Não vou aceitar nenhuma prova tirada dos livros.” O argumento é da personagem Anne, do romance de Jane Austen, Persuasão e diz muito sobre a sociedade daquela época.
A fala de Anne refletia o próprio pensamento de Jane Austen, nascida em uma sociedade extremamente fechada para as mulheres, que, como a personagem diz, estão distantes da melhor educação e proibidas de exercer suas aspirações.
Mas será que a realidade da escritora que viveu entre os séculos 17 e 18 são muito diferentes da nossa?
Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam desigualdades de gênero no mercado de trabalho. Um dos exemplos é a dupla jornada: o emprego formal adicionado à rotina de cuidados e afazeres domésticos.
O fenômeno da dupla jornada é considerado um impedimento ao aumento da participação feminina na força de trabalho. Em 2018, a taxa de participação delas ainda era quase 20% inferior à dos homens (52,7% no 4º trimestre de 2018 contra 71,5% deles).
Além disso, apesar das mulheres corresponderem por 43,8% dos brasileiros que estavam trabalhando em 2018, elas ganham 20,5% menos que os homens.
Ainda, segundo o IBGE, as mulheres ocupam 41,8% dos cargos de direção e gerência do mercado de trabalho. Nos conselhos de administração os números são mais contrastantes. De acordo com o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), as mulheres ocupam apenas 63 dos 579 assentos disponíveis nos conselhos das empresas listadas na Bolsa de Valores de São Paulo.
Profissões designadas para mulheres
Os papéis sociais vistos como femininos ou masculinos ainda influenciam bastante as escolhas de profissões e as desigualdades salariais. Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios do IBGE, das mais de 6,2 milhões de pessoas empregadas como trabalhadores domésticos, 4,5 milhões (94,1%) são mulheres.
Na área de cuidados de pessoas, as mulheres estão em maiores números, principalmente entre babás, com 96,4% de participação feminina. Na educação, quanto mais jovem o segmento, maior é a proporção. As educadoras infantis mulheres são quase a totalidade do setor (97,3%).
Contudo, existem projetos que buscam mudar essa perspectiva e leva informações de setores geralmente dominados por homens para meninas que ainda não escolheram qual profissão seguir.
Informação na hora certa
O projeto Conversa entre meninas e engenheiras: semeando oportunidades de gênero na engenharia, desenvolvido na Engenharia Civil e Ambiental da Universidade Federal de Goiás (UFG), em parceria com outros cursos de engenharia da UFG, leva às escolas públicas a importância das meninas participarem das áreas de exatas, engenharias e tecnologias.
O projeto financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ) e que conta com as parceiras do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de Goiás (CREA-GO) e do Furnas, iniciaram atividades em três escolas localizadas no Jardim Guanabara, Leste Universitário e na Região Noroeste de Goiânia.
Uma das organizadoras do projeto, a Diretora da Escola de Engenharia Civil e Ambiental da UFG, Karla Emmanuela Ribeiro Hora, falou sobre as atividades realizadas do projeto. "Foi montado um grupo de matemática para meninas e a realização de feiras e palestras com exposições sobre as inúmeras áreas de atuação da Engenharia, como transporte, construção civil, mecânica, ambiental, entre outras." Também segundo Karla, foram proporcionados aos professores dessas escolas cursos sobre Gênero e Engenharia.
Um ponto interessante do projeto, segundo a Diretora, foi a presença feminina em toda a execução do mesmo. Com as palestras e cursos apresentados por técnicas, alunas e profissionais da área, todas mulheres, justamente para ilustrar às jovens estudantes que elas "podem fazer engenharia se assim quiserem".
Mudanças no cenário
A terceira Diretora da Escola de Engenharia Civil e Ambiental da UFG, Karla Emmanuela Ribeiro Hora, reconhece os desafios para a mulher em trabalhar em um ambiente onde a figura masculina é dominante, contudo a engenheira pontua mudanças nos últimos cinco anos.
"Tem tido uma mudança do perfil de gênero nas escolas de engenharia. As professoras no curso de Engenharia Civil e Ambiental já formam um terço do corpo docente, já as alunas do curso de Engenharia Civil somam 23% a 33% das vagas, na Ambiental o número de meninas já são a metade".
O projeto Conversa entre meninas e engenheiras: semeando oportunidades de gênero na engenharia se estende até a metade deste ano.
Confira o livro do projeto aqui.