A pandemia do coronavírus colocou em cheque questões de planejamentos e estratégias em tempo de crise. Uma delas foi o remanejamento das aulas presenciais para o online, tendo em vista a realidade socioeconômica dos estudantes brasileiros.
Parte das instituições seguem ofertando aulas remotas e atividades aos seus alunos, para não comprometer o ano letivo. Professores tiveram de se adaptar à ferramentas tecnológicas, antes desconhecidas e motivar seus alunos. Contudo, muitas instituições continuam com as atividades paralisadas desde março. É o caso do Instituto Federal de Goiás (IFG) e da Universidade Federal de Goiás (UFG)
Em nota a UFG disse que não existe previsão para o retorno das aulas e que atualmente as atividades remotas autorizadas são as previstas na resolução nº 22/2020 do Conselho Universitário da UFG.
"A Reitoria da UFG informa que será constituído um grupo de trabalho para discutir como será a retomada das atividades acadêmicas presenciais." informou a nota.
A UFG também destaca que as atividades remotas autorizadas "só serão realizadas se houver o consenso de 100% dos envolvidos: estudantes e professores e, ainda, aprovação dos Conselhos Diretores ou Colegiados de cursos." Tais atividades incluem: defesa de estágio, disciplinas de núcleo livre, defesas de Trabalhos de Conclusão de Curso (TCC), ações de extensão, aulas e atividades de pós-graduação, de pesquisa e desenvolvimento.
Plano Emergencial de Conectividade
A UFG lançou na semana passada o Plano Emergencial de Conectividade, destinado a atender estudantes da graduação presencial, que estejam matriculados em disciplinas que sejam realizadas com TDIC (Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação).
O estudante contemplado deve comprovar ter renda familiar per capita menor que um salário mínimo. O valor do auxílio é de 50 reais mensais, por um período de seis meses, podendo ser renovado.
Abaixo assinado de alunos do IFG pedem EaD
Na semana passada, alguns alunos do IFG fizeram um abaixo assinado solicitando o retorno das aulas. O texto do documento foi elaborado pelo estudante Kairo César Pimentel Felipe, de 27 anos, do 8º período do curso de Engenharia Civil e defende a "aplicação do EaD de forma acessível a todos que queiram continuar suas atividades acadêmicas durante o período de isolamento".
Os alunos ainda apontam uma subordinação dos campus a uma única reitoria. "A própria gerência da instituição entrou em contato comigo para dizer que a maioria dos professores, principalmente da parte tecnológica do campus, em Goiânia, têm interesse na aplicação do EaD, só que há uma resistência por parte da Reitoria, que é contra a tecnologia, o que é algo irônico, já que o próprio instituto é de ciência e tecnologia", explica, Kairo.
A publicação da petição repercutiu nas redes sociais e muitos alunos se manifestaram contra a solicitação do EaD. O aluno, Frederico Costa Macedo (22), também do IFG, do curso de Português, reconhece a importância da educação à distância, contudo, fez ressalvas sobre as atividades remotas.
"Primeiro, os cursos de EaD são preparados especialmente para essa modalidade, a fim de garantir a qualidade no aprendizado de todos. O que não seria garantido pela mera transposição, sem o necessário tempo para preparação dos docentes para as novas metodologias. Além disso, temos que prestar muita atenção no perfil social dos discentes, que está em grande parte digitalmente excluído. Por isso, a alteração do presencial para o EaD levaria à segregação de muitos alunos e, mesmo neste momento de pandemia, devemos ter muito cuidado para não excluir nenhum aluno.
Todos estamos passando por um período em que a maior preocupação das pessoas é com a sobrevivência, portando não havendo a tranquilidade necessária, seja para professores ou alunos, para o desenvolvimento adequado das atividades acadêmicas regulares." aponta Frederico.
Em resposta, o autor da petição, Kairo César, destaca que o documento "abarca todos" e "solicita à instituição o trancamento de matrícula para qualquer aluno que não queira o EaD" , para que, "quando a pandemia passar, ele não sofra prejuízos acadêmicos".
E continua, "nós nunca defendemos algo desigual! Nunca! Sempre quisemos algo inclusivo e que respeitasse as opiniões, além de assegurar estabilidade acadêmica pra quem não quiser aderir. Quem tem que proporcionar isso é o Instituto. Isso é possível! Outros Institutos Federais do Estado fizeram isso. A Universidade Estadual de Goiás liberou o trancamento de matrícula para os alunos que não queriam fazer o EaD. Ou seja, o EaD é para quem quer fazer".
O aluno também disse que existe uma pesquisa sobre o perfil dos estudantes do IFG, no que diz respeito ao seu acesso à internet e a computadores e smartphones. O objetivo era descobrir quais alunos não possuíam acesso à internet e que, portanto, precisariam da assistência do IFG caso fosse implantado o EaD.
Nota do IFG
Em nota, o IFG informou que a questão da retomada das aulas será discutida em duas reuniões, uma nesta sexta-feira (26) e a outra na próxima segunda-feira (29).
Nota na íntegra: "A Reitoria do Instituto Federal de Goiás (IFG) informa que a questão da retomada do Calendário Acadêmico será pauta de duas reuniões. A primeira reunião será realizada nesta sexta-feira, dia 26, pelo Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (Conepex), instância de caráter consultivo, em conjunto com o Colégio de Dirigentes, que reúne os pró-reitores e diretores-gerais dos campus do IFG. Compõem o Conepex representantes eleitos da comunidade acadêmica (docente, discente, servidores técnico-administrativos), além dos pró-reitores de Ensino, de Pesquisa e Pós-graduação e de Extensão, os dirigentes das áreas acadêmicas (chefes de Departamento e gerentes de Pesquisa, Pós-Graduação e Extensão), sendo que a reunião do Conselho será presidida pelo reitor do IFG, professor Jerônimo Rodrigues da Silva. A segunda reunião será na próxima segunda-feira, dia 29 de junho. Na ocasião estará reunido o Conselho Superior (Consup) da Instituição, que analisará a pauta. O Consup é presidido pelo reitor do IFG, é o órgão máximo da instituição e possui caráter consultivo e deliberativo. Além da representatividade da comunidade docente, discente, dos servidores técnicos-administrativos, este Conselho também conta com representantes da sociedade civil, de entidades patronais, de egressos e do Ministério da Educação, conforme o disposto no estatuto do IFG. Só após a realização das duas reuniões é que o IFG apresentará, em seus canais oficiais de comunicação, as definições e encaminhamentos acerca do tema."
Olhares sobre o EaD
A Educação a Distância (EaD) é definida, segundo decreto mais recente de nº 9.057 de 25 de maio de 2017, como “modalidade educacional na qual a mediação didático-pedagógica nos processos de ensino aprendizagem ocorra com a utilização de meios e tecnologias de informação e comunicação, com pessoal qualificado, com políticas de acesso, com acompanhamento e avaliação compatíveis, entre outros, e desenvolva atividades educativas por estudantes e profissionais da educação que estejam em lugares e tempos diversos”.
De acordo com o professor da UniArguaia, do módulo “Educação, Tecnologias e Práticas em Ambientes Virtuais de Aprendizagem” e Mestre em Educação em Ciências e Matemática pela UFG, Leandro Vasconcelos, esse tipo de modalidade educacional surgiu no Brasil antes mesmo da internet, de forma tímida, ainda no século XVII.
Programas de formação como datilografia, línguas e eletrônica eram comuns na época e realizados à princípio, por meio de correspondência. Depois, o EaD migrou para o rádio, a televisão e como conhecemos hoje, para a internet.
"Com a popularização do computador e da internet na década de 1990, a EaD teve um olhar mais democrático e digitalizado, atendendo aos princípios de uma sociedade agora informatizada, com acesso à conexões em rede que possibilitavam o acesso direto aos conhecimentos historicamente construídos. Nesse tocante, surge a modalidade que conhecemos hoje, mediada diretamente pelos recursos das TDIC", explica Leandro.
Questionado sobre uma mudança provisória de algumas instituições para o EaD, Leandro apontou a necessidade de um planejamento coletivo e articulações políticas para tal.
"É preciso ter aparatos condizentes à aprendizagem ativa e articulada com as propostas de cada curso, bem como condições emocionais e físicas para a realização de atividades em aparelhos eletrônicos. Com isso, observa-se a necessidade de um planejamento coletivo (entre entidades públicas e privadas) para a articulação de políticas que busquem atender não apenas ao grupo que solicita o desenvolvimento dessas aulas remotas, mas também ao grande grupo que não possui acesso à internet e demais condições (estruturais, físicas e emocionais) para a aprendizagem mediada por tecnologias. É importante lembrar que grande parte dos alunos ingressos em instituições públicas de ensino são de baixa-renda, com condições de apropriação tecnológica completamente heterogenias", conclui.