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Educação domiciliar: entenda por que a prática é criticada por profissionais

A pedagoga Letícia Mota explica como funciona o método e como ele impactaria na vida de um estudante

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A educação domiciliar, ou homeschooling em inglês, tem se tornado pauta em debates sobre ensino e ganhou força durante a pandemia de Covid-19, quando estudantes do mundo inteiro foram obrigados a estudar de casa e muitos tiveram o auxílio dos pais nas atividades escolares, o que lançou luz sobre o método que poderia se tornar uma realidade no país.

O homeschooling parte da premissa de que os pais ensinem seus filhos dentro de casa e participem do processo de aprendizado e formação intelectual, ou seja, os pais são os professores de seus filhos.

A prática, já presente em países como Estados Unidos, Portugal e Nova Zelândia, virou projeto de lei e aprovada pela Câmara dos Deputados em maio deste ano, permitindo que alunos da educação básica, que vai da pré-escola ao ensino médio, possam optar pela prática.

O projeto ainda precisa passar pelo Senado e depois, caso seja aprovado, segue para a sanção do presidente, portanto o método não é permitido por lei no Brasil até o momento. Mas, afinal, do que se trata o ensino domiciliar e como ele se aplica dentro da realidade brasileira?

São essas e outras perguntas que a pedagoga Letícia Mota respondeu ao Diário da Manhã, para esclarecer sobre o que se trata o ensino doméstico e como ele se aplica no dia a dia.

Letícia afirma que a educação brasileira precisa evoluir pois, segundo ela, pois o ensino passa por vários cenários e, para educar uma pessoa, é necessário ter formação.

"Mesmo eu tendo três pós-graduações e estando no mestrado, a educação é uma área em que a todo momento você precisa pesquisar. O ensino em si é algo muito complexo e, baseado no cenário brasileiro como um todo, as famílias não estão preparadas para fazer um ensino completo em casa", diz.


		Educação domiciliar: entenda por que a prática é criticada por profissionais
Letícia Mota é pedagoga e é a favor a educação escolar. Foto: Reprodução/ Instagram

Ela fala também sobre o ensino global, que é defendido pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC), no qual a educação não é somente para o mercado de trabalho, mas para o mundo social.

De acordo com a pedagoga, o Brasil não tem estrutura para uma educação doméstica, "até porque estamos engatinhando no nosso processo de educação na rede de ensino".

"Quando falamos sobre esse modelo de ensino, tem que se mudar muita coisa. Primeiro deve-se ter uma criação de um documento para nortear esse trabalho dentro das casas das crianças e adolescentes, e além do documento, teria que ter a criação de formas de avaliação que não temos hoje", explica.

Não é simples assim

Letícia ressalta que o Brasil não tem uma avaliação para "medir" o nível de ensino pessoas que são educadas dentro de um modelo doméstico, "até porque não é autorizado, então até isso teria que surgir, e para isso surgir precisariam de estudos nessa área, não é uma implementação simples".

Ao comparar Estados Unidos com o Brasil, vale lembrar do processo histórico educacional da América do Norte que é melhor do que o do nosso país. Portanto, a evolução vivida pelos norte-americanos para que eles chegassem a ter um ensino doméstico é maior do que o caminho feito pelo Brasil.

"O Brasil é um "país novo" na área, por exemplo, de universidades, na implementação de modelos de documentos educacionais, então isso é algo que pesa quando se fala em levar esse modelo de ensino para dentro da casa das pessoas", explica.

EMPECILHOS

Sem dúvidas, países desenvolvidos têm mais chances para que este modelo de ensino dê certo, embora nem todos adotem este sistema. Exemplo disso é a Alemanha, lá o homeschooling é proibido e, caso algum caso seja descoberto, é aplicada uma multa. Portanto, vê-se que é um assunto polêmico e que deve ser baseado na realidade sócio-econômica de uma nação.

Letícia afirma que o empecilho de uma educação doméstica é a formação das pessoas que vão aplicar este sistema e levanta uma reflexão sobre o papel da escola, que não é pensar ensinar sobre as matérias estabelecidas pelas instituições, mas também sobre as relações sociais, com o mundo, com si mesmo e com o trabalho, com a intenção de educar um cidadão capaz de refletir.


		Educação domiciliar: entenda por que a prática é criticada por profissionais
Foto: Reprodução/ Unsplash

Além disso, a convivência com outras pessoas e a interação com o mundo seriam ceifadas com a educação doméstica, pois a pessoa que está em processo de aprendizagem precisa de contato social para desenvolver sua personalidade e lidar com as tarefas diárias.

"Quando você leva essa pessoa para ser formada dentro de casa, você já corta dela alguns aspectos de interação social. É deve-se pensar que a criança precisa de interação com o mundo, com pessoas que tem pensamentos diferentes", afirma Letícia.

Para a pedagoga, a educação doméstica não substitui a educação nas escolas e restringe o estudante em relação a filosofias, culturas e experiências diferentes.

"Isso é uma questão complexa que deve ser estudada. Então ao meu ver, se fosse uma prática a ser implementada, muitas questões deveriam ser levantadas. Que tipo de ser humando será formado somente dentro do universo familiar? Isso pesa muito. Essa pessoa será capaz de interagir com diferentes culturas, pessoas e pensamentos? Isso tudo engloba a formação de um sujeito", diz.

PANDEMIA x EDUCAÇÃO

A pandemia de Covid-19 pegou todos de surpresa e obrigou o fechamento de comércios e escolas, para evitar a disseminação do vírus em larga escala. A educação precisou recorrer aos métodos tecnológicos para continuar com os conteúdos, e foi neste momento em que a presença dos pais foi notória durante o aprendizado dos filhos.

"Nós, da área da educação, ficamos desesperados e precisamos muito do papel da família. Os pais precisaram adaptar toda a rotina deles para se enquadrar na rotina de uma educação escolar. A gente entrou na casa das famílias para dar continuidade ao processo de ensino e aprendizagem, e, com isso, observamos o quão a escola é importante, pois vimos famílias que auxiliaram e ficavam em contato com a gente", afirma a pedagoga.

Entretanto, Letícia alega também que houve famílias que não conseguiram se adaptar a essa realidade, o que refletiu no processo de retorno ao ensino presencial. Além disso, ela afirma que muitas famílias perceberam o quanto a escola fez falta nesse período, pois quando houve o retorno do ensino presencial, muias crianças tiveram atraso no processo de ensino e aprendizagem e no processo social, como demorar a entender o cumprimento de regras e em como se socializar.

A pedagoga persiste na ideia que a escola não deve ser substituída pelo ensino doméstico, visto que na escola onde trabalha, houve atendimento individualizado com as crianças.

"Então, para avaliar, dar continuidade e orientar os pais no processo de alfabetização, nós tivemos esse atendimento e tínhamos dias na semana em que a coordenação separava para avaliarmos o processo de leitura dos alunos, para ver o que precisava ser melhorado e dar feedback para os pais", diz.

De acordo com a fala da professora, portanto, o ensino doméstico não substitui o ensino escolar, visto que o treinamento e o conhecimento dos professores vai muito além do que o simples ato de ensinar português, matemática e demais matérias. Além disso, a socialização é importante para o desenvolvimento intelectual e social do estudante, principalmente na infância, quando há a descoberta de novos conceitos.

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