As cenas da personagem Clara (Bianca Bin) em “O Outro Lado do Paraíso” da última terça-feira foram alvos de crítica da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP). Em seu site, a instituição divulgou uma carta aberta à emissora criticando a forma como doenças mentais e seus tratamentos estão sendo tratadas.
"A ABP manifesta a sua profunda inconformidade à cena veiculada, que descaracteriza esse procedimento médico, além de prestar um desserviço à população, estimulando o preconceito e o estigma relacionados às doenças mentais, aos pacientes psiquiátricos e à psiquiatria", diz trecho.
Segundo a nota, a novela mostrou uma imagem completamente equivocada de um procedimento utilizado na psiquiatria. Segundo o órgão, os processos usados são seguros, eficazes e indicados para o tratamento de transtornos graves.
A Rede Globo se pronunciou ao jornal Estadão e disse que “as novelas são obras de ficção sem compromisso com a realidade, como registramos ao final de cada capítulo. Ao recriar livremente situações presentes em nosso cotidiano, a teledramaturgia busca apenas tecer o pano de fundo para as histórias”.
Íntegra de carta aberta da ABP à Globo:
Devido à grande repercussão negativa alcançada pela cena exibida na novela “O Outro Lado do Paraíso”, produzida e veiculada pela Rede Globo, a Associação Brasileira de Psiquiatria – ABP vem a público esclarecer e manifestar-se acerca do capitulo de ontem, 21 de novembro. O folhetim, assinado pelo escritor Walcyr Carrasco, apresenta narrativa estigmatizante e preconceituosa no que concerne ao uso da Eletroconvulsoterapia – ECT, procedimento médico seguro e indicado para tratamento de transtornos psiquiátricos graves que põem em risco a integridade do paciente, os quais não tenham respondido aos medicamentos psiquiátricos.
Na novela, a protagonista é supostamente diagnosticada com uma doença mental grave, como a esquizofrenia que, na ficção, tem seu manejo terapêutico inadequado. A esquizofrenia é uma doença que atinge cerca de 1% da população mundial e pode causar alterações na maneira como o indivíduo percebe a realidade, perdendo este a capacidade de discernimento. Tal transtorno costuma apresentar como sintomas alucinações e delírios persecutórios, crenças falsas que não cedem às argumentações ou evidências, além da desorganização do pensamento e alterações na expressão emocional.
Quanto à Eletroconvulsoterapia – ECT, ou eletroconvulsão terapêutica, é feita em ambiente hospitalar, sob anestesia, com monitoramento eletrocardiológico e eletroencefalográfico, recebendo uma baixa corrente elétrica que induz à convulsão, com duração de cerca de 30 segundos. A técnica é eficaz e segura e seu sucesso terapêutico é destacado por múltiplos estudos relacionados ao tema, publicados em periódicos de grande destaque científico.
Conforme a Resolução nº 1.640/2002 e a Resolução nº 2.057/2013, do Conselho Federal de Medicina – CFM, a eletroconvulsoterapia deve sempre ser realizada em ambiente adequado, mediante indicação do psiquiatra após a devida avaliação, com equipe formada também por anestesista e enfermeiro. O procedimento é indicado para quadros psiquiátricos que não apresentem respostas aos medicamentos e às demais terapias, como depressões graves, ou quadros em que a medicação tradicional não pode ser administrada, como gestantes e mulheres que estão amamentando. Sem este recurso, tais pacientes podem vir a sofrer riscos bastante severos, incluindo risco de vida.
Considerando o acima pontuado, a ABP manifesta a sua profunda inconformidade à cena veiculada, que descaracteriza esse procedimento médico, além de prestar um desserviço à população, estimulando o preconceito e o estigma relacionados às doenças mentais, aos pacientes psiquiátricos e à psiquiatria. A ECT na psiquiatria, assim como a eletrocardioversão na cardiologia, salva vidas.