Ainda em 2018 existe quem acredite que o cenário musical goiano é dominado pelo sertanejo. Inocentemente desconsideram os últimos 30 anos de rock no Martim Cererê, os festivais de música independente, que cada vez atraem mais público, e as novas bandas que ocupam line-ups de eventos de grande porte ao redor do Brasil. Falar em música no Estado de Goiás, atualmente, é perceber um cenário alternativo a indústria da música sertaneja. Aliás, quem se adentra nesse “cenário alternativo” encontra uma variedade incrível de influências e ideologias. Nesse mesmo cenário encontramos pessoas que já se tornaram verdadeiros personagens da cultura mais recente. Pelas mãos destas pessoas espaços foram ocupados, encontros foram possíveis e, atualmente, podemos destacar o rock goiano como uma expressão artística nossa.
Olhando a história, mesmo que curta, do movimento em Goiânia encontramos um nome, que já é quase um símbolo: a Monstro Discos. O início do selo musical foi ainda no ano de 1998, lançando o compacto vinil azul Sex, Rockets and Filth Songs, da banda Mechanics. Produtores, bandas e artistas ainda muito jovens, tentando trilhar o caminho do rock na inóspita terra dos cowboys. Dentro desses 20 anos da Monstro Discos podemos encontrar momentos-chave para a afirmação do estilo musical em Goiás. Este ano o selo comemora 20 anos de rock independente, com a certeza de que ainda existem muitos muros para pular.
A Monstro Discos, desde o seu surgimento, procura agir como estímulo para novas bandas e artistas do Brasil. Tendo como foco principal aqueles que transitam nos meios mais subterrâneos e obscuros dessa cidade. Existir até os dias atuais já faz da monstro um símbolo importante da cultura goiana. Resiste aos comentários rasos de que o rock acabou, resiste aos dizeres da mídia que o vinil se tornou obsoleto e assim continua, meio como começou: trilhando um caminho vivo num terreno inóspito. Atualmente, a Monstro conta com mais de 180 títulos lançados, entre CDs, compactos em vinil, fitas K7, VHS, DVDs e álbuns 100% digitais, trazendo artistas dos mais variados estados e estilos.
NOISE
Um pouco antes do surgimento da Monstro Discos, outro acontecimento promovido por esse mesmo grupo de pessoas, marcaria para sempre o cenário musical da região. É o Goiânia Noise Festival, que realiza um grande encontro de bandas do cenário nacional e de outros países, com o intuito de ouvir e produzir música de qualidade no palco. Em cada edição uma novidade, mas sempre com a ideia de ser um festival de rock, acima de tudo. O Goiânia Noise está entre os maiores e mais importantes festivais do País e já foi palco para centenas de bandas de todo o Brasil e até mesmo de países como Estados Unidos, Japão.
A Monstro Discos divulgou os trabalhos de diversas bandas iniciantes, que hoje são parte da vida e memória de muitos goianos. Entre elas os Autoramas, Ambervisions, Amp, Astronautas, Bang Bang Babies, Brinde, Barfly, Barizon, Canábicos, Cascadura, Canastra, Continental Combo, Dead Rocks, Darshan, Detetives, Devotos DNSA, Diablo Motor, Ecos Falsos, Frank Jorge, Firefriend, Girlie Hell, Irmãos Rocha, Hang the Superstars, Irmãos Rocha, Júpiter Maçã, Jukebox from Hell, Lucy and the Popsonics, Marcelo Gross, Macaco Bong, Mechanics e muitas outras
CONFIRA ENTREVISTA COM LEO BIGODE, UM DOS CRIADORES DA MONSTRO:
DMRevista – A Monstro Discos surgiu em 98. Naquela época vocês já pretendiam ser um selo musical independente? Como foi no início?
Leo Bigode – Em 98, quando tive a ideia de montar o selo foi com esse propósito de se tornar um selo de rock independente. Na época não se falava música independente, não existia esse termo. O selo surge então de uma demanda que havia na época, porque existia um boom do rock, desse rock brasileiro, dos anos 90. Os festivais que estavam surgindo nesse período já tinham um monte de banda nova e interessante. Era um cenário rico e pulsante, com uma força de alcance incrível. Uma geração que teve uma autenticidade, onde surgiu Raimundos, Planet Hemp, Nação Zumbi e outros, e foi a partir disso que vieram os festivais. O selo ele surge meio que dentro disso tudo. Da mesma forma que havia uma cena rolando em Belo Horizonte, ou por exemplo em Recife e em Brasília também, tinha uma cena em Goiânia, salvo as devidas proporções. O Goiânia Noise já acontecia fazia um tempo, já havia gente de fora que conhecia e mandava material para tocar aqui.
DMRevista – Geralmente, invenções como a Monstro surgem para suprir alguma falta. Como era o cenário musical antes do selo e o que ele influenciou na música da cidade?
Leo – Tinha uma cena que borbulhava e muito forte. A gente, de certa forma, até brincamos que existe um divisor de águas que precisa ser levado em consideração, pensando o que era Goiânia antes e depois da Monstro, antes e depois do Noise. Que apesar de terem idades diferentes, esses dois projetos se comunicam, devido ao efeito e ao período histórico em que surgiram. A gente não tinha estúdio, não tinha pub, não tinha internet, por exemplo. Então era muita dificuldade. O selo surge para peitar essa história, essa falta. Essa história do rock independente também, de ir contra as imposições, de tentar da forma como achamos certo.
DMRevista – Porque em Goiânia, um região encurralada pelo agronegócio e pelo coronelismo dos governantes, se tornou uma referência nacional da música independente?
Leo – É difícil surgir dentro de um celeiro sertanejo. Mas também é engraçado, foi mais ou menos em uma época que o prefeito, acho que Darci Arccorsi, queria criar uma lei para Goiânia se tornar a capital mundial do sertanejo, por exemplo. Tivemos várias dificuldades de ter feito um selo de rock no meio de um universo de música sertaneja. E pensar que hoje em dia está pior. Você chegava na prefeitura, ou uma loja, ou qualquer coisa, a pessoa achava que a gente era louco. Lembro que no primeiro ano da Monstro eu fui até São Paulo, levar o discos e tals, os caras olhavam para mim e me chamava de louco também, por ser de Goiânia. Mas acho normal, a galera meio que cria esses preconceitos. Aliás, ainda é difícil. Mas percebo que quando vem pessoas de fora eles percebem essa cena do rock aqui. E percebo a força da Monstro dentro desse cenário. Não existia esse circuito por aqui e, de certa forma, temos nossa contribuição para isso acontecer.
DMRevista – O que você vê de específico em trabalhar com cultura nessa região do Brasil? Existe algum privilégio do goiano na área cultural?
Leo – Trabalhar em cultura em Goiás é um retrato do Brasil. Você não é valorizado, você não é respeitado. Para várias pessoas e órgãos públicos você é só mais um maluco, que não quer trabalhar ou algo do tipo. A maioria das pessoas não conseguem encarar produção como trabalho, como coisa séria que se quer fazer. Precisamos fazer uma empresa, pagar funcionário, contador e tudo, para mostrar que não era uma brincadeira. Até quando começamos as coisas, sem noção do que seria, mas já era um negócio profissional.
DMRevista – Sobre os lançamentos da Monstro, você consegue fazer um pequeno resumo dos trabalhos mais relevantes produzidos no selo?
Leo – É bem difícil fazer um panorama geral do que produzimos, é muita coisa. Só pela Monstro Discos lançamos 180, e ainda tem a Alvo, que é um sub-selo da Mosntro, e também temos outros como este. Se for somar tudo deve dar uns 300 títulos. A Monstro teve várias etapas, que vamos divulgar em breve separado em períodos. Eu destacaria alguns núcleos de importância. No começo do selo ter lançado alguns compactos, como por exemplo o do Ratos de Porão, do Autoramas, que são discos que deram um alcance maior que a Monstro poderia ter. Teve também os lançamentos goianos que a Monstro pegou pra si, pautando o rock independente de Goiânia na década de 90 e começo dos anos 2000. Bandas como MQN, Mechanics, Hang and the Superstars, tem uma leva de bandas importantes ali.