A o lado direito está a Serra Geral, as veredas aos pés. Do lado esquerdo, o cerrado, algumas cabeças de gado e casinhas aburridas. Acima o céu é azul, tão azul como em outras cidades do interior de Goiás. Após atravessar o perímetro urbano da cidade de São Domingos, estamos em uma estrada de terra, seguindo em direção ao Parque Estadual Terra Ronca, mais precisamente para a Gruta Terra Ronca I, que dá nome ao parque. Estamos no Nordeste do Estado de Goiás, próximo à divisa com o Estado da Bahia. O Parque Estadual Terra Ronca tem mais de 50 mil hectares e foi criado em 1989. A Área de Proteção Ambiental da Serra Geral de Goiás, com 60 mil hectares, também surgiu no mesmo ano, com o objetivo de preservar as nascentes de grande valor ecológico, que brotam nas proximidades da Serra.
A toponímia (que significa “nome de lugar”) tem duas explicações sobre a “Terra Ronca”. Uma delas consta entre as informações oficiais sobre o Parque, que diz que o nome teria surgido do som produzido pelos rios subterrâneos. Outra explicação, geralmente fornecida por moradores da cidade de São Domingos e arredores, é que a denominação tem origem das pisadas dos cavalos. Quando os primeiros cavaleiros peregrinos acorriam à festa de Bom Jesus da Lapa, ao passar pela Fazenda Terra Ronca, as ferraduras provocavam sons que repercutiam na outrora florestada boca da caverna.
Ainda faltam alguns metros para chegarmos de fato, porém a Caverna Terra Ronca I pode ser visualizada perfeitamente a distância. A entrada tem cerca de 96 metros de altura, o equivalente a um prédio de 30 andares. O grupo de turistas para primeiro na Casa do Guia Ramiro, há poucos metros da entrada. Ramiro é um dos mais antigos e experientes guias da região, responsável por estruturar algumas passagens dentro das cavernas. Além dos serviços de guia dentro das grutas, Ramiro também recebe hóspedes na sua casa, com a opção de quartos ou na área de camping, com direito a comida caseira, preparada com um carinho que é percebido no paladar. Em 2014, Ramiro foi personagem de destaque de uma matéria especial do Globo Repórter sobre a Terra Ronca.
CAVERNAS E GRUTAS
Para visitar o interior de alguma caverna na Terra Ronca é necessário o acompanhamento de um guia. Cada um destes pode acompanhar um número de pessoas, sendo que é imprescindível seguir as indicações do instrutor. Em 2010, um representante do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Iphan visitou a região e espontaneamente produziu um laudo onde ponderava da seguinte forma: “As cavernas são um dos mais frágeis e sensíveis ambientes do planeta, o que lhe confere excepcional potencial e valor cultural e científico. Uma cavidade subterrânea é um repositório de informações sobre a história, a geologia, a geomorfologia, a evolução dos minerais, da vida, do clima no planeta.”
O grupo que nos acompanha conta com dois guias, Júlia Chaves e Wiliam Oliveira, que também são moradores de São Domingos. Ainda na Casa do Ramiro cada um pega um capacete, posiciona as lanternas sobre a cabeça, enquanto os guias responsáveis repassam as informações necessárias para antes de iniciar o passeio. Seguimos pelo Rio da Lapa, de águas rasas, mas com uma correnteza razoavelmente forte. Esse pequeno rio segue por toda a extensão da caverna, servindo de formador para esta gruta. Na entrada, antes de se perder no breu, algumas pessoas se banham ou apenas olhando a entrada da gruta. Ao lado esquerdo uma pequena capela com santos e imagens religiosas. Um dos guias que nos acompanha, Wiliam Oliveira, conta sobre o turismo religioso que ocorre na região, por conta de algumas formações rochosas que parecem esculturas de pessoas santificadas. A entrada da Gruta Terra Ronca I, de um local específico, tem o formato de um coração. Por esse detalhe, muitas casamentos são realizados nessa pequena capela e uma grande romaria tem como roteiro final o mesmo local.
RIO PROFUNDO
A região é privilegiada em relação às águas. Na verdade, todos os rios que banham esta parte do Estado de Goiás provêm de nascentes situadas ao pé da Serra Geral. Nesta lista entram o Rio Angélica e o Rio São Vicente, do qual é afluente, o Divinópolis, os córregos São João, do Soluço, do Cipó, Cana Brava, Grotão, Jataí, Ribeirão São Vicente, Rio São Bernardo, Rio do Freio e o Rio da Lapa, que atravessa a Caverna Terra Ronca. As águas comportam-se de forma muito peculiar em relação à terra, penetrando e ressurgindo, sem a menor cerimônia. É a água um grande artífice dessa região, responsável pelo que há de mais incrível na paisagem local. É a água, que adentrando as formações rochosas molda, junto com os ventos, vagarosamente esculpe entre montanhas belas grutas, como se um mundo novo se desenhasse.
Um estudo realizado voluntariamente pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) no ano de 2010 cita essa característica singular da água em relação ao relevo da região da Terra Ronca. O representante do Iphan responsável pelo texto, Carlos Fernando, cita que “mais do que águas potáveis, a região possui águas capazes de limpar, purificar e curar doentes”. A região do Parque Estadual Terra Ronca também recebe diversos romeiros anualmente, que buscam a região por conta dos seus poderes miraculosos.
O GUIA
Um dos guias que acompanharam o grupo na visita à Terra Ronca I contou em entrevista exclusiva para o Diário da Manhã sobre o trabalho realizado por eles nas cavernas. Júlia Chaves é natural de São Domingos, mas mudou-se para Goiânia com sete anos para estudar. Retornou no ano 2016 e desde então trabalha como guia nas cavernas. Ela e o marido, Wiliam Oliveira, também recebem turistas em sua própria casa, uma espécie de hostel chamado Casa Sertão. O contato para marcar algum passeio ou hospedagem pela Terra Ronca é pelas redes sociais, buscando o nome Casa Sertão, ou também pelo telefone (62) 99604-8931.
CONFIRA ABAIXO ENTREVISTA COMPLETA COM BIÓLOGA DE FORMAÇÃO E GUIA NAS HORAS VAGAS, JÚLIA CHAVES:
Você mora na região de São Domingos há quanto tempo? Descreva rapidamente como é a vida no local (pessoas, festas, locais, etc).
Nasci em São Domingos, mas fui morar em Goiânia com sete anos para estudar, retornei em 2016 para assumir um concurso público e em seguida já iniciamos o trabalho com turismo. A vida por aqui é bem pacata, A cidade só fica movimentada no período de férias e feriados, quando vêm os conterrâneos que moram em outras cidades e os turistas. Mas quanto a cidade, não oferece tantas opções de lazer, para cada canto que olhamos, a natureza se encarregou de caprichar nas belezas naturais. São Domingos é cercada pela Serra Geral, banhada pelas águas do Rio São Domingos, por aqui tem muito mistério a se descobrir ainda.
A região de São Domingos conta com 270 cavernas catalogadas. Alguma outra região do Brasil possui esse número de cavernas (ou mais)? Como foi feita a catalogação dessas grutas? Após a catalogação, existe algum órgão responsável pela manutenção dessas áreas?
O Brasil possui dois grandes parques de Cavernas, um é o Petar em São Paulo e o outro é o PETeR – Parque Estadual de Terra Ronca. As Cavernas de nossa região, pertencem ao grupo Calcário Bambuí, um dos maiores afloramentos calcários do país, então aqui tem caverna para todo lado, sempre dá para descobrir mais uma.
As Cavidades aqui foram catalogadas por grupos de espeleologia, sempre contando com a ajuda de algum guia experiente daqui. O órgão responsável pelas cavernas é o Cecav – Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Cavernas, ligado ao ICMbio. No caso das cavernas do parque, o estado cuida em conjunto com o CECAV, mas muitas cavidades não estão na área de preservação do parque, e podem virar brita com a exploração de calcário e outros minerais na região.
A população auxilia na preservação das nascentes do São Domingos e das cavernas? Como os moradores de São Domingos percebem os pontos turísticos naturais da cidade?
A população está começando a enxergar que as nascentes devem ser preservadas, a região é muito rica em cursos d’água e as nascentes são incalculáveis. Em 2017 alguns rios secaram, mostrando assim a fragilidade do ecossistema, então as pessoas estão aprendendo que devemos preservar para conservar as nossas riquezas.
Em relação às cavernas, ainda falta educar e conscientizar, pois muitos moradores não respeitam esses espaços, usando-as para jogar lixo, depredando e pichando as formações. Os pontos turísticos são bem aproveitados, todos os fins de semana, os locais para banho: rios, cachoeiras, lagos ficam sempre cheios.
Em 2010, um estudo do Iphan considera a Caverna Terra Ronca como patrimônio cultural. O órgão desempenha alguma função de preservação da cidade ou das cavernas? Qual a importância do tombamento para conservar a área?
O estudo realizado pelo Iphan foi apenas para o reconhecimento do patrimônio local, nada foi devidamente formalizado, logo o órgão não desempenha nenhuma função por aqui.
Um tombamento do nosso patrimônio, garantiria a preservação de uma maneira mais eficaz, na cidade, boa parte do Patrimônio Arquitetônico foi destruído, sem nem incomodar as autoridades locais, que não enxergam a importância da história do lugar, certamente por falta de conhecimento.
Em 2017 a Praça da Matriz foi toda danificada com desculpa de que haveria uma reforma, o projeto apresentado para a reforma, mostra a total falta de respeito com o povo, a história, a arquitetura local e até com a própria igreja. O projeto apresentado, não agrada boa parte da população e moderniza uma praça que possui mais de 100 anos de história.
A região de São Domingos e municípios vizinhos têm grande possibilidade de se tornar referência do turismo ecológico. Para você, como essa região poderia ser utilizada sem causar danos ao meio ambiente?
O município possui beleza ímpar e de características peculiares, o bom uso dos atrativos caminha com a educação e o respeito a natureza. O meio ambiente deve ser visto como um bem comum e sua preservação caminha aliada com princípios básicos de educação:
Cuidado com o Lixo; Cuidado com as pessoas; Levar para casa apenas as fotografias (plantas e minerais compõem o atrativo); Pensar que outras pessoas vão usufruir do mesmo local e para que isso aconteça, devemos evitar qualquer dano ou alteração na paisagem. E sempre procurar um guia local, que irá proporcionar maior segurança ao passeio e certamente te contará um pouco da história do lugar.
Você acredita que a região abriga indícios de povos pré-históricos brasileiros? Existe algum trabalho de pesquisa em torno desses artefatos?
A nossa região ainda é carente de estudos e na maioria das vezes o conhecimento não é repassado para a população. Já foram encontradas muitas coisas aqui que saíram para museus de algumas capitais, como Goiânia e São Paulo, por exemplo.
A região possui muitos sítios arqueológicos, com paredões de pinturas rupestres. Em São Domingos e nas cidades vizinhas, achados cerâmicos, pontas de lança, machadinhas, há relatos de que até urnas mortuárias foram encontradas. Então com tudo o que foi encontrado, não tenho dúvidas que outros povos passaram por aqui.