O historiador é importante não só por desvendar uma sociedade antiga, mas também pelo poder que tem em mostrar os nossos erros. A investigação de civilizações antigas é uma necessidade para que o mundo contemporâneo possa se entender, percebendo as causas e depois reconhecendo as consequências. Os povos nativo-brasileiros, por exemplo, tiveram sua história soterrada após a colonização portuguesa e, até os dias atuais, é necessário investigar os costumes e cultura desse povo, ao mesmo tempo tão próximo e tão distante historicamente. Diferente de datas comemorativas, como o Dia Nacional do Índio, celebrado na última quinta-feira (19/4), é necessário investigar o passado da nossa terra e do nosso povo, a fim de construir um caminho melhor e mais justo.
Felizmente nesta mesma data foi publicado no Diário Oficial da União a Lei 13.653, que dispõe sobre a regularização da profissão de arqueólogo no País. Está descrito na nova medida as atribuições do profissional, bem como o planejamento, a direção e a supervisão da pesquisa arqueológica. A lei também fala sobre a prospecção, identificação dos sítios e a realização de perícias destinadas a apurar o valor científico e cultural de bens arqueológicos. O projeto foi elaborado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e foi aprovada pela Câmara dos Deputados em dezembro do ano passado.
O Estado de Goiás é uma das regiões do Brasil com um número significativo de sítios arqueológicos. De acordo com a coordenadora do curso superior em Arqueologia da PUC Goiás, Cristiane Loriza Dantas, existe uma demanda por profissionais nesta área nos últimos anos, especialmente em razão do licenciamento ambiental. Ela afirma que o “licenciamento aumentou sobremaneira a demando dos profissionais”. No total, o Brasil conta com mais de 25 mil sítios arqueológicos cadastrados, sendo que 1432 estão situados em Goiás. Inclusive, no sul do Estado, no sítio arqueológicos de Serranópolis, existem pinturas rupestres datadas em mais de 11 mil anos.
REGULAMENTAÇÃO
A nova lei sobre a atuação do arqueólogo no Brasil também é uma porta que se abre para quem tem interesse em ingressar na profissão. “A regulamentação é de suma importância no processo de valorização das atividades desenvolvidas por estes profissionais, que atuam diretamente na preservação e valorização do patrimônio arqueológico brasileiro”, afirma a coordenadora. A profissão do arqueólogo é a grande responsável pela manutenção e preservação da cultura material, ou seja, através de investigações é possível identificar períodos, localidades, costumes e até mesmo ideologias dos povos antigos, que acabam impressas nesses objetos.
Atualmente, o Brasil conta com 14 cursos de graduação em arqueologia. Na PUC Goiás, a matéria foi introduzida em 2006 e mais de 100 alunos passaram pela turma. O vice-diretor e arqueólogo do Museu de Antropologia da Universidade Federal de Goiás (UFG), Diego Mendes, acredita que a regulamentação da profissão foi um passo fundamental para o campo. “Entendo que reconhecer a especificidade da profissão é valorizar a história e a materialidade dos diversos setores da sociedade brasileira, principalmente, dos grupos subalternizados”, diz. O vice-diretor também pontua que a maioria dos sítios arqueológicos cadastrados no Estado de Goiás é relacionado com grupos indígenas, moradores da região antes da chegada das bandeiras paulistanas.
O Museu Antropológico da UFG possui um acervo de 200 mil peças arqueológicas, composto de materiais diversos como pontas de flecha lascadas, vasilhames cerâmicos, material esqueletal, entre outros. Algumas das peças estão em exposição. O museu está localizado na Praça Universitária e está aberto à visitação de terça a sexta-feira das 9h às 17h.
DUAS FRENTES
Cristiane Loriza Dantas aponta que a publicação da lei irá afetar os dois perfis de arqueólogos que atuam no Brasil. “No âmbito da pesquisa científica acadêmica o principal deles é conseguir dar continuidade aos projetos acampados pelos pesquisadores em termos de financiamento, é um tipo de pesquisa que demanda custos e eles não são baixos”, conta. Aqueles que trabalham com licenciamento ambiental terão dificuldades na interlocução com proficiências de outras áreas, bem como conseguir mostrar a importância da preservação dos bens resgatados.
Por outro lado, o vice-diretor do Museu, Diego Mendes, aponta que a regulamentação trará responsabilidades inéditas para os profissionais. “Precisamos enquanto profissionais da área nos aproximar da sociedade e estabelecer relações simétricas calcadas no diálogo com os diversos grupos e coletivos. O exercício da profissão deve ser acompanhado pela excelência científica e ética, além da aproximação com a sociedade”, alerta.
SONHO DE CRIANÇA
A atração pela arqueologia começou cedo para o arqueólogo Danilo Curado, que, ainda quando criança, enterrava os brinquedos no fundo de quintal de casa para depois escavar e resgatá-los. A escolha da profissão, já na fase adulta, depois de cursar três anos de História na Universidade Federal de Goiás (UFG), foi influenciada pelo sonho de criança, mas também pelo mercado de trabalho, que à época, estava em expansão.
“Eu queria mesmo era fazer arqueologia, mas na falta do curso em Goiás, fui primeiro cursar História. Assim que a PUC inaugurou o curso aqui em Goiânia, não pensei duas vezes, já quase terminando a primeira graduação, abandonei e fui realizar o sonho de criança”, conta.
Segundo o arqueólogo, a regulamentação irá trazer legitimidade para os profissionais. “Profissionalizar a arqueologia é patentear com o devido respeito aos pesquisadores que investigam o nosso passado histórico e que com as técnicas arqueológicas traz aos dias atuais a memória dos primeiros brasileiros”, avalia.