Em Nome da América radiografa o que foi, no Brasil, a experiência de milhares de jovens voluntários da agência governamental Corpos da Paz entre os anos 1960 e 1970. Dirigido pelo fluminense radicado em Pernambuco Fernando Weller, o filme venceu o Prêmio Petrobras de Cinema, de melhor documentário, na 41ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em outubro de 2017, e passou com aclamação, também, pelo Festival do Rio (mostra Première Brasil), Cachoeira DOC 2017, X Janela Internacional de Cinema do Recife e Forum.Doc.BH 2017.
O longa evidencia, por meio de uma costura narrativa que inclui testemunhos, material de arquivo e documentação histórica, as contradições entre a política exterior norte-americana inaugurada no governo de John F. Kennedy e as motivações dos voluntários no auge da Guerra Fria. O golpe militar de 1964 no Brasil, a Guerra do Vietnã e a infiltração da CIA na América Latina completam o cenário localizado no enredo. Naquele momento, tanto as elites brasileiras como o governo americano acreditavam que o Nordeste brasileiro poderia se tornar uma “nova Cuba”.
Weller rastreou centenas de ex-voluntários que viveram em Pernambuco e entrevistou muitos deles ao longo de dois anos. O perfil dos jovens americanos era diverso. Uma parte vinha tocada pelos movimentos dos direitos civis que varriam os EUA nos anos 1960 e esperava encontrar no programa uma forma de ativismo social. Já outra percebia nos Corpos da Paz uma chance para escapar do conflito bélico no Vietnã.
Para o diretor, o filme ilumina um determinado período, porém reverbera no macrocosmo, em especial no que se refere aos tempos atuais: “Procuro explorar a presença ambígua dos americanos no Brasil sem julgar os personagens, mas situando suas ações em um contexto político maior, muito além das vontades individuais. Os voluntários dizem que o programa foi mais importante para eles dos que para os brasileiros, pois tomaram contato com um mundo para além da bolha norte-americana. A gente percebe que, no Brasil, também vivemos em uma bolha, talvez mais fechada até. Sabemos pouco e, principalmente, menosprezamos a capacidade que governos, agências, empresas ou grupos políticos têm para interferir no curso da nossa história, sobretudo quando a intenção é manter as coisas como estão. Foi assim nos anos 1960 e não poderia ser diferente hoje.”
Não por acaso, Em Nome da América entrou em cartaz dia 5 de abril, na mesma semana em que se completaram 54 anos do golpe militar de 1964. Ao lançar luz sobre acontecimentos pouco conhecidos pelo público, oferece uma minuciosa pesquisa com farto material histórico a embasar uma verdade ainda atual: a influência dos Estados Unidos no escopo sociopolítico do Brasil.
O documentário é uma coprodução das empresas pernambucanas Jaraguá Produções e Plano 9 Produções, financiada com recursos do Funcultura-PE e do edital Longa Doc do Ministério da Cultura (MinC), com patrocínio da Petrobras e distribuição da Inquieta Cine, via aporte do Fundo Social do Audiovisual.
CORPOS DA PAZ
Criado nos Estados Unidos em 1961 pelo presidente John F. Kennedy, os Corpos da Paz eram o programa governamental que melhor representava a imagem modernizante da era Kennedy. Contra a percepção do americano imperialista e arrogante difundida pelo mundo, o então presidente convocou uma legião de jovens idealistas, recém-formados em universidades e afinados com o discurso de solidariedade e voluntarismo de luta contra a fome e a pobreza.
Entre 1961 e 1980, centenas de norte-americanos vieram ao Brasil, especialmente ao Nordeste, área considerada de alto risco subversivo pelo governo dos EUA. Os voluntários atuaram no Brasil em projetos comunitários, nas áreas da saúde, educação e, principalmente, em cooperativas agrícolas. O Recife chegou a ter um dos maiores escritórios da USAid (a agência de cooperação internacional norte-americana) do mundo, como parte de uma política que visava minar a influência comunista, representada pelas Ligas Camponesas de Francisco Julião.