Ousado e audacioso. Este era Tom Wolfe. Autor de Radical Chique e o Novo Jornalismo, uma espécie de bíblia do New Journalism, o jornalista e escritor foi juntamente com Gay Talese, Norman Mailer e Truman Capote responsável por acrescentar ao texto jornalístico elementos da literatura realista do século XIX. Introduziu ao ofício o uso da técnica literária do fluxo de consciência, adotada pelo francês Marcel Proust e pelo irlandês James Joyce nas obras Em busca do tempo perdido e Retrato de um artista quando jovem, respetivamente. Culto, trabalhou em jornais antes de ficar famoso como ‘o terno branco’ na década de 1970. Dedicou-se às reportagens especiais, de final de semana, humanas, vivas, no diário The New York Herald Tribune e na revista Esquire. Tomou LSD para compreender o rock psicodélico de Jefferson Airplane e Grateful Dead.
Essa trajetória, porém, teve um ponto final, sem reticências, sem metáfora ou metonímia, sem alusão às construções frasais que viraram marca registrada de Wolfe, na última segunda-feira em Manhattan, nos Estados Unidos... Além de ser cultuado como pai do New Journalism, o jornalista escreveu romances de ficção que venderam na terra do tio-sam mais de dois milhões de exemplares, fazendo de sua revolta literária algo extremamente lucrativo. Devoto do realismo de Balzac, acreditava em duas premissas básicas para escrever um texto sóbrio e verossimilhante. “Construir cena por cena, como uma novela; usar maior quantidade de diálogos possíveis; concentrar-se nos detalhes para definir os personagens; e adotar um ponto de vista para contar uma história”, indica. Além disso, dizia que todo repórter deveria entrar na cabeça do personagem para descrever os sentimentos dele no momento em que a ação se desenrolou.
Famoso por sua vestimenta impecável e pelo seu chapéu branquíssimo, Wolfe era um sujeito simpático, com várias histórias impressionantes que ganharam a eternidade por meio suas reportagens, tal como o perfil que escreveu do jovem boxeador Cassuis Clay, popularmente conhecido como Muhammad Ali. “Passamos cinco dias juntos e me respondeu tudo, com nada. A diferença foram os detalhes: as conversas com seus companheiros, os aduladores, a noite em que desapareceu de uma casa noturna e nos deixou uma conta monstruosa a pagar…”, contou o jornalista, em uma ocasião, exemplificando como é a apuração de uma matéria com viés literário. Reflexões neste sentido sempre estiveram presentes na vida do escritor. Mas Wolfe nunca negou que o Novo Jornalismo teve várias falhas. “A menos que você seja parte da trama, creio que é um erro escrever em primeira”, explicou.
Por este motivo, Hunter Thompson o criticava porque que o estilo narrativo do “obscuro jornalista da califórnia” era essencialmente em primeira pessoa. O precursor do jornalismo gonzo acreditava que Wolfe escrevia bem, mas deixava situações literariamente imprescindíveis fora de suas reportagens. Por outro lado, é possível encontrar várias semelhanças no estilo de ambos. Tanto Wolfe quanto Thompson eram donos de textos ácidos, cheio de metáforas, repleto de críticas à sociedade de consumo estadunidense e ao estilo de vida norte-americano, espalhado pelos quatro cantos do mundo como American way of life. Porém, o ‘terno branco’ não poupou elogios quando o maluco autor de Medos e Delírios em Las Vegas lançou o cultuado livro-reportagem Hell´s Angels, em 1967. Para Wolfe, a obra foi a melhor lançada naquele ano.
FICÇÃO
Na década de 1980, Tom Wolfe deu uma guinada surpreendente em seu trabalho e lançou o romance A Fogueira das Vaidades, que foi levado aos cinemas pelo diretor Brian de Palma no início da década de 1990. Escrito como uma grande reportagem, a obra foi publicada em série e o consagrou perante o mercado editorial dos EUA, vendo mais de dois milhões de exemplares. Passou, em seguida, aos campus universitários em Eu sou Charlotte Simons. Antes de morrer, todavia, voltou seus olhos aptos a identificar sarcasmo para a cidade Miami, com Sangue nas Veias, onde deu vida a uma trama complexa, que inclui desde um policial musculoso a um doutor que trata obsessivamente pessoas vidradas em sexo, passando ainda por um professor haitiano e uma jovem jornalista.
O romance nasceu quando o jornalista estava preparando seu livro anterior. Na verdade, ele sempre teve o desejo de falar sobre os imigrantes. Ao escrevê-lo, Wolfe partiu do pressuposto de que a estória era como uma fotografia que retrata a América e tem o poder de mudar, ou não, a vida das pessoas. Apesar de ser um texto com caráter literário, a obra nasceu durante conversas com jornalistas que eram conhecidos do ‘terno branco’. No total, fez três viagens para Miami, percorreu as ruas da cidade e conversou com imigrantes. Para isso, contou com a ajuda de um chefe de polícia que era um antigo amigo seu, ainda dos tempos em que era repórter de jornal diário em Nova Iorque.
Ainda que seu estilo textual seja totalmente singular, o jeito com que Wolfe conversava não tinha nenhum resquício sequer de sua literatura. A fala era mansa, calma, tranquila... Tinha uma tendência literária tipicamente do sul dos Estados Unidos que o levava a enlaçar uma história como o escritor William Faulkner, nobel da literatura, fazia. Aliás, era desta forma que ele se referia a uma viagem que fez a Cuba enquanto era repórter do Washington Post. Em seu último romance, voltou a zoar a elite estadunidense com um personagem que era colecionador de arte e também representou–bem ao seu modo–um cara viciado em se masturbar.