A os 27 anos, em julho de 1890, o célebre pintor holandês Van Gogh tentou suicídio com um tiro no peito. Ele morreu alguns dias depois, nos braços de seu irmão Theo, deixando uma vasta obra em pinturas e ilustrações, hoje vendidas a preços exorbitantes. A sensibilidade mental e as mudanças de humores de Van Gogh intrigam fãs, artistas e pesquisadores de todo o mundo. No Brasil, em 2013, a dupla Rosana Raposo Momentel e Joana Sanches-Justo apresentou um artigo científico no Encontro de Ensino, Pesquisa e Extensão, Presidente Prudente, tentando desvendar a expressividade nos traços que Van Gogh que retratavam seu próprio ser.
O artigo, intitulado Traçando possíveis sentidos para os autorretratos de Van Gogh: o meio e as leituras de mundo impulsionando a criação artística, analisa os três autorretratos mais conhecidos do artista, na intenção de levantar os sentidos produzidos pela existência das obras, encaixando-as no contexto da vida do pintor. O trabalho teve como base pesquisas anteriores e cartas redigidas pelo próprio artista. “O artigo aborda os autorretratos do pintor pós-impressionista Vincent van Gogh, sobre os quais foram realizadas análises embasadas em leituras de livros, artigos científicos e cartas que o pintor mandava ao irmão Theo”, explicam os autores no resumo.
A sensibilidade e a análise de fatores subjetivos são apontadas como os autores da pesquisa como um mar de possibilidades interpretativas. “Foram analisados também elementos estéticos e harmônicos, composições e cores. Assim, foi possível perceber que cada autorretrato carrega mais do que elementos gráficos, pois traz consigo seu contexto e toda uma vida a cada pincelada”. As obras escolhidas para a análise são do período que antecedem a morte do artista, considerado também o ápice de sua criatividade. Todos foram feitos em 1989, em situações delicadas da vida do artista. O primeiro, com a orelha recém-cortada; o segundo, enquanto estava internado, e o terceiro no auge de suas crises nervosas.
ANÁLISES
O primeiro autorretrato analisado pelos pesquisadores foi confeccionado por Van Gogh em Arles, no sul da França, semanas após ter arrancado a própria orelha. Na época ele já havia saído do hospital, e produzia telas em um ritmo frenético. Os autores apontam para a expressão perdida do pintor, envolta em cores anestésicas. “Um fato atípico é o pintor aparecer sem barba e com o rosto bastante modificado, talvez devido ao cansaço físico e mental. Seu olhar é aparentemente perdido e não foca nem seu reflexo no espelho, nem o observador, fica perdido entre esses dois pontos. O quadro de uma maneira geral é aparentemente apático, sem cores vibrantes como usava antes do ocorrido”.
O próximo registro de Van Gogh foi feito pouco tempo depois, quando o pintor estava internado no Hospital Saint-Rémy devido ao pedido de seus vizinhos e por ordem policial. O quadro traz uma atmosfera soturna e vibrante, agregando uma ideia de movimento ausente de seu autorretrato anterior. “O roxo profundamente escuro ao fundo se mostra descaradamente sombrio e perturbado, é inusitado e parece vibrar ao redor de Van Gogh”, analisam os pesquisadores. “O fundo possui uma aparente movimentação devido às pinceladas, dando a impressão de que tudo em volta de Van Gogh é pura inquietação”.
A última obra abordada por Rosana e Joana é um dos autorretratos mais icônicos de Van Gogh, concluído em setembro de 1889, menos de um ano antes de sua morte. “O fundo da obra é preenchido com cores que se contorcem, formando arabescos alucinatórios e voltas quase inteiras, de forma que a tela de uma maneira geral mostra movimento intenso do azul, aparentando o fundo em movimento inquietante e apenas Van Gogh parado, olhando para o observador da obra”. Eles apontam uma heterogeneidade na tela, dominada pela interferência da cor azul. “Todo o fundo quase se mistura com a roupa de Van Gogh, compartilhando de um mesmo azul claro, ora com tons escuros ora com tons um pouco esverdeados”.