Em um mundo cheio de referências fotográficas e de criações abstratas em estúdio, a pintura ao ar livre destaca-se como uma das mais puras experiências artísticas, no sentido sensorial. A partir do contato direto dos olhos com a realidade adiante, os pintores que se propõem a transmitir arte dessa maneira deparam-se com os desafios mais extremos da observação e do poder instantâneo do tempo em distorcer a cada milésimo de segundo aquilo que a combinação de posições da matéria, em constante movimento, apresenta à visão humana. Um dos destaques da nova geração de pintores ao ar livre, o norte-americano Daniel Heidkamp (que atualmente vive em Nova Iorque) viaja por vários lugares do planeta para ter esse tipo de experiência.
“Minha matéria-prima surge da pintura in loco. Fico sentado com minha tela no chão e tento capturar momentos onde o mundo comum parece ser inteiramente outro mundo”, explicou o pintor, de 38 anos, ao site Artsy. Recentemente, o site publicou um artigo da autora Tess Thackara sobre esse assunto. O texto “Estes artistas viajam o mundo para pintar ao ar livre” destaca Daniel entre outros pintores que se dedicam à prática. “Quando você é atingido por uma onda diária de imagens e fortes manchetes, é fácil esquecer de prestar atenção às palavras – de olhar para o céu, contemplar a forma de um galho de árvore ou projetar a imaginação no ambiente em que vivemos”, coloca a autora do texto, que também destaca o trabalho do brasileiro Bruno Dunley.
De acordo com Tess Thackara, o próprio boom da tecnologia visual vem fortalecendo a prática ancestral de criar quadros ao ar livre. “A onipresença da fotografia e a difusão de nossa paisagem digital ajudaram a renovar o interesse nessa maneira de pintar, que é uma das formas mais tradicionais de arte e exige olhar acima de tudo”. A autora retrocede milênios na linha do tempo da história para situar-nos às formas mais rudimentares de arte que utilizavam os olhos como o recurso imediato nas tentativas de reproduzir a vida em forma de imagem. “Os primeiros humanos deixaram representações simples de seus ambientes nas rochas e paredes de cavernas muito antes de Claude Monet pintar seus lírios”, compara.
ANTICLÍMAX
Tal qual uma música sem refrão, as imagens de Daniel Heidkamp buscam a fuga do apelo e da monumentalidade. O artista promove uma verdadeira caça de estímulos visuais que de tão familiares acabam soando estranhos no universo da arte. Ele transforma cenas despretensiosas, como o alpendre de uma casa a ser acariciado pelos últimos raios solares do dia. “Em algumas ocasiões, Daniel Heidkamp adquire um ‘estado de transe’ à medida que observa fenômenos ambientais e procura capturar a paleta, forma e efeitos de luz daquilo que o cerca, transformando tudo em composições coloridas que transmitem desordem ou calmaria”, descreve Thackara. “Suas telas podem recriar a sombra malva que se instala em uma casa à beira mar ou o brilho rosa de uma varanda de madeira”, explica.
A autora também cita uma das grandes referências do artista, uma escola francesa que oferecia à arte o mesmo método, além de mensagens semelhantes. “Heidkamp já pintou paisagens desde Massachusetts até o interior da França, onde a Escola Barbizon (do século XIX) – uma forte influência em seu trabalho – capitalizou a invenção de tubos portáteis de tinta e tornou famosa a arte de pintar ao ar livre”. Tal escola ganhou espaço na Europa entre as décadas de 1830 e 1870, através de nomes como Claude Lorraine e Nicolas Poussin. Seu nome vem do vilarejo de Barbizon, próximo à Floresta de Fontainebleau, que fica cerca de 60 km ao sudoeste de Paris. Muitos dos pintores que integraram o movimento têm suas origens no vilarejo.
Assim como Heidkamp, os pintores da Escola Barbizon também apresentavam o anticlímax com um aspecto marcante em suas obras. “Embora muitas vezes considerado um movimento de transição entre a Pintura de paisagens do século XVIII e o Impressionismo, este grupo é importante por ser o primeiro a se concentrar exclusivamente na natureza. As pinturas Barbizon também são anti heroicas, despretensiosas e produzidas de maneira simples”, descreve o site Artsy. No ano passado, com a exposição Coasting, Heidkamp apresentou 12 telas na galeria Harper’s Books. “Suas imagens são decididamente representativas, e buscam por momentos de experiências em primeira mão”, descrevem os curadores, no site da galeria.