Com uma história não muito simples de explicar, o Taiwan, país que fica na Ásia oriental, tem até hoje sua soberania reconhecida de forma limitada, mesmo apesar de sua forte economia. Seu território, que consiste na Ilha de Formosa, já esteve sob controle de chineses e japoneses. Quando a República da China (nome oficial e Taiwan) perdeu a Guerra Civil para o Partido Comunista em 1949, transferiu-se para a ilha, mantendo-a como uma região de influência capitalista. Toda esse cenário conturbado foi vivido por vários artistas, que tentam expressar-se documentando as sequelas deixadas por tantos conflitos. O DMRevista de hoje apresenta o fotógrafo Chang Chao Tang, considerado um dos fotógrafos mais importantes do país no período pós Segunda Guerra Mundial.
É conhecido por suas impactantes construções fotográficas que se sustentam sobre uma linguagem de metáforas. O site Lens Culture disponibiliza uma pequena apresentação a respeito do artista. “Chang tem sido descrito como um mestre do surrealismo. Sua obra, uma síntese do existencialismo ocidental e da ideologia chinesa, é saudada como um sinal icônico dos tempos do Terror Branco em Taiwan”. Tal período é caracterizado pelo duro regime que controlava o país. Entre 1949 e 1987, mais de 140 mil taiwaneses foram detidos, e outros cerca de 4 mil perderam a vida por se posicionarem de forma contrária à do líder Chiang Kai-shek. As dificuldades enfrentadas pela população podem ser vistas nos filmes de Hou Hsiao Hsien, diretor da obra prima Cidade das tristezas (1989).
As habilidades de Chang ultrapassaram sua própria geração, e criaram uma nova escola que viria a influenciar outros jovens talentos. “A influência de Chang Chao Tang vai muito além de sua prática fotográfica. Chang é creditado como um forte mentor e curador de vários jovens fotógrafos taiwaneses. Ele também escreveu e publicou uma impressionante variedade de livros e ensaios sobre a fotografia de Taiwan”, conta o site Lens Culture. Em 2013, a obra do fotógrafo ganhou importante divulgação mundial através do livro (que também ganhou uma exposição) Time: The Images of Chang Chao-Tang 1959- 2013, uma retrospectiva de mais de 50 anos de carreira que engloba 400 fotografias, além de documentários e instalações experimentais desenvolvidas por Chang.
EXISTENCIAL
A obra de Chang também ganhou destaque através de uma publicação do site Invisible Photographer. O texto se chama O existencialismo do mestre surrealista de Taiwan, e foi publicado em 2013. “Inicialmente um fotógrafo de rua, Chang Chao Tang tem sua obra descrita como profética, além de uma reflexão modernista sobre o absurdo da realidade”, conta o autor. “Chang começou a tirar fotos ainda na adolescência, durante o colegial. A maioria de seus trabalhos revelam a ironia da vida e da morte. Em sua entrevista durante a Taipei Bienal 2012, disse que suas imagens exibem perdas, buscando afinidade com a chamada Geração Perdida de Taiwan”. O termo ‘Geração Perdida’ é comumente usado para se definir àqueles que viveram o período de Terror Branco pós Guerra Civil.
A obra de Chang deixa ainda um grande legado ambíguo ao contar a história do país. “Ele também diz que as referências políticas sobre o impacto social das quatro décadas de lei marcial são interpretadas de forma indireta. Sua fotografia representa mais um ‘status sobre a vida e os seres humanos, um status sobre ser’”, informa o Invisible Photographer. Um outro momento de grande destaque midiático da carreira de Chang foi a publicação da reportagem From Ordinary Life, Extraordinary Images (Da vida ordinária, imagens extraordinárias), escrito por Rena Silverman para o jornal The New York Times em abril de 2014. Em entrevista, Chang fala da sensação de isolamento que seu trabalho causa, bem como a percepção de uma certa inocência.
O texto fala ainda dos primeiros experimentos do jovem Chang com sua câmera, ainda no final dos anos 1950. “Ele gostava de passear por várias horas com a câmera depois da escola; isso aliviava o fardo de sua lição de casa. Eventualmente, ele se via tirando fotos todos os dias. Fotos de pessoas comuns e lugares do Taiwan, como jovens saindo da praia, animais de fazenda e bonecas”, conta Rena. Quando criança, Chang jamais imaginou ocupar o lugar que ocupa hoje. “Mr. Chang dificilmente suspeitava que se tornaria um dos mais importantes fotógrafos de Taiwan – de fato, ele tinha tão pouca preocupação com este futuro que nem mesmo se incomodava de guardar os negativos”. Durante a conversa, o artista afirmou não ter consciência do chamado Terror Branco até o colegial, e que não criou suas fotos com a pretensão direta de documentá-lo.