Em artigo enviado ao DMRevista, o prof. Dr. Guilherme Messas, psiquiatra especialista em álcool e drogas, é professor e coordenador do Programa de Duplo Diagnóstico em Álcool e Outras Drogas da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.
Coordenador da Câmara Temática Interdisciplinar sobre Drogas do Conselho Regional de Medicina de São Paulo, ele fala sobre as demandas e trâmites que englobam a regularização de uma nova substância no sistema que rege a medicina brasileira. De acordo com o especialista, os impactos sociais e burocráticos devem ser levados em conta para que, no fim, a regulação traga benefícios acima de malefícios. Confira:
“O tema da maconha medicinal vem ganhando grandes proporções no mundo ocidental e, mais recentemente, no Brasil. A legalização do uso de cannabis para tratamento médico em alguns países e, principalmente, alguns estados americanos, trouxe este tema à baila no Brasil. Existem alguns estudos preliminares que indicam que algumas das substâncias químicas contidas na cannabis possam ser eficazes para tratar problemas de saúde. O canabidiol, em específico, foi liberado no Brasil para os cuidados em relação a alguns quadros de epilepsia refratária em crianças.
Com isso, criou-se grande expectativa de que a Anvisa, agência regulatória brasileira, responsável pela liberação e controle de uso de novas substâncias terapêuticas, viesse em breve a regulamentar o uso de maconha para fins medicinais. Entretanto, essa expectativa vem sendo frustrada, com hesitações a esse respeito por parte da Anvisa. É importante que a população brasileira seja esclarecida, em um assunto tão polêmico, acerca do que está em jogo quando se fala em maconha medicinal.
A liberação do uso medicinal de qualquer tratamento ou droga deve submeter-se a uma série de procedimentos administrativos e científicos, para que seja garantida à população sua utilização segura. Apenas nesse caso se pode falar em uso medicinal. A cannabis não é exceção. O seu eventual uso medicinal deve seguir estritamente a lógica da saúde pública e, por isso, sua aprovação não pode abrir mão de nenhum protocolo de segurança, sob risco de produzir importantes danos na população. No caso da dita maconha medicinal, os necessários processos para aprovação com segurança não foram atendidos.
Do ponto de vista da saúde pública, não faz sentido se falar em maconha medicinal. Isso não quer dizer que não se deva progredir com toda a velocidade possível no campo das pesquisas sobre os efeitos terapêuticos das substâncias contidas na cannabis. Pelo contrário, é fundamental que o Brasil não se negue a avançar pelo caminho da ciência e permita. Mas não devemos confundir o necessário avanço científico com as exigências de saúde pública no momento. A saúde pública como bem maior deve ser salvaguardada pela Anvisa e, para isso, a população deve exigir que toda nova terapêutica siga à risca os protocolos internacionais de segurança”.