Podemos dizer que a surpreendente exposição “Coletivo de Atrações”, que será aberta hoje, às 19h30, na Vila Cultural Cora Coralina, com entrada gratuita, saiu direto das entranhas do diretor e roteirista Hélio Fróes. Mas é fato que bateu de frente com as dores do mundo. Isso mesmo, pois a mostra – que flerta com diversas linguagens artísticas, como cinema, teatro e artes plásticas, a partir de um problema de saúde do diretor – consegue atingir as agruras da sociedade e ainda atingir cada um individualmente.
A mostra fica em cartaz até o dia 16 de setembro e foi criada e dirigida por Hélio Fróes juntamente com a artista visual Rô Cerqueira. Como trata-se de um coletivo, colaboram com o projeto a atriz premiada, diretora Fernanda Pimenta (com performances teatrais), o iluminador cênico Júnior Oliveira e a fundadora da Balaio Produções, a organizadora da mostra Luana Otto. “Falo que esta mostra envolveu mais gente além dos artistas, os produtores e os membros da Balaio. Todos entregaram um pouco de si nesta proposta”, ressalta Hélio Fróes.
Ainda de acordo com o diretor, que está ainda por trás de trabalhos premiados da Cia. Nu Escuro, a ideia é trazer ao espectador uma mostra que reunisse diversas expressões artísticas e abordasse a violência urbana, que era antiga. Nasceu em 2012. No entanto, a vida quem moldou suas obras e, conforme Fróes, o resultado de “Coletivo de Atrações” ficou muito diferente e, ao mesmo tempo, muito parecido ao que ele tinha pensado no início.
A semelhança com o projeto embrionário é a riqueza de linguagens, a reunião de talentos, que possibilita com que o público se depare com um misto de sensações visuais, sensoriais e emocionais profundas. Isso é possível através de narrativas fragmentadas que causam a diluição das fronteiras entre o factual e a ficção, a violência e a poesia, a fisicalidade e o virtual, a luz e a sombra.
SOCIEDADE SONÂMBULA
Outra referência também vinda da ideia original do projeto é filme“O Gabinete do Dr. Caligari, de 1920, do diretor Robert Wiene. Este longa, do cinema mudo, é considerado a grande obra do movimento expressionista alemão no cinema. Foi dele que a exposição herdou o apreço por um ambiente gótico, em que luzes e sombras se contrastam. O filme, assim como a exposição, coloca em cena a discussão de que se vive em uma sociedade apática e sonâmbula.
Esta influência pode ser notada em uma obra em que o público é convidado a sentar em uma cadeira repleta de pregos na frente de uma filmadora, que exibe a imagem suave de uma pena. “Na mostra há ainda a referência a vários outros elementos hipnotizantes na sociedade, como uma garrafa de bebida, peso de academia e o próprio cinema e a TV”, adianta Hélio Fróes.
Foi ainda baseada em O Gabinete do Dr. Caligari, uma das principais obras da exposição, intitulada “Silhueta Cesare”, que inclusive traz o nome de um dos personagens do filme, o Cesare. Esta obra é a que mais se distanciou do propósito inicial da exposição, no entanto se encaixou perfeitamente, tanto à sua estética, quanto à mensagem.
Se Hélio diz que “Silhueta Cesare” se distanciou do projeto inicial é somente porque foi completamente inspirado em um momento pessoal doloroso, na vida de Hélio Fróes e sua esposa, Rô: a luta contra um câncer no esôfogo que viveu o diretor. A doença, de acordo com Hélio, veio e foi de forma rápida.
No entanto, esta experiência fez o casal repensar a vida e – como artistas que são – levou o público junto com esta mostra. E, através de “Silhueta Cesare”, os artistas trouxeram à tona questões importantes, como o mundo está indigesto? O que cada um permite entrar e sair de sua vida? E a pergunta se apresenta na forma de um esôfago gigante, de 20 metros.
A representação do órgão digestivo veio na forma de um túnel sustentado por uma estrutura metálica e toda revestida por plástico bolha – e ao caminhar sobre o local é possível sentir as bolhas estourando. E assim os artistas convidam o público para “entrar” no esôfago de Hélio e chegar às suas próprias conclusões. Pois, como já citado, toda equipe envolvida acredita que “Coletivo de Atrações” trata-se de uma criação realmente coletiva e pode ser construída, inclusive, pelo observador.
Sobre o enfoque subjetivo e pessoal de “Silhueta Cesare”, conversamos com Hélio e Rô, que contaram um pouco mais sobre este processo de a doença curada ter virado arte. Enquanto o diretor fala sem rodeios sobre a experiência do câncer, Rô embarga a voz algumas vezes relembrando o episódio. No entanto, é possível vê-los tentando entender todo o processo, sempre através da criação.
“Acredito que o esôfago traz várias questões sobre o que permitimos que entre em nós nas coisas sutis que falamos ou absorvemos do outro. O que a gente tolera? Engole? Ouve? Toca?”, filosofa Hélio, que foi logo complementado por Rô: “Não nos nutrimos apenas de comida. A comunicação, por exemplo, pode nos nutrir ou envenenar. O esôfao está perto do coração, é o lugar das sutilezas, da emoção.”
ELEMENTOS LEVES
Rô e Hélio falaram ainda sobre as escolhas de materiais e referências leves em ambientes opressores que são frequentes na mostra, não por acaso. “Optamos por elementos leves, como o papel, a pena... O plástico bolha, por exemplo, é algo que me remete a algo relaxante, que a gente estoura. Ele é transparente e também faz sombra. Ou seja, falamos de coisas que trazem opressão com elementos que trazem certa leveza”, ressalta Rô.
OFICINAS E PERFORMANCES
“Silhueta Cesare” será ainda o cenário para a performance interativa chamada “Passagem”, encenada pela atriz Fernanda Pimenta. A encenação acontecerá em quatro momentos determinados da mostra (a primeira performance será hoje, às 20h. Confira o horário das próximas performances na programação). Também haverá uma palestra sobre os conceitos criativos do projeto, resgatam os elementos teóricos e históricos que contribuíram para o resultado, e três oficinas que dialogam com as técnicas aplicadas no trabalho completam a experiência.
PROGRAMAÇÃO
PROJETO COLETIVO DE ATRAÇÕES
(De 16 de agosto a 16 de setembro)
Instalação Silhueta Cesare
Visitação: De 16 de agosto a 16 de setembro
Performance Passagem
- 16 de agosto, às 20h
- 19 de agosto, às 17h
- 21 de agosto, às 19h
- 11 de setembro, às 19h
Palestra Coletivo de Atrações – 21 de agosto - 19h - Debate aberto para apresentar as etapas de estudo e pesquisas, as escolhas estéticas e o processo de concepção e produção final.
Oficina Contação de histórias para crianças – 25 de agosto - das 8 as 12h
Oficina Performance – Poéticas de espaço-tempo – 03, 04 e 05 de setembro - das 19 as 22h.
Oficina História da Performance Digital - Datas e horários: 11 e 12 de setembro - das 19 as 22h.
TODAS AS ATIVIDADES TÊM ENTRADA FRANCA
PROJETO COLETIVO DE ATRAÇÕES
Visitação: de 16 de agosto a 16 de setembro
Abertura: 16 de agosto, quinta-feira, 19h30
Onde: Vila Cultural Cora Coralina (Rua 3, s/n - St. Central)
Entrada franca