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ENTRETENIMENTO

Não era um santo. Nem o capeta: apenas um barão da comunicação

  •  Já sob a gestão de Octávio Frias Filho, diretor de redação, o órgão de imprensa exige, em 2 de abril de 2016, a ‘renúncia’ da presidente da República, Dilma Rousseff
  • Congresso declara vaga presidência: Mazzilli assume – Papel picado comemorou a renúncia de João Goulart’. Manchete da Folha, 2 de abril de 1964, com Octávio Frias
  • Jornal entrou com uma ação judicial para censurar website humorístico ‘Falha de S. Paulo’, que satirizava a cobertura editorializada, parcial, do veículo de comunicação

Dois de abril de 1964. Man­chete da Folha de S. Paulo. Um veículo de comuni­cação de propriedade de Octávio Frias. ‘Congresso declara vaga pre­sidência: Mazzilli assume – Papel picado comemorou a renúncia de João Goulart’. Não houve renún­cia. O que ocorreu foi um golpe de Estado civil e militar. Uma conspi­ração das Forças Armadas. Com o financiamento em milhões de dó­lares dos EUA, desde 1962, com o Ipes e o Ibad, o aval do Congresso Nacional, eleito com recursos ile­gais, o suporte dos grandes con­glomerados de comunicação e anuência do Supremo Tribunal Fe­deral, a corte suprema que autori­zou a deportação de Olga Benario: em 1936. Já sob a gestão de Octá­vio Frias Filho, diretor de redação, o órgão de imprensa exige, em 2 de abril de 2016, a ‘renúncia’ de Dilma Rousseff. Presidente da República reeleita em eleições diretas em ou­tubro de 2014 com 54,5 milhões de votos válidos. Com uma platafor­ma de ensaio desenvolvimentista, como anota o doutor em Ciências Políticas da USP [Universidade de São Paulo], André Singer. O texto é taxativo. “Depois de seu partido protagonizar os maiores escânda­los de corrupção de que se tem no­tícia; depois de se reeleger à custa de clamoroso estelionato eleitoral; depois de seu governo provocar a pior recessão da história, Dilma [Rousseff] colhe o que merece.” O governo federal cai, em votação na Câmara Federal, dia 17 de abril. O velho barbudo Karl Marx diz que a história se repete. Primeiro, como tragédia. Depois, como farsa. Her­bert Marcuse insiste que a farsa se­ria mais sinistra do que a tragédia.

- Para a Folha de S. Paulo, em editorial, houve uma ditabranda no Brasil. Depois, desculpas...

O impeachment, sem crime de responsabilidade, era apenas o primeiro ato do golpe. De novo tipo. Líquido. Frio. Pós-moderno. Com a operação dos aparatos po­licial [Como a Polícia Federal], jurí­dico [Ministério Público, Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tri­bunal Federal], e da Corte de Con­tas [Como o Tribunal de Contas da União] do Estado. Com o coro do Congresso Nacional, eleito com recursos de supostas doa­ções irregulares. Além da cober­tura editorializada, parcial e refém do ‘pensamento único’, dos grandes conglomerados de comunicação. De oito famílias de barões da co­municação. Marinho, Frias, Mes­quita, Civita, Saad, Abravanel, Alzu­garay e Macedo [Igreja Universal do Reino de Deus]. O segundo ato ocorre com o desmonte do Estado Nacional-Desenvolvimentista. He­ranças de Getúlio Vargas, João Bel­chior Marques Goulart, Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Vana Rous­seff. Com as reformas Trabalhista, do Ensino Médio, o Pacote de Con­cessões e Privatizações, a entrega do Pré-Sal ao capital estrangeiro, a venda daEletrobras, aameaçadaRe­forma da Previdência, a redução do valor real do salário mínimo, o con­gelamentodosgastospúblicospor20 anos, cortes nos Programas Sociais. A última etapa do golpe é a prisão do ex-operário metalúrgico Luiz Inácio Lula da Silva, ex-presidente da Repú­blica, por dois mandatos de consecu­tivos, de 2003 a 2006 e de 2007 a 2010, que elegeu e reelegeu a sua sucesso­ra. Sem provas. Com base em con­vicções. Em flagrante desrespeito ao artigo 5º da Carta Magna e à resolu­ção da ONU.

- Imagem falsa de dossiê de Dil­ma Rousseff chegou a ser veiculada.

Além de aben­çoar os ho­mens da caserna, em 1964, a Co­missão de Mortos e Familiares de Desaparecidos Políticos à época da ditadura civil e militar aponta que carros timbrados da Folha de S. Paulo teriam sido usados pelo DOI-COD, de São Paulo, sob a coor­denação do coronel Carlos Alber­to Brilhante Ustra, referência para o deputado federal Jair Bolsona­ro, para exterminar a dissidência política. A luta armada. Com a en­trada em cena, na redação do jornal, de Oc­távio Frias Filho, demissões da velha guarda ocorreram. Entre elas, a de Tarso de Castro. Ícone da Imprensa Alterna­tiva. A cara do Pasquim. Com a cria­ção do Manual de Redação, o ad­vogado e dramaturgo pasteurizou o jornalismo. Com regras intrans­poníveis. O que exigia o assassina­to da inventividade do livre-pensa­dor. Primeiro correspondente em Moscou, em tempos da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas [a URSS, 1917-1991], o jornalista ‘gau­che’ José Arbex Júnior, que cobriu a queda do Muro de Berlim, Ale­manha; a Revolução de Veludo, na Tchecoslováquia; a queda da ‘no­menklatura’ Ceausescu, na Romê­nia; e a guerra entre Israel e Pales­tina, com entrevista histórica com Yasser Arafat, afastou-se da empresa por discordar da mudança de rota de cobertura na Eco-1992, realiza­da, no Rio de Janeiro, Brasil. Mais: erros no Escândalo da Escola Base. Ataques incessantes ao esquerdis­mo do PT, uma suposta doença in­fantil do comunismo. Ele maltratou o recém-eleito presidente da Repú­blica, em 2002, nas dependências do veículo, ao lado do pai, o socia­lista Luiz Inácio Lula da Silva.

- Que, insultado, levantou-se e foi embora.

Ainda sob a gestão de Octávio Frias Filho, a Folha de S. Pau­lo entrou com uma ação judicial para censu­rar o website hu­morístico ‘Falha de S. Paulo’, que satiriza­va a cober­tura edito­rializada, parcia l , do veícu­lo de co­munica­ção. O site aca­bou retirado do ar. Acusação: uso indevido da marca. Preto no bran­co: censura. Até o cyberlibertário mais procurado do mundo Julian Assange entrou em cena. Escânda­lo internacional. A empresa Grupo Folha vendeu 50% das ações que possuía do jornal ‘Valor Econômi­co’, lançado no ano de 2000. Para a empresa dos ‘Irmãos Marinho’, fi­lhos de Roberto Marinho, um dos maiores entusiastas do golpe de Es­tado civil e militar de 1964, que de­pôs João Belchior Marques Gou­lart. Sintomas da crise: a tiragem da Folha de S. Paulo, que já che­gou a atingir dois milhões de exem­plares por dia, bate no teto, hoje, em 2018, de 285 mil exemplares. Em um país de dimensões conti­nentais, cuja população seria de 207 milhões de habitantes. O nú­mero de exemplares que circula, em Goiânia, capital do Estado de Goiás, é irrisório. Ridículo. A cria­ção do Erramos, apontado como uma novidade, não repara o dano causado por supostas manchetes editorializadas que destroem re­putações. Longe disso. O espaço oferecido ao outro lado da notícia é pífio. Em seu ideário, o Grupo Fo­lha defende o livre mercado, ape­sar de constituir monopólio de mí­dia, e compreende a notícia como mercadoria, não como informa­ção indispensável ao exercício da cidadania no século 21. O núme­ro exagerado de colunistas e arti­culistas que pregam o credo liberal, em comparação com os que defen­dem agendas distintas, é um traço da desigualdade de oferta de espa­ços para o confronto de opiniões. A extinção do MAIS, um erro. Assim como a redução do número de pá­ginas do Caderno Ilustrada. A co­bertura das Diretas Já, a instituição da figura do Ombudsman, o espa­ço reservado aos lançamentos lite­rários são pontos positivos de sua gestão. Octávio Frias Filho morreu, de câncer no pâncreas, no último dia 21 de agosto.

- Que descanse em paz!

 Pluralismo da Folha de S. Paulo é de butique   Para a Folha, houve uma ditabranda no Brasil   Imagem falsa de Dilma Rousseff à época da ditadura acabou divulgada


Renato Dias, 51 anos de ida­de, graduado em Ciências Sociais, pela Universidade Federal de Goiás. Mais: pós-graduado em Políticas Públicas, pela mesma instituição de ensino superior, UFG. Em tem­po: com curso de Gestão da Quali­dade, pela Fieg, Sebrae-GO e CNI. Além de jornalista pela Faculdade Alves de Faria, a Alfa. O repórter es­pecial do jornal Diário da Manhã e colaborador do www.brasil247.com é também mestre em Direito, Rela­ções Internacionais e Desenvolvi­mento pela Pontifícia Universidade Católica, PUC de Goiás. É autor de 13 livros-reportagem, premiado por obras investigativas e reportagens de direitos humanos

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