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O calote na cultura goiana

Enredo novo, filme antigo. Essa é a metáfora mais pro­pícia para descrever a si­tuação em que artistas goianos vêm sendo expostos nos últimos anos. Para você ter uma ideia, até hoje a classe aguarda o re­passe do Fundo de Arte e Cultu­ra (FAC) relativo ao edital deste ano do Festival Internacional de Cinema Ambiental (Fica). O pra­zo estabelecido para pagar ar­tistas e curadores que participa­ram do Fica era até 60 dias após o término do evento. Ou seja, já passou bastante tempo e a cate­goria ainda espera receber pelas apresentações no festival cultu­ral carro-chefe da gestão tucana.

Dados do Portal da Transpa­rência confirmam que a Secreta­ria Estadual de Educação, Cultura e Esporte (Seduce) teria realiza­do o pagamento à classe dentro do prazo estipulado. O repasse chegou a ser publicado no Diário Oficial do Estado, mas os artistas alegam que ainda não chegaram a receber nenhuma quantia. O que provoca temor neles é a pos­sibilidade de não terem os débitos quitados, já que a dívida herdada pelo próximo governador – que ao que tudo indica será Ronaldo Caiado (DEM), líder as pesquisas de intenções de voto – cairia em um sistema chamado Dívidas a Pagar. Portanto, a iminência de calote é cada vez maior.

“Durante a gestão do Marco­ni Perillo (PSDB), nunca tivemos calote. Havia atraso no repasse de verbas, mas não chegávamos a ficar sem receber”, relata ao DM Revista o compositor e artista vi­sual, Kleuber Divino Garcez, 44. Segundo ele, o cenário se tornou mais conturbado em função das eleições, pois o então governa­dor saiu para concorrer ao Sena­do e deixou em seu lugar o vice, José Eliton (PSDB). “É bem pos­sível que a verba tenha sido des­viada, porque o repasse foi fei­to para a empresa Idesa/ Oscip, uma espécie de Organizações So­ciais que terceiriza o evento e que teria sido a responsável por não nos pagar”.

Professora de Cinema da Universidade Estadual de Goiás (UEG), Geórgia Cynara, 35, ar­gumentou que eventos como o Fica e Canto da Primavera “são vitrines da gestão, ou seja, são vendidos como uma forma de demonstrar que o Estado e Mu­nicípio se preocupam em fomen­tar a cultura e a arte”. Ela comen­tou que as autoridades “usam as nossas performances sem te­rem pago pelo nosso trabalho”. “Não temos como ‘desapresen­tar’, mas temos como recusar a subir nos palcos dos eventos pro­movidos pelo governo, até que eles paguem o que deve”, diz ela, que também musicista, em uma rede social.

O músico Luiz Porto, 28, afir­mou que a classe “está estarreci­da” com o atraso no repasse de verba. “Eu já não tenho nem mais ânimo para escrever uma legen­da que denote desconforto e des­contentamento geral a que esta­mos”, desabafa ele, em uma rede social. Ele criticou o Sindicato dos Músicos e falou que o órgão é “extremamente incompetente, de mal gosto e inútil”. “É ano polí­tico, estamos sem receber não só do Fica. Professores de arte e mú­sica já estão sem receber no já tão ameaçado Basileu França”, com­pletou o artista.

A reportagem entrou em con­tato por e-mail na tarde da últi­ma sexta-feira com a Secretaria de Educação, Cultura e Esporte (Seduce), mas até o fechamento desta edição não obteve respos­ta. No dia 17 deste mês, por outro lado, a Seduce informou que R$ 2,5 milhões previstos no crono­grama de pagamentos do Fundo de Arte e Cultura acordados fo­ram liberados. A pasta disse ain­da que o restante do reembolso será feito a partir da regulariza­ção da documentação por par­te dos demais selecionados, po­rém não comunicou nenhuma data para isso.

CANTO DA PRIMAVERA

A histórica cidade de Pirenó­polis recebe desde a última quar­ta-feira (19) a 19ª edição do Can­to da Primavera. Divida entre o Cine Pirineus, Igreja do Bonfim e Rua do Lazer, a programação musical conta com nomes co­nhecidos no cenário nacional, como Zélia Duncan e João Bos­co. O encerramento será hoje por conta da Orquestra Filarmôni­ca de Goiás. Um festival cultural dessas proporções seria motivo para agradar a população e fa­zê-la cantar e dançar no ritmo de diversos gêneros musicais, mas há pouca coisa para comemorar.

Um músico declarou sob con­dição de confidencialidade ao DMRevista que“elaboraram o edital do Canto da Primavera e derrubaram uma cláusula que dizia que o artista que participou no ano passado não poderia par­ticipar neste ano”. A escolha de fato serve para dar uma oxigena­da no evento, mas, na prática, pa­rece que isso está bem longe de acontecer e uma pequena pane­la segue tendo preferências nes­ses eventos. Os cantores Juraíl­des da Cruz e Fernando Perillo, por exemplo, se apresentaram em 2017 e 2018.

Além disso, a chance de ca­lote tira o sono dos artistas e faz com que seja praticamente cer­to o atraso no repasse para quem tocar no Canto da Primavera nes­te ano. “Artistas que fazem parte de um grupo em uma rede so­cial, ouviram da boca de um pró­prio organizador que não tem dinheiro para pagar o Canto da Primavera. Por ele, esse ano o fes­tival nem iria se realizar, porque há grande chance de virar uma bomba. Mas uma bomba que iria atingir diretamente nós, que fica­ríamos sem receber”, diz Garcez.

REPASSE

Aristas e produtores culturais protestaram na última semana contra a Secretaria Estadual de Educação, Cultura e Esporte (Se­duce) para cobrar o repasse de 400 projetos aprovados em 2015, 2016 e 2017. Em tese, o dinhei­ro deveria sair do Fundo de Arte e Cultura (FAC), mas os recur­sos seguem sendo repassados de uma maneira que tem provoca­do o cancelamento de shows, es­petáculos teatrais, dentre outras manifestações culturais, confor­me artistas relataram ao DMRe­vista. Ao todo, o débito chega na casa de R$ 32,1 milhões.

Na última sexta-feira (19), também houve manifestação da classe na Cidade de Goiás, palco do Festival Internacional de Ci­nema Ambiental (Fica). Os ati­vistas se organizaram na Praça do Coreto, no Centro Histórico, e protestaram contra 25 projetos aprovados pelo Fundo de Arte e Cultura, em 2017, que não tive­ram verba liberada até hoje pelo Estado. “São projetos que englo­bam todo a comunidade, desde de escolas, ONGS, instrumentos de cultura como o Teatro São Joa­quim”, dizem os manifestantes.

“Todo o ano é separado 0,05% da arrecadação do estado para investimento em cultura no ano seguinte. Os editais do fundo abrem em função da verba já pre­vista para realização dos projetos. Logo esse dinheiro existe! No en­tanto está sendo negado à popu­lação”, completa a nota.

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