“Ele... vislumbra mares e horizontes. Voa em terra. Levita em palavras e sopros. Mergulha em sonhos primitivos. Levanta de pesadelos comuns”. Está é uma das frases que norteia “Causos de Voos e Risco”, o primeiro espetáculo solo do artista circense Gabriel Coelho. A montagem, que traz questões existenciais a partir de acrobacias aéreas, inicia nesta semana uma pequena temporada em Goiânia de quatro apresentações no Teatro do IFG. Hoje e amanhã o espetáculo tem início às 20h. E nos dias 3 e 4 de outubro as sessões ocorrem às 9h30 e são voltadas a estudantes do IFG. O projeto possui fomento da Lei Municipal de Incentivo à Cultura e a entrada é gratuita.
Além do talento de Gabriel, o espetáculo foi produzido por uma equipe de peso no mundo das artes goianienses. A direção, por exemplo, é da atriz gabaritada e premiada Fernanda Pimenta. Já a trilha sonora do som da viola é assinada pelo músico Pedro Vaz. O responsável pelo projeto de iluminação é Rodrigo Horse e o figurino é de Cláudio Livas. E também artista circense Felipe Nicking colaborou no contato com aparelhos aéreos e na contrarregragem. Por fim, a direção de montagem é dividida entre Alex D. Hernandez, Jeff Toledo e Pedro Souza.
A equipe afiada do teatro e do circo trouxe um espetáculo solo que reflete o conflito do que na peça é denominado de “Sonho de Voo” e o “Medo da Queda”. Temas que para Gabriel Coelho estão presentes no universo do circo, mas também refletem no cotidiano do ser humano.
“O que venho estudando como Sonho de Voo representa mais do que a vontade do ser humano de alcançar os ares, mas também o desejo de ascensão na vida, desenvolvimento pessoal e profissional. Já o Medo da Queda vai no sentido contrário, representando o medo que o homem tem do fracasso e da morte”, explica.
Mas para questionar esta problemática, a montagem optou por fugir da estética dos espetáculos de circo tradicionais. "Pensamos em elementos mais sóbrios para compor cenário, figurino e elementos cênicos. A história sugere que nos afastemos da estética circense de entretenimento, mas os equipamentos e técnicas acrobáticas utilizados são frutos de uma longa trajetória de estudo e corpo no circo", ressalta Gabriel.
Outro diferencial da produção é que o artista procurou estabelecer um contato mais íntimo e interativo com o público, com a plateia perto do artista. Tal proximidade coloca o espetáculo com limite de público em 75 pessoas.
Mas em cena estão, sim, aparelhos do universo circense, como o tecido acrobático, corda indiana, faixa aérea e trapézio em balanço. Mas tudo isso vem com intuito de se construir uma narrativa densa e filosófica. Para se ter uma ideia, as maiores inspirações do espetáculo vêm da literatura.
“Causos de Voos e Risco” tem como inspiração o conto do poeta, escritor e dramaturgo carioca Sérgio Sant’anna Um Discurso Sobre o Método, e o livro O Ar e os Sonhos, do filósofo e poeta francês Gastón Bachelard.
O ARTISTA
Artista circense e mestre em Artes da Cena pela Universidade de Campinas (Unicamp), Gabriel Coelho é acrobata com especialidade em técnicas aéreas, tendo o trapézio em balanço como seu aparelho de mais alto rendimento.
Na década de 1990 dá início à sua formação circense em Goiânia (GO), onde passa a se apresentar nas ruas, em festas particulares e eventos. No Rio de Janeiro (RJ) realiza o curso de técnicas circenses na Escola Nacional de Circo (ENC) e em Campinas (SP), na Cia do Circo, entra em contato técnicas aéreas e acrobacias de solo. Na sua trajetória estão temporadas em três circos de lona itinerantes, trabalhos como coreógrafo e diretor de cenas aéreas e acrobáticas para mais de 20 espetáculos musicais. Atualmente atua como artista circense e professor do Curso Superior em Produção Cênica, do Itego em Artes Basileu França, e do Núcleo de Formação Ampliada ao Artista Circense (Nufaac).
ENTREVISTA GABRIEL COELHO
DMRevista - Quando o circo entrou em sua vida?
Gabriel Coelho – Quando cursava a Universidade de Psicologia o circo apareceu em minha vida, através dos malabaristas cariocas, mineiros e estrangeiros que vinham a Goiás acompanhado as festas de música eletrônica. Posteriormente entrei em contato com o tecido acrobático e o trapézio em uma oficina de técnicas aéreas oferecidas por Jean Passos no Martim Cererê. Ao concluir o curso de Psicologia na antiga UCG, fui pra Campinas cursar mestrado na mesma área. Já trabalhava com circo e acrobacias aéreas e queria me aprofundar no domínio dessas técnicas. Em Campinas (SP) entrei em contato com um núcleo de família tradicional circense composta por três famílias, Brede de origem alemã, Caro de origem chilena e Ortaney de origem argentina. Com eles comecei a treinar técnicas circenses em geral, com ênfase no trapézio em balanço. No início treinava na garagem da casa deles. Depois fundaram uma escola chamada de Cia do Circo; Campinas. Sob a supervisão de Alex Brede, um grande trapezista. Desenvolvi números aéreos de alto rendimento, entre eles meu número de trapézio em balanço, um dos poucos no Brasil.
DMRevista - E por que seu primeiro solo circense ganhou este nome Causos de Voos e Risco?
Gabriel Coelho - O espetáculo ganhou o nome de Causos de Voos e Risco, pois podemos dividi-lo em quatro grandes cenas, ou quadros, todos interligados, mas em cada um é vivenciada um caso de voo e o risco inerente a ele. Resolvi por adotar a expressão regional “causo”, para dar ênfase à cultura goiana, que por tradição mantêm-se viva na oralidade, na contação de causos.
DMRevista - Qual o intuito do espetáculo querer se distanciar da estética circense?
Gabriel Coelho - De fato não acredito ter me afastado da estética circense, mas sim da estética circense tradicional, ou seja, um espetáculo composto por quadros independentes, conduzidos por um apresentador, onde a construção dramatúrgica se baseia na exibição de habilidades com grande ênfase no entretenimento. Minha busca está em propor, através da linguagem circense, reflexões a cerca da existência humana na sociedade contemporânea. E neste sentido me afastei dos figurinos brilhantes, músicas apoteóticas. Mas mantenho ferramentas circenses, como a acrobacia, eixo fundamental da construção dramatúrgica de Causos de Voos e Risco. Valorizo, ainda uma linguagem direta com a plateia, muito característica dos espetáculos nos picadeiros do circo. No entanto somo a estas ferramentas uma dramaturgia bem coesa, uma interpretação cênica um tanto teatralizada, texto baseado em leituras filosóficas e inspirado em um conto brasileiro da década de 70 (O discusso sobre o método de Sérgio Sat’Anna), uma iluminação provocativa e a música regional contemporânea do violeiro Pedro Vaz. Desta forma, gosto de afirmar que Causos de Voos e Risco possui uma estética circense contemporânea.
DMRevista - Qual o intuito de apresentar o espetáculo mais perto do público?
Gabriel Coelho - Em “Causos de Voos e Risco”, a relação direta com o público foi algo essencial desde a concepção do espetáculo. Parte de uma percepção que se deu durante minha carreira de mais de 15 anos como trapezista, na qual tive a oportunidade de me apresentar em lugares enormes, como grandes circos, como o Circo dos Sonhos e grandes teatros, como o Theatro Municipal de Paulínia, onde eu me encontrava muito distante do público e espaços menores, como salas adaptadas, praças ou mesmo no galpão da Cia do Circo, escola onde fui formado, ocasiões em que eu me encontrava muito próximo do público. Me surpreendeu perceber que a reação do público em espaços menores era maior, mesmo se comparando com espaços maiores, onde eu me encontrava mais alto, e portanto com risco maior. Cheguei à conclusão que, de fato, não era a reação do público que era maior, mas sim minha percepção desta reação que se dava ampliada. E isto me agrada. Por isso decidi valorizar nossa proximidade, nossa relação mais direta, em busca de um espetáculo que seja mais do que uma obra a ser contemplada, mas sim uma experiência a ser vivida, compartilhada.
DMRevista - Por que escolheu ter como influências as obras de Sérgio Sant’Ann e Gaston Bachelard?
Gabriel Coelho - A obra de Sérgio Sant’Anna inspira o primeiro quadro de Causos de Voos e Risco, um número de tecido acrobático onde narro a situação de um limpador de vidraças que se percebe confundido com um suicida, e o impacto que esta situação tem em sua subjetividade. Já Gaston Bachelard, através de seu livro O Ar e os Sonhos, no qual propõe uma análise poética para estes sonhos instintivos, mitológicos que ele mesmo batiza de Sonho de Voo e Medo da Queda, me permitiu elaborar o eixo dramatúrgico para a construção do espetáculo. Frases e trechos curtos de ambos os textos são pincelados, salpicados em todo o espetáculo. Porém, as frases que mencionam, que compõem a sinopse do espetáculo são derivadas e cenas, ações e imagens presentes no espetáculo, e aparecem destas formas, não como frases proferidas.
DMRevista - Como foi esta parceria com Fernanda Pimenta, que assumiu a direção e tem um trabalho reconhecido como atriz?
Gabriel Coelho - Para a composição deste espetáculo procurei compor, fusionar as acrobacias aéreas com outras ferramentas, entre elas ferramentas próprias do teatro. Isto exigia de mim um trabalho de ator que não é a minha maior especialidade. Por tanto, o nome da Fernanda Pimenta para a direção cênica deste trabalho foi uma das primeiras decisões no tocante à ficha técnica. Sua experiência como atriz foi muito importante durante o processo de criação das cenas e do espetáculo como um todo. Como diretora esteve presente em praticamente todos os ensaios, me provocando e orientando minha performance. Através deste contato foi possível compor cenas onde fusionamos circo e teatro, como a primeira, um número de tecido acrobático que chamamos de “Uma Simples Pausa”, no qual durante cerca de 13 minutos de movimentação acrobática narro um texto inspirado no conto “Um discurso sobre o método”, de Sérgio Sant’Anna. Além disso seu conhecimento de técnicas composicionais de View Points ajudaram infinitamente a uma elaborada encenação, resolvendo, cenicamente, questões importantes como a troca de aparelhos, que no circo chamamos de contrarregragem.
DMRevista - Pode falar um pouco da trilha sonora do espetáculo?
Gabriel Coelho - A trilha sonora de Causos de Voos e Risco foi composta por Pedro Vaz para seu primeiro disco solo Dê Espaço ao Tempo, o artista cedeu quatro das 10 músicas que compões o disco. Pedro Vaz é meu primo, e foi meu parceiro, juntamente com meu irmão, no início da minha carreira circense, quando juntos nos apresentávamos nos semáforos, em festas e eventos particulares e festivais musicais. O tempo se passou e ele se tornou violeiro. A ideia de trazer a música dele para o espetáculo foi da diretora, Fernanda Pimenta. E aconteceu assim: durante o primeiro mês de criação do espetáculo Fernanda estava em circulação nacional com três peças onde ela atua como atriz. Neste período fiz, sozinho, alguns laboratórios para levantamento de material de cena. No dia que realizamos nosso primeiro ensaio juntos, Pedro Vaz fez o slhow de lançamento de seu CD Dê espaço ao tempo no Centro Cultural da UFG, na Praça Universitária. Após o ensaio, eu e Fernanda Pimenta fomos juntos ao lançamento do disco. Após o show Fernanda disse pra mim. A música dele tem tudo a ver com seu espetáculo, regional (goiana), contemporânea e muito cênica. Acatei a sugestão com um certo orgulho de primo. Passei a experimentar as faixas do CD em nossos ensaios. E foi impressionante perceber que as quatro faixas escolhidas caíam quase como uma luva para os quatro números acrobáticos que realizo no espetáculo.
CAUSOS DE VOOS E RISCO
Quando: Hoje e amanhã às 20h e 3 e 4 de outubro, às 9h30 (sessão para estudantes do IFG)
Local: Teatro do IFG (Rua 75 nº 46, Centro – Goiânia, GO)
Entrada gratuita - Público limitado em 75 pessoas