Cheiro de antiguidade. Caminhar pela Praça Tamandaré durante o domingo é como fazer um passeio no tempo. Parece que você saiu da era digital e mergulhou no período analógico. À memória, vem-me o tec tec da máquina de escrever que consagrou o ritmo literário de gente como o papa realista Ernest Hemingway e o lendário gonzo Hunter Thompson. Ao ouvido, toca-me na vitrola a melodia que eternizou a utopia musical de Belchior e o protesto tropicalista de Caetano Veloso. Aos olhos, o ronco enfurecido dos motores de carros e motos que desfilaram pelas ruas entre as décadas de 1920 a 1980.
Sim, essa feira acontece todo domingo em Goiânia. Estou nela neste momento contemplando uma época que tenho saudade, mas não cheguei a vivê-la. Pobre coitado, só resta-me a memória... Ou os relatos de terceiros. Pobre de mim... Pode parecer puro saudosismo de um jornalista avesso ao mundo tal como o é, repleto de descobertas ultramodernas que desafiam a compreensão humana, porém estou perambulando entre utensílios charmosos que ainda fazem o gosto de muitos que não curtem a frieza do clique. Acredite: essa galera existe e marcam presença nos antiquários que existem pela capital goianiense.
Veja bem. Dia desses, com aqueles relés trocados de proletário no bolso, resolvi andar pelas ruas do Centro. Eis que entro em um brechó na Rua 3 e pergunto para o cara que estava no bolsão se havia paletó por lá – sou fã número um deste tipo de vestimenta, aprendi a curti-los com um amigo que parece reencarnação do cantor Júpiter Maçã misturado com a do ilustrador inglês Ralph Steadman. Enquanto fiquei ali escolhendo o traje, contabilizei mais ou menos umas sete, oito pessoas que passaram pelo estabelecimento para conferir se havia novas peças.
A mesma coisa notei nos sebos da Rua 4. Antes de entrar, você tem plena convicção de que adquirir livros nesses espaços parece algo do passado. Mas não é bem assim. Ora, claro que não. Comprá-los é um jeito de fazer com que mantenha-se viva a aura da obra e a genialidade por trás da mente dos escritores, além de ser uma forma de desapego e democratização dos clássicos literários. Encontrei cerca de dez pessoas pegando em discos como a coletânea The Best of The Doors, que reúne os maiores sucessos da banda estadunidense. “Essa banda é sensacional”, diz um cara.
CORAGEM E DIVERSIDADES
Fã de antiquários, o professor de Educação Física Erom Walter Gonçalves, mais conhecido como Bira, 59, resolveu organizar uma feira de antiguidades na Praça do Tamandaré. “Foram feitos estudos em feiras de pulgas importantes no mundo todo. Por exemplo, analisamos a feira de Paris, Londres, Nova Iorque. Também prestamos atenção na feira 15 do Rio de Janeiro”, relata. “Fizemos uma adaptação disso tudo e trouxemos para a realidade de Goiânia. Queríamos contribuir para a revitalização da Praça Tamandaré. Final de semana ela estava deserta”.
Em entrevista ao DM Revista na semana passada, Bira afirmou que a feira tem um público cativo. “Temos um público seletivo e cativo”, diz. Ele acredita que a posição geográfica proporciona dê status glamouroso à feira e faz com que a iniciativa se torne o “novo point” da capital goianiense aos domingos. “É um ponto onde os antigos se encontram”, constata. O professor de educação física disse que a feira possui 180 expositores cadastrados e conta com barracas padronizadas que são como uma corrente com os espaços da praça.
O produtor cultural Hugo Baltazar, 36, reclamou das falta da dificuldade por parte da Secretaria Municipal de Cultura (Secult). Além disso, diz o produtor, o espaço também serve como um contraponto às crianças. “Talvez faça com que elas saiam da internet um pouco”, afirma o Baltazar. Ele acredita que a feira carrega consigo uma espécie de brilho ao passado e um saudosismo único. “Ir à feira pode ser até mesmo uma terapia para as pessoas que vivem em função do mundo digital”, comenta.
HÁ MAIS DE 20 ANOS
Wanderlei Marques deu o pontapé inicial ao Brechó Goiana, na Avenida Anhanguera, há mais de 20 anos. Com o passar dos anos, o comerciante resolveu inserir um antiquário em seu estabelecimento. A ideia trouxe frutos. Desde então, ele vem realizando o câmbio de inúmeras mercadorias com valor histórico que preservam o charme de várias décadas do passado. “Nossa feirinha de antiguidades já faz parte da vida de muitos goianos adoradores de antiguidades. Na loja, temos um pouco de tudo para casa, bar, restaurantes, fazendas...”, garante.
Em entrevista ao DMRevista em 2016, Wanderlei disse que o comércio de objetos de segunda mão tem aumentado bastante nos últimos anos. “O público está bem diversificado, gente que nunca tinha se interessado em entrar num brechó, agora entra”, contou. Wanderlei pensa que o brechó foi uma aposta certeira. “Não teve queda no movimento, teve inclusive aumento. Antes, quando uma peça não era mais útil, as pessoas doavam para alguém, ou mesmo jogavam fora. Agora comercializar já é uma alternativa. E os goianos estão cada vez mais conscientes dela”.
Na visão do comerciante, os clientes tem se mostrado cada vez mais heterogêneos. “O público está bem diversificado. Gente que nunca tinha se interessado em entrar agora entra no brechó, gente que tinha vergonha agora já vai procurar alguma coisa”, afirma Marques. Questionado sobre o motivo que levaria a maior parte do público ser composto por mulheres, ele disse que “homem possui mais segurança com roupa. Eles comprar uma peça e usam até ela acabar. Mas as mulheres têm mais o hábito de fazer girar”, finaliza.
“Foram feitos estudos em feiras de pulgas importantes no mundo todo. Por exemplo, analisamos a feira de Paris, Londres, Nova Iorque. Também prestamos atenção na feira 15 do Rio de Janeiro” - Erom Walter Gonçalves, professor de educação física e idealizador da feira “Ir à feira pode ser até mesmo uma terapia para as pessoas que vivem em função do mundo digital” Hugo Baltazar, produtor cultural e idealizador da feira