A segunda metade do século XX trouxe à cultura fotográfica várias evoluções e acréscimos conceituais. Entre os grandes pioneiros da fotografia pós Segunda Guerra Mundial, temos o casal alemão Bernd e Hilla Becher, mais conhecido por sua infinita coleção de imagens que ilustram construções e estruturas industriais, símbolos de um período peculiar na Europa e no restante do Planeta. Em 1991, o casal surpreendeu ao vencer o prêmio Leão de Ouro na categoria Escultura, na Bienal de Veneza. Através da manipulação de seu aparelho fotográfico, Bernd e Hilla Becher esculpiram e documentaram a memória que agregam esculturas inertes e possuídas pela ação do tempo. Bernd faleceu em 2007 e Hilla em 2015. Eram casados desde 1961.
Em publicação da Universidade de Lisboa, a pesquisadora Felipa Gomes fala da importância do casal para um movimento em ascensão na fotografia europeia. Em nova objetividade da fotografia alemã, a autora escreve: “A obra de Bernd e Hilla Becher é essencial na compreensão da dinâmica da fotografia alemã contemporânea. Retrataram ‘restos’ de edifícios industriais, onde energia e vida haviam sido gerados, mas que haviam sido encerrados ou se encontravam em vias de ruir. Retrataram essencialmente locais abandonados nos quais a memória da ação ainda se encontrava”. Envolvidos com o meio acadêmico, influenciaram vários outros artistas, como Candida Höfer, Alex Hütte, Thomas Struth, Andreas Gursky e Thomas Ruff.
Felipa também reitera o impactante peso da fotografia no imaginário coletivo, bem como a importância histórica que tais registros reúnem, possibilitando uma melhor interpretação do passado pelas gerações seguintes. “Sóbrias, sem estado de alma, mas fascinantes, as fotografias de Bernd e Hilla Becher constituem um precioso arquivo de locais que se tornaram parte da nossa visão coletiva através da fotografia”. O extenso trabalho dos Bechers é tido hoje como um testemunho imperecível de uma era. “Como suplemento para o mundo, as séries fotográficas dos Bechers preenchem os espaços vazios do terreno econômico ao testemunharem a sua existência”, conclui Felipa Gomes.
GASÔMETROS
“A visão industrial dos Bechers tornou-se uma parte essencial do modo de enxergarmos o hoje; suas fotografias rígidas e inexpressivas de engrenagens, caixas d’água e alto-fornos por 30 anos têm expressado um frescor sereno, uma aproximação rigorosa que reduz as estruturas individuais que eles fotografam a variações de uma forma ideal”. Diz a orelha de uma edição do fotolivro Gas Tanks, lançado em 2009. A publicação traz uma coleção de 102 fotografias, produzidas entre 1963 e 1992 em quatro países da Europa, além dos Estados Unidos. As páginas estampam as quatro formas mais comuns de gasômetros, monumentos despretensiosos que simbolizam o processo acelerado de industrialização global.
Os autores tinham a preocupação de manter um padrão em suas fotografias, atribuindo a cada figura a mesma importância em um conjunto que simboliza com todos os seus fragmentos uma espécie de matriz onipresente que contempla cada elemento com uma porção de suas características principais. “Os objetos são fotografados diante de céus nublados, o que elimina variações expressivas de luz”. O casal de fotógrafos permite que seus modelos imóveis existam em papel fotográfico de forma livre, sem rotulá-los com legendas saturadas de sentidos, exibindo-os de maneira existencial, convidando o público a lançar-lhes olhares sóbrios. “Os Bechers não tentam analisá-los ou explicá-los. As legendas possuem as informações mais rasas: tempo e lugar”.
A percepção visual dos Bechers coloca-os em um patamar de fotógrafos que visam transmitir a simplicidade do olhar real nas fotografias que produzem. A esterilidade dos alvos dos cliques do casal alerta às pessoas a quantidade de símbolos culturais que estruturas industriais adquirem de forma involuntária. “No caso dos gasômetros, os Bechers limitam suas marcas às descrições minimamente funcionais, deixando a dimensão estética dos objetos de suas fotografias por conta própria: grande parte da fascinação que envolve tais fotografias vem do fato de que aquelas estruturas metálicas sem adornos, presumivelmente construídas com pouca preocupação em relação a seu impacto visual, são impressionantes em sua aparência”