“A minha vida foi uma verdadeira caminhada a céu aberto”, conta a atriz Clarice Dias no filme ‘Da fonte das Lágrimas’, dirigido por Hugo Zorzetti e Wesley Martins, que narra sua trajetória desde o início. Aos 81 anos de uma vida alimentada pela arte – como atriz e intérprete de poemas –, Clarice Dias é uma colaboradora incansável das artes cênicas de Goiás e do Brasil. Considerada uma das maiores intérpretes de poetas como Garcia Lorca e Pablo Neruda, a atriz esbanja versatilidade em cena, e passeia também pela obra de Cora Coralina, com quem teve o prazer de apresentar um dueto, ‘Cora e Clarisse’, no Senado Federal.
A atriz nasceu no dia 2 de maio de 1937, numa fazenda chamada Serra Negra, na zona rural do município de Tupaciguara, em Minas Gerais. Sua mãe era professora, e seu pai um homem do campo. A família mudou-se para Araguari, e depois para Uberlândia, que segundo Clarice, era uma cidade maior e proporcionava movimentos culturais e artísticos. Foi em Uberlândia que Clarice declamou sua primeira poesia, num evento escolar. Quando chegou a Goiânia, seu primeiro contato com a arte foi através de aulas de piano. Pouco tempo depois, percebeu que não seria uma grande concertista, e passou a ver nas artes cênicas um caminho a ser traçado.
CAMINHOS
Clarice apresentou-se em vários países da Europa e da América Latina. Conheceu Amália Rodrigues, a rainha do fado – gênero mais importante da música portuguesa. Também esteve com Antonio Gades, bailarino espanhol visto como a expressão máxima do flamenco, e com Fernanda Montenegro, de quem foi aluna no curso de Leitura Dinâmica.
Clarisse casou-se numa terça-feira de carnaval na Catedral de Goiânia em 1972. No filme ‘Da fonte das lágrimas’, ela conta que foi um casamento cigano, e que a festa durou três dias. O matrimônio, que Clarice afirma ter previsto a brevidade, durou cerca de dois anos e meio. Nesse período, deu à luz sua filha Luana Dias do Vale, que considera o maior legado da união, e com quem dividiu várias alegrias e dificuldades.
TEMPOS DIFÍCEIS
Em 1964, a atriz formou-se no curso de declamação Olavo Bilac no Rio de Janeiro. Nos anos seguintes, foi assistente de Esther Leão no Curso de Oratória e Colocação Vocal no Conservatório Nacional da mesma cidade. Sobreviveu aos tempos difíceis da Ditadura Militar Brasileira, quando foi perseguida pelo Serviço Nacional de Inteligência (SNI). Em depoimento ao filme ‘Da fonte das lágrimas’, Clarice diz ter se encontrado Coronel Coutinho e Tenente Fleury, figuras associadas à tortura em Goiás durante o regime militar. Eles teriam advertido a atriz por ‘falar demais’. Ela também cita o Centro Cultural Martim Cererê como espaço físico onde as atrocidades eram realizadas.
No texto ‘Minha caminhada entre o céu e a terra’, escrito pela própria atriz, ela relembra um importante encontro que teve com o ex-ministro da justiça Alfredo Nasser (1907-1965). Na época, ela pediu ao político auxílio para três inocentes que estavam sendo torturados como presos políticos.
SUCESSO
Durante a década de 1980, Clarice viajou para várias partes do mundo. Em 1982 apresentou a crônica teatral ‘Frederico em Personna’, de Jorge Güillen, e sua performance recebeu grande atenção da crítica. Na ocasião, ganhou visibilidade como intérprete de Garcia Lorca, poeta e dramaturgo espanhol por quem Clarice nutre grande admiração. No ano seguinte, quando Cora Coralina recebia o título de Doutor Honoris Causa da Universidade Federal de Goiás, Clarice prestou homenagem à poetisa no Auditório Petrônio Portella, no Congresso Nacional, em Brasília. O espetáculo contou com participação da Orquestra Sinfônica de Goiás, e com uma seleção de fotografias da cidade de Goiás, realizada por Cidinha Coutinho.
Em 2010, a artista esteve no jardim do Diário da Manhã, acompanhada pelo músico Arnaldo Freire (compositor da música ‘Apocalypse’, premiada Secretaria de Cultura de Goiânia). Na ocasião, Clarice interpretou poemas de Garcia Lorca, Cora Coralina e Fábio Nasser. Também foi convidada para a abertura cênica do Espaço Cultural Papa Francisco, também no Diário da Manhã, quando trouxe um resumo da peça Kirieleison, que esteve em cartaz em Goiânia durante o ano de 2015.