Em sua última exibição solo, ‘In The Loop’, de 2016, o pintor tailandês Jittagarn Kaewtinkoy, de 39 anos, mergulha nas origens políticas da Tailândia. O país, localizado na península indochina, lida com problemas sociais intermináveis, e nas últimas oito décadas (conhecidas como ‘temporada do golpe’) passou por 12 intervenções militares. A última foi em maio de 2014, depois de uma crise política que movimentava as ruas do país desde novembro de 2013. Em 2016, a revista Culture Trip apresentou Kaewtinkoy como um dos 10 artistas mais influentes da Tailândia. A autora do artigo, Lena Blos, ressaltou o talento dele de produzir pinturas que trazem políticos e personalidades influentes no intuito de mostrar de forma irônica seus compromissos com a liberdade e a justiça.
O artista nasceu em 1979, na cidade de Uthai Thani. Formou-se bacharel em Artes Visuais em 2001, no Instituto Rajamangala de Tecnologia. In The Loop, que teve como sede a Galeria Yavuz, em Singapura, é sua terceira exibição solo, e a primeira a ser realizada fora de seu país natal. “Esta série baseia-se no passado político da Tailândia, que continua a reverberar, ecoar e dar voltas através do presente”, descrevem os curadores da galeria, que também observam que a democracia tailandesa se move em círculos. “Consiste de pinturas, esculturas e instalações, e faz referência a eventos e figuras históricas do país. A morte do Rei Ananda e do antigo primeiro ministro, Sarit Thanarat (1958–1963), são eventos base para a análise de ideias de progresso, democracia e poder”.
MENSAGENS
Na ativa desde 1998, Kaewtinkoy também utiliza personagens da política ocidental para criticar a política intervencionista de governos, como o dos Estados Unidos da América. Bush e Obama já foram “homenageados” várias vezes com os traços do pintor. “Produzidos sob o crivo surreal e simbólico de Kaewtinkoy, com cores fortes e um toque de humor satírico, In The Loop revela a complexidade da realidade política e os intermináveis ciclos de violência, exploração e controvérsia na história da Tailândia”, concluem os curadores da Galeria Yavuz.
Para Lena Blos, da revista Culture Trip, escândalos internacionais de corrupção reverberam na arte de Kaewtinkoy, e miram uma lanterna na obscuridade da política asiática. “Com a crescente democratização e liberalização em progresso no mundo todo, os problemas de líderes corruptos, padrões duplos, seletivismo e exploração alcançam evidência. São essas mensagens que o artista busca transmitir com suas pinturas”, acrescenta a autora. “Atento às pessoas e a tudo que o cerca, o jovem artista criou muitos estudos de caráter intrigantes, e traçou um paralelo entre os exageros em sua arte e as verdadeiras questões da realidade política”, conclui.
Loops tailandeses
Em 1932, a chamada Revolução Siamesa colocou fim à monarquia absolutista na Tailândia. Tal movimento histórico foi responsável pela primeira constituição do país, e findou um período de 800 anos de domínio absoluto dos reis. A última crise explodiu no fim de 2013, quando, após três anos de relativa estabilidade política, manifestaçõespopularessurgiramnacapital, Bangkok, contra a administração da primeira ministra Yingluck Shinawatra, quepropunhaumprojeto de anistia que supostamente facilitaria a volta ao país do ex-primeiro ministro Thaksin Shinawatra, seu irmão mais velho, auto exilado na Inglaterra desde 2006, quando renunciou ao cargo. Na época da renúncia, militares procuravam formas de aumentar a fé popular na monarquia, e afastar o clima de corrupção.
Os constantes choques térmicos aos quais a política tailandesa foi submetida nos últimos 80 anos (o Loop ao qual Kaewtinkoy se refere em sua última exibição) provocaram danos severos à liberdade de expressão no país. No cinema, por exemplo, algumas leis de índole moralista tentaram limitar a produção cinematográfica. Em 2006, o cineasta Apichatpong Weerasethakul, conhecido internacionalmente como um dos cabeças do movimento Cinema Livre Tailandês, enfrentou problemas para exibir o filme Síndromes e um Século em território tailandês. Censores exigiram que quatro cenas que continham “comportamentos inadequados” fossem removidas do longa. Tal incidente gerou o início de uma longa discussão internacional.
Weerasethakul cancelou a estreia do filme no país, que estreou no Festival de Cinema de Veneza. De acordo com o diretor, que nunca cortou as cenas, os momentos controversos mostram médicos bebendo e se beijando em um hospital, e monges tocando violão e brincando com um disco voador através de um controle remoto. Síndromes e um Século passou a ser exibido sem cortes em sessões privadas no país, como na sede da Aliança Francesa de Bangkok. Em algumas exibições, como sinal de protesto, as cenas censuradas foram substituídas por um quadro negro.
Em 2009, durante o governo de Abhisit Vejjajiva (que sucedeu uma sequência de cinco primeiros ministros em menos de dois anos), a Tailândia aprovou uma lei que obriga todos os filmes produzidos no país a se submeterem a seis restrições ligadas a temáticas sexuais. Tal iniciativa tinha como objetivo “preservar os valores morais do povo”. O filme This Area Is Under Quarantine, de Thunska Pansittivorakul, foi a primeira vítima da censura. No ano seguinte, o cineasta ressurgiu com o filme Reincarnate, que quebra cada uma das restrições. O longa conta uma história de amor gay entre um professor e um aluno, e exibe pela primeira vez no cinema tailandês uma cena explícita de ejaculação. A obra estreia em 2019 no Festival de Cinema de Roterdã, nove anos após ser concluído.