Querido leitor, quando você leu o nome Nicolas Cage no título deste texto deve ter pensado, "tá aí mais um filme ridiculamente horrível". Pois é, desta vez você está enganado, como a maior parte de nós. Mandy é uma produção independente que traz atuações incrivelmente fortes, pesadas, sombrias e cheias de dor, o filme é uma mistura de suspense e terror que brinca com a religião e a loucura de uma forma não usual contando, ainda, com uma narrativa complexa e horripilante. O mais importante é, claro, uma atuação tão forte e marcante de Cage que nos lembra de seus tempos de Adaptação, 2002, e Deixando Las Vegas, 1995, que lhe rendeu um Óscar.
A história se passa em algum lugar distante da civilização, nos anos de 1980. O mundo retratado é muito parecido com o nosso, mas possui alguns segredos que me fez agradecer por estar aqui, e não lá. Dirigido por Panos Cosmatos, que faz aqui apenas seu segundo filme, tem Cage e Andrea Riseborough interpretando o casal Red Miller e Mandy Bloom vivendo uma vida tranquila até ser interrompida pela aparição de Jeremiah Sand, o líder de um culto satânico/religioso, que captura o casal, os tortura e acaba assassinando Mandy de uma forma tão brutal quanto é possível.
O que podemos ver aqui é a colisão entre duas tempestades, a direção psicodélica e cheia de diálogos longos de Cosmatos e a interpretação insana de Cage, que usa e abusa de toda sua loucura para construir um personagem misterioso e cheio de uma raiva descomunal. O resultado é um Cult violento e sanguinário, construído com cores fortes e emoções acima de tudo. Tentando fazer uma analogia que funcione melhor, caro leitor, Mandy é a explosão da somatória de toda a raiva, arrependimento, medo, depressão que uma pessoa pode carregar.
Na história, Red, ao perder sua esposa, junta toda sua força e parte em busca dos responsáveis para resolver a questão por conta própria e colocar um fim definitivo na vida de Jeremiah. Acredito que Mandy é a representação da inocência do ser humano, quase como se estivéssemos contando uma distorção da história de Adão e Eva, onde Adão busca vingar a morte de Eva cortando a cabeça da serpente. Nesse sentido, é impressionante como todas as cenas não desconfortáveis, retratando a violência como não usual e à trazendo como uma explosão de cores.
Podemos dividir o filme em duas partes, tendo a morte de Mandy como um ponto de virada. A primeira metade da história retrata personagens tão reais quanto é possível, Andrea Riseborough consegue construir uma mulher quase quebrada pela força da sociedade, com um olhar profundo e imerso em dor. Com sua morte, toda essa dor é transferida para Red, que tudo perdeu em meio a brutalidade de um culto.
Ao iniciar sua vingança, o personagem de Cage caça cada um dos responsáveis, um por vez. Esse é um processo de amadurecimento que nos leva ao ápice de um conto de terror. Não se trata de uma história do bem contra o mal, Deus contra o Diabo, mas sim de uma caça às bruxas, no caso, ao culto de Jeremiah. De certa forma o ódio vivenciado por Red ecoa na forma como nos sentimos ao ver este filme, sempre sofrendo com alguma decisão e sentindo toda a motivação do personagem. Havia algum tempo que não encontrava uma interpretação tão forte e louca que nem me lembrava da sensação de ver algo assim. Cage é, se deixarmos de lado seus filmes horríveis e pífios, um dos melhores e mais versáteis atores dos últimos 30 anos.
É importante lembrar, até mesmo para justificar a frase acima, que ele já foi indicado à quatro Globos de Ouro e a dois Óscar, tendo levado dois do primeiro e um do último. Aqui, Cage cria uma versão diferente da Jornada do Herói, quase como uma mescla entre pesadelo e loucura.
Mandy ainda consegue construir uma ambientação medonha, que exala as sensações de seus personagens e de sua própria história. Locações com uma tonalidade macabra e sombria, trilha sonora composta pelo falecido Jóhann Jóhannsson, que marca a entrada de uma forma tão segura quanto angelical, e um design de som, maquiagem e figurino que torna todo o filme uma granada prestes a detonar a cabeça do espectador. Provavelmente o melhor filme de Cage desde Polícia sem Lei, lançado em 2009.