O quadro ‘Histórias que o povo conta’, que integrava o programa Falando Francamente (2002–2004), da Sônia Abrão, na emissora de Silvio Santos, era apresentado por Gil Gomes. Para tal cargo, o versátil jornalista, que ficou famoso por sua forma irreverente de contar histórias de crimes intrigantes, usava a mesma técnica ao trazer lendas sobrenaturais baratas (e eficientes). Uma delas, por exemplo, fala da aparição de uma mulher. Recém-acidentada e ensanguentada, ela surge diante da uma viatura na rodovia, pedindo ajuda para salvar seu bebê, que jogou pela janela enquanto o carro caía na ribanceira. Quando os policiais localizam a criança, a moça desaparece e em seguida é encontrada morta no carro, ao lado do marido, também defunto.
Na primeira metade da década de 2000, as tardes da TV aberta brasileira apresentavam um formato bastante peculiar. Enquanto a emissora número 1 exibia filmes e novelas repetidas (como faz até hoje), as outras emissoras apostavam em apresentadoras polêmicas, em meio a promoções sempre imperdíveis de iogurteiras, aparelhos fitness e limpadores de azulejo a vapor. Márcia Goldschmidt tinha a máquina da verdade e as transformações de beleza. Sônia Abrão dava sermões de longos minutos em políticos e personalidades da mídia. Donas de casa, idosos, crianças e desempregados passavam a tarde zapeando canais, tentando driblar o suspense eterno das duas antes de entregar os desfechos de casos de relacionamentos conturbados ou dramas de famosos.
O público infantil que assistia tudo isso em modo avião aguardando a faixa de desenhos da Band, de repente era surpreendido por uma voz cheia de recursos trazendo histórias misteriosas. Era Gil Gomes, acompanhado por aquelas simulações sinistras, numa inquestionável competência em romantizar o terror barato das histórias. Ele afastou-se da TV em 2005, após quase 50 anos de carreira. De lá para cá, enfrentava o mal de Parkinson, doença degenerativa que afeta principalmente o sistema nervoso. Faleceu ontem, aos 78 anos. Por mais que Gil Gomes tenha se consagrado como um cronista policial de carisma único, as crianças do início do século sempre se lembrarão dos causos sombrios e de seu bordão conclusivo: “Histórias que o povo conta”.