Arte urbana: tatuagens da capital
Rariana Pinheiro
Publicado em 28 de julho de 2023 às 22:45 | Atualizado há 4 mesesArte urbana em Goiânia muda cenários, inclui e projeta artistas goianos para o restante do mundo. Saiba mais sobre este movimento
Horizonte colorido: Obras da Rua 3, no Centro: ao meio, representação de Barbosinha Nogueira de Bicicleta Sem Freio e nas laterais dos painéis de Wes Gama. Foto: Wellinton Carlos
A arte de rua em Goiânia, não é mais algo eventual. Está por toda parte. Desponta em prédios, se esconde em becos se exibe muros. São desenhos, ilustrações, grafismos, que aparecem em locais como a Rua 3 e no Beco da Codorna, no Centro, no Setor Sul, entre vários outros destinos.
O mais interessante é que a arte feita nas ruas por goianos tem ganhado outras cidades do mundo. Arte de nomes como a dupla Bicicleta Sem Freio podem ser vistas em grandes centros urbanos do mundo. Reportagem propõe um passeio por diversos lugares que possuem este tipo de expressão em Goiânia e quando tudo isso começou.
No artigo “Seguindo o Grafite pelo Centro de Goiânia”, de Jordana Falcão Tavares, a relação desta capital com a arte no espaço público está relacionada à pior lembrança de sua história: o acidente com o césio. E, nesta época em que os goianos eram evitados por moradores de outras cidades do país, o galerista e produtor cultural PX Silveira, idealizou o projeto Galeria Aberta, que começou em 1987 e seguiu até 1989.
“Telas foram reproduzidas em grandes proporções nas paredes de edifícios no Setor Central, região mais atingida pela radiação. Entre os artistas convidados, nomes já estabelecidos no circuito local, como Iza Costa, Alcione Guimarães e Omar Souto, que pintaram 19 painéis com temas baseados em elementos do Cerrado. Alguns ainda resistem se deteriorando, mas a maioria já foi apagada ou encoberta”, diz o artigo.
Ainda segundo o artigo, foi sob influência do Césio, que os artistas Nonatto Coelho e Edney Antunes, criaram o duo Pincel Atômico, que foram um dos primeiros a usar spray por aqui. Eles pintaram grandes baratas nos principais prédios públicos de Goiânia, em referência ao fato de que só as baratas sobreviveriam em um ataque radiotivo.
Obras como o painel de Omar Souto na Rodovia dos Romeiros, também marcam o início da arte urbana em Goiânia.
Por aí
Da década de 80 para cá, as feridas do Césio na capital estão mais cicatrizadas, mas a cidade exibe diversas tatuagens em diversos setores. Os locais nos quais mais se pode encontrar arte urbana são no: Setor Central no Setor Sul e no Setor Universitário.
No Centro, há por exemplo uma importante galeria a céu aberto, o Beco da Codorna, a viela Miguel Rassi, que está localizado na Rua 72, na esquina com a Avenida H, no Jardim, é onde mais se pode se encontrar arte urbana na cidade, em que os artistas se organizam e reavivaram o espaço.
Isso porque depois de passar por um período de abandono, foi revitalizado ano passado, em uma iniciativa da Associação dos Grafiteiros de Goiânia, com apoio do Fundo de Arte e Cultura de Goiás. Agora, o espaço reúne obras de 100 grafiteiros de todo país em diversos estilos.
As obras vão do grafismo urbano e pinturas 3D, às letras. Colocaram tinta no local, nomes importantes do cenário, a exemplo de Bruto, do Rio de Janeiro, Nikol, de São Paulo, Guga e Mudof do Distrito Federal e Rotka do Chile. De Goiás há profissionais como Rubin, Selon, Irmãos Credp, Decy, Wes Gama e Smile. O local é point de eventos culturais, ensaios fotográficos e visitas, claro.
O Setor Sul é também um canto da cidade que a arte urbana encontrou morada há alguns anos. Há diversas obras espalhadas pelo bairro, que cativa certo ar pacato. No maior beco do setor, o Bacião, também funciona como uma espécie de museu a céu aberto com obras de artistas, como: André Morbeck e Decy Graffiti.
Nomes famosos
Ao falar de arte nas ruas não se pode esquecer as obras que mais se destacam em Goiás no momento: a dos prédios da Rua 3. Obras do artista Wes Gama e Bicicleta Sem Freio, trouxeram mais beleza, poesia, como também alguns alertas para sociedade.
A primeira pintura feita por Wes Gama na região se chama “Andança”, que até o momento representa a maior de todo o Centro-Oeste. A obra cobre 780 m² e fica no edifício Alencastro Veiga. O painel aborda a relação com a água, a terra, as plantas, a qualidade do ar,
Já segunda pintura de Wes foi inspirada em uma foto da mãe do artista e foi batizada de “Iara Cabocla”. Menor, cobre 250 m², pintada em uma das torres do edifício Dona Chafia.
Em outro prédio das proximidades também está representação do contador de causos Geraldinho Nogueira, feita por artistas do Bicicleta Sem Freio, Douglas Pereira e Renato Reno. A obra é fruto de uma ação publicitária.
O Bicicleta Sem Freio, que é formado pelos artistas Douglas de Xastro e Renato Reno têm inclusive, colorido o mundo. Eles se conheceram na faculdade de Artes Visuais da Universidade Federal de Goiás (UFG) quando uniram a arte e design com o estilo rock n’ roll. Já produziram murais ao redor do mundo e são responsáveis por ilustrações em campanhas de grandes marcas, como Nike, Levi’s.
“A arte das ruas mostra que a população excluída pode se expressar”
A frase é de Rustoff, um dos nomes importantes da arte urbana da cidade. Ele tem trabalhos espalhados por diversos cantos de Goiânia, do Brasil, como também do mundo. Já fez obras do setor universitário, a Bogotá. É bem verdade, que a arte urbana guarda certa efemeridade, que ele não tem certeza se aindam existem, mas mesmo assim o seu papel foi feito. Em entrevista ao DM, o artista fala mais de sua obra e do poder democrático da arte de rua.
DM – Qual o espaço que a arte nas ruas tem na sua carreira?
Rustoff – Tenho contato com a arte de rua desde criança através da cultura hip hop, via alguns grafites próximos a escola que estudava, publicações revistas. Em 2006, eu tive contato com o stencil, lambe lambe. Me identifiquei bastante e comecei a produzir trabalhos nas ruas a partir desses dois contatos, utilizando outras técnicas como spray.
DM – Como é o processo criativo?
Rustoff – Minhas obras nascem de uma observação do cotidiano, do cerrado goianiense. Com isso os trabalhos vão sendo construídos a partir de questões que são antagônicas, mas que a gente convive muito bem com elas, como o rural e o urbano, os valores tradicionais e a modernidade, o histórico e a contemporânea. Faço uma crônica visual do que nós somos.
DM – Goiânia é uma referência em arte urbana?
Rustoff – Não sei afirmar se Goiânia é uma referência, mas temos muitos bons artistas, como Wes Gama, Bicicleta Sem Freio, tem a galera da Codorna, os artistas que trabalham. Os artistas do lambe- lambe, que eu faço parte, organizam o maior festival de lambe-lambe do país, que é festival Lambisgoia, que este ano vai para sua terceira edição e realiza murais coletivos e individuais. Acho que a gente é muito bem representado.
DM – Como a arte interagindo com a cidade impacta na vida das pessoas?
Rustoff – A arte na rua está em um dos espaços mais democráticos que existem e com isso qualquer pessoa, de qualquer extrato social, qualquer nível de educação e visão de mundo têm acesso a aquele trabalho e consegue criar um diálogo com ele. O maior impacto é porque incentiva outras pessoas a fazerem e mostra para as pessoas que não tiveram acesso à uma escola de arte e educação formal que isso não é um impeditivo para fazer o seu trabalho. A arte de rua mostrou que o artista não precisa dominar uma técnica de desenho e spray. Os artistas lambe-lambe lançam mão de todo tipo de recursos. Tem gente que é fotografo, tem gente que desenha bem, que faz um trabalho mais abstrato. A arte das ruas mostra para uma parcela da população excluída dos meios culturais, que ela podem se expressar culturalmente independente de instituições, museus, ou passar por um crivo que é inacessível para grande parcela da população.
Veja importantes obras da cidade
Mural Saneago – autor Diogo Rustoff
Foto e produção Valenta Brasil
Setor Sul – Decy
Bicicleta Sem Freio – painel de 140 metros no Jardim Goiás, em Goiânia
Beco do Codorna – Centro
Palácio da Indústria, primeira sede da Federação das Indústrias do Estado de Goiás (Fieg) – Wes Gama. Localizado na Avenida Tocantins, quase esquina com a Anhanguera