Brown Sugar, yeah. Rola o riff clássico de Keith Richards e Mick Jagger - 80 anos, nesta quarta-feira, 26 - entra matando nos versos desvairados do hino lançado em 1971 sobre junkeria selvagem e cunilíngua inter-racial. Isso mesmo, é “Sticky Fingers” - o disco cuja capa criada pelo artista visual Andy Warhol se tornou símbolo da cultura pop. Só mesmo o som dos Stones para continuar soando refrescante e cortante como se tivesse sido gravado há um ano, mesmo que a faixa cinquentenária seja, aos olhos de hoje, retrato da indecência.
Jagger é inimitável. Ele inventou o conceito “estrela de rock”, num contraponto ao simples cantor de banda. Bem diferente de Richards, por exemplo, o outro stone pop-star. O guitarrista-pirada segue a velha tradição trovadora, ao melhor estilo BB King, Muddy Waters ou Django Reinhardt, pois pendurava seu instrumento no pescoço, ia de cidade em cidade tocando seu ritmo pulsante, às vezes precisava - claro - lidar com a polícia, mas dava tudo certo. Já Jagger, não: ele é sensual, lascivo, libertino. Um taradão, vamos colocar assim.
Em 2024, a expectativa é que os Rolling Stones passem pelo Brasil com a turnê “Sixty”. Além do show, muito aguardado, a novidade é que os britânicos e seus eternos rivais, os Beatles, preparam colaboração em novo disco stoniano. A imprensa divulgou, até o momento, que o baterista Ringo Starr e o baixista Paul McCartney foram convidados para tocar no projeto, que deve sair neste ano. É bem provável que os Stones tenham a participação do baterista original, Charlie Watts, falecido em agosto de 2021. Steve Jordan o substitui nos shows.
Chamas da multidão
Se os Beatles possuem um charme já eternizado, os Stones jamais deixaram de acender nas multidões as chamas do tesão e do caos. E com alta competência - reconheça-se. Gerações de músicos seguem tocando as mesmas progressões de acordes dos caras, se apaixonando pelo mesmo estilo blueseiro-roqueiro-debochado e os fãs não param de ir atrás do mesmo tipo de ídolo masculino. E isso desde os anos 1960, quando o empresário Andrew Loog Oldham tentou, com êxito, enfiar em Jagger, Richards e companhia a pecha de malvados londrinos.
Deu certo: o primeiro disco dos Stones - aliás, um escândalo - é essencial à música. Jagger e Richard (como era conhecido o guitarrista) estreavam em estúdio quando começaram a gravar o álbum, em janeiro de 64, mas já emplacaram nas paradas britânicas os hits “Come On”, composição de Chuck Berry, e “I Wanna Be Your Man”, esta assinada, veja você, por Lennon e McCartney. Centro criativo? Ora só, vocalista e instrumentista poderiam até começar os trabalhos nessa época, porém desejavam que Marianne Faithfull os terminasse.
“The Rolling Stones” está longe de ter um material igual ao que o grupo lançou nos próximos trabalhos. Mas há uma vulgaridade sedutora nele capaz de provocar um terremoto no pop da época - o que atinge o ponto máximo do escárnio no disco “Aftermath”. Ao contrário do primeiro, que já estava com lugar cativo no coração dos fãs, o elepê de 66 possui um repertório de verdade, nada de sobras deixadas nos estúdios ou covers do bluesman Jimmy Reed. “Foi a primeira vez que compusemos um disco inteiro”, diz Jagger, nas entrevistas.
Faixa a faixa, o repertório é poderoso: a balada elisabetana “Lady Jane” pavimentou a estrada para composições posteriores. E a machista “Under My Thumb”, música que os Stones tocavam no desastroso festival de Altamont, em 1969, quando um Hells Angels matou um fã na plateia, ela revelou compasso marcado por marimbas. “Out Of Time”, “Take It Or Leave It” e “What To Do” saíram da edição norte-americana do disco. No entanto, a quem isso importava? Porque, olha só, a poderosa “Paint It Black” virou single nos States.
Com “Between the Buttons” (1967), “Their Satanic Majesties Request” (1967), “Beggars Banquet” (1968) e “Let It Bleed” (1969), os Stones se aprimoraram: clássicos foram criados e shows se tornaram perigosos, a dupla Jagger-Richards (agora, enfim, com o tal ‘s’) dominava o eixo criativo e ganhava o status de foras-da-lei. Mas Mick Jagger começou a se interessar, vamos dizer assim, por brincadeiras perigosas envolvendo Anita Pallenberg, ex de Brian Jones e esposa de Keith do final dos anos 60 até 80. “Mas, quer saber? Eu enquanto isso estava pegando a Marianne Faithfull”, confessou Keith, na autobiografia “Vida”.
Bom, a música não pode parar, certo? Como se não bastasse, tinham os problemas com a polícia, os desfalques financeiros, a troca de empresários e produtores - e até um integrante morto, Brian Jones. Só que “Sticky Fingers” lhes possibilitou que adentrassem aos anos 70 com novo gás e, melhor de tudo, novo som. Jagger está supremo no papel de frontman e os riffs de Richards se casam aos solos de Mick Taylor, numa simbiose que jamais se repetiu. Charlie Watts comanda a cama na qual Bill Wyman e o guitarrista-pirata se deitam.
Cálculo de Jagger
É tudo calculado: o clima sombrio das músicas, a capa ousada, os hits certeiros, o trabalho que arrebatou mais de 3,5 milhões de cópias nos EUA, tornando-se o maior sucesso fonográfico da banda até hoje. Foi o primeiro disco lançado pelo grupo na Rolling Stones Records, a gravadora dos Stones. Há canções como a delicada “Wild Horses”, a gostosa “Dead Flowers”, além das excitantes “Bitch” e “Can't You Hear Me Knocking”.
Ah, e tem o hit eterno “Brown Sugar”. Assim como em “Can´t You Hear”, os Stones fazem em “Sister Morphine” uma alusão à heroína, droga na qual Richards estava cada vez mais afundado. Não à toa, o elepê extrapolou os limites da música para virar objeto de culto na cultura pop. A começar pela capa: afrontosa e sem deixar a energia sexual para depois, foi criada pelo artista plástico norte-americano Andy Warhol, a pedido de Jagger.
Talvez “Sticky Fingers” seja mesmo o disco de Jagger daqueles anos em que exista apenas o céu, a lua e os Stones. Em “Exile On Main Street”, por exemplo, o músico sentia-se mais atrativo pela intelectualidade parisiense do que por gravar numa mansão que fora dos nazistas, na Segunda Guerra Mundial. Bastava Bianca Jagger lhe chamar para o vocalista deixar os companheiros. E Bianca achava, na verdade, o ambiente roqueiro infantilóide.
Mick foi casado com a ativista por quase dez anos. Aliás, que apetite sexual, o dele. Más línguas (ou boas línguas, como a dos Stones, famosa em camisetas usadas por roqueiros) dizem que ele transara com pelo menos 4 mil mulheres. Nessa conta, óbvio, inclui-se alguns homens. Nascido no sudoeste da Inglaterra em 1943, Sir Michael Philip Jagger estudou economia e, graças a ele, os Rolling Stones seguem na estrada até hoje. Brown Sugar, yeah.