Nosso amor não acaba jamais
Diário da Manhã
Publicado em 26 de junho de 2018 às 22:54 | Atualizado há 7 anos
“Ei! Goiânia! Não deu pra segurar a barra/ Então eu voltei”. Aos sete, oito anos, lembro de meu pai cantarolando os versos da canção Rumo a Goiânia entre uma cerveja e outra com amigos. Não fazia ideia da importância que a dupla Leandro e Leonardo tinha para a cultura guianense, tampouco que me identificaria com som deles anos mais tarde. Morava em Ponta Grossa, no interior do Paraná, onde a música sertaneja nunca teve força. Mas aquele som simples e humilde sempre me tocou. Na adolescência, quando descobri a barulheira do rock, procurei em vão esconder que admirava a musicalidade e a história de vida dos irmãos.
Agora, aos 22, prestes a completar 23, me assumo fã das letras de Leandro e Leonardo. Adotei essa postura certamente em função de algumas desilusões amorosas que a vida me proporcionou e que contribuiu para alimentar o gosto pela sofrência. Hoje, ouvi-los à noite embalado por Eu juro faz sentido para mim por conta de relacionamentos mal resolvidos, palavras mal colocadas e paixões exacerbadas. Por outro lado, as músicas não são boas apenas para “dores de cotovelo”. Também há sucessos indispensáveis para se tocar durante a confraternização entre amigos. Até já ouvi amigos, embalados pela birita, dizerem que a dupla pode ser considerada os “Beatles de Goiás”.
No final da década de 1990, lembro da consternação popular em torno do câncer de Leandro. Meu pai tinha alguns CDs da dupla em casa, mas nunca cheguei a escutá-los. Anos depois, ainda na infância, minha iniciação à canção sertaneja aconteceu ao ouvir o álbum Acústico Ao Vivo, da dupla Bruno e Marrone, lançado em 2001. Em seguida, já com o ímpeto boêmio, travei o primeiro contato com a voz afinadíssima de Chrystian e Ralf, além da dor vocalizada de gente como Trio Parada Dura e Milionário e José Rico. Ao mudar para Goiânia no início desta década, porém, fui verdadeiramente apresentado ao mundo da música sertaneja, o que moldou drasticamente meu gosto musical.
TRISTEZA
Há 20 anos Goiânia vivera uma de suas maiores perdas musicais: a morte do cantor e compositor Luiz José da Costa, mais conhecido como Leandro. Reverenciado País afora por conta da dupla com o irmão Leonardo, ele começou a carreira cantando em bandas e se apresentando sozinho pela noite. Ganhou notoriedade nacional no início da década de 1990 com o clássico Entre tapas e beijos, que deu uma nova roupagem à música sertaneja, conquistando fãs em várias partes do mundo. Foi uma das duplas sertanejas mais bem-sucedidas da história. Ao todo, venderam mais de 35 milhões de cópias, atrás apenas de Chitãozinho & Xororó e Tonico e Tinoco.
Antes da fama, Leandro cantava na banda Os Dominantes, que fazia covers de Roberto Carlos e Beatles. Leonardo descreve que o som feito pelo irmão era uma cantoria sem compromisso em meio às plantações de tomate em Goianápolis. “O Leandro tocou em banda de baile, ganhou muito conhecimento, enquanto eu ficava na roça ele andava por esse mundão. Só depois ele descobriu que eu também cantava e gostava de sertanejo”, relata o cantor no livro Bem Sertanejo, de Michel Teló e André Piunti, lançado em 2015. A carreira da dupla contou também com vários momentos difíceis, mas a exposição em programas de televisão gerou maior aproximação com o público. Em Goiás, com o sucesso dos primeiros hits, ganharam status de ídolos regionais.
Formada em 1983, o nome da dupla foi escolhido por Leonardo, que gostaria de dar um aspecto moderno que contrastasse com as de gerações anteriores. Após ficarem em primeiro lugar em concursos de calouros, f o ra m para São Paulo e gravaram um disco conhecido como O Volume. A obra não fez sucesso nas rádios, mas o talento dos irmãos acabou chamando atenção da gravadora 3M, que bancou o lançamento dos álbuns Volume 1 e Volume 2, de 1986 e 1987, respectivamente. Esse último fez com que os dois ficassem conhecidos no cenário regional por meio da música Solidão, que era uma composição de Zezé Di Camargo, figura carimbada na cena sertaneja de Goiás no período.
PEQUENAS APRESENTAÇÕES E FIM
Com o estímulo de um tio e do patrão de Leonardo à época, a dupla começou a investir na carreira artística com apresentações pequenas e que não rendiam muito dinheiro. Neste período, eles escolheram o nome da dupla ao saber de gêmeos de um colega de trabalho tinham sido batizados como Leandro e Leonardo. Apesar das dificuldades financeiras, os irmãos lançaram o primeiro álbum em 1984 e venderam os exemplares nos lugares em que se apresentavam. Dois anos depois, passaram a ser reconhecidos com a gravação da música Contradições, porém o estouro nacional ocorreu em 1989.
Um ano depois, a dupla gravou a música que mais projetara sua carreira, Pense em mim, clássico que pode ser ouvido até hoje nas jukebox de bares e reunião de amigos. Escrita por Mário Soares, Douglas Maio e José Ribeiro, a canção foi criada a partir de uma batida de reggae e, em seguida, ganhou contornos do estilo country antes de ser tocada nas rádios da forma como a conhecemos. Após o sucesso, os irmãos ficaram famosos pelos quatro cantos do Brasil, mas a personalidade brincalhona que os amigos e familiares conheciam desde a infância permaneceu intacta.
Ainda fosse tímido, Leandro quando subia no palco encantava a plateia. Os artistas sertanejos da época diziam que o cantor era dono de uma das segundas vozes mais belas da música brasileira. Em 1998, no auge da carreira, Leandro foi passar alguns dias em sua fazenda, no interior de Tocantins, e se queixou de dores no peito. Dias depois, quando estava em uma visita à sua cidade natal, o cantor passou mal novamente enquanto jogava truco. Receoso em relação à saúde, Leandro foi ao médico e, no diagnóstico, descobriu que era portador do tumor Askin, tipo raríssimo de câncer. Era apenas o sexto caso da doença no mundo.
Torcedor do São Paulo, Leandro gostava de Copa do Mundo. Tanto que durante a preparação para a estreia da seleção brasileira no torneio contra a Noruega o País descobriu que o cantor sertanejo estava lutando contra um tipo raro da doença, entre o pulmão e o coração. O Brasil parou para acompanhar a despedida do ídolo, que ficou internado uma semana e não resistiu à devastação provocada pelo tumor. Porém, a lembrança que temos dele é sua forma humilde de ver e viver a vida, já que o músico não dispensava um jogo de baralho e pescar. 20 anos sem Leandro, 20 anos de saudade. Como ele mesmo cantava: “Eu juro/ por mim mesmo/ por Deus, por meus pais/ vou te amar.”
“O Leandro tocou em banda de baile, ganhou muito conhecimento, enquanto eu ficava na roça ele andava por esse mundão. Só depois ele descobriu que eu também cantava e gostava de sertanejo”, relata o irmão Leonardo.”