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Esquecemos o Pelé?

“Vê-lo jogar, bem valia uma trégua e muito mais. Quando Pelé ia correndo, passava através dos adversários como um punhal. Quando parava, os adversários se perdiam nos labirintos que suas pernas desenhavam. Quando saltava, subia no ar como se o ar fosse uma escada”, escreveu o jornalista Eduardo Galeano (1940-2015), na obra “Futebol ao Sol e à Sombra”. Sim, o melhor jogador de todos os tempos embelezou o esporte mais popular do planeta com dribles, com gols, com lances… Pelé faz parte da identidade cultural brasileira, e pronto!

Nascido em Três Corações (MG), no dia 23 de outubro de 1940, Edson Arantes do Nascimento começou a carreira na equipe infanto-juvenil do Bauru Atlético Clube, em São Paulo. Lá, conquistou o campeonato de futebol de salão, em 1955. Iniciava-se aí uma trajetória que mudaria o futebol para sempre. No final dos anos de 1950, Pelé foi transferido para o Santos Futebol Club, onde vencera por dez vezes o campeonato paulista. E faturara a Taça Brasil entre 1961 e 1965, sempre fazendo a diferença em campo.

Mas foi na Copa do Mundo de 1958 que o mundo viu o talento de Pelé. O craque formou com Mané Garrincha, então ponta-direita do Botafogo, uma parceria que infernizou os adversários, com jogadas rápidas, inteligentes, habilidosas e provocativas. Após virar o placar para 2x1 contra a Suécia, eis que o menino prodígio fez um gol antológico: chapelou o marcador e, sem deixar a bola cair, emendou para o fundo das redes. “Pelé não jogava. O atleta do século dava espetáculo”, diz o jornalista Renato Dias, 52.

Torcedor do Vila Nova e do Santos, Dias afirma que o craque mudou a história do futebol. “Apesar de ser criação da Inglaterra, o Rei do Futebol reinventou o esporte, com dribles fantásticos, lançamentos precisos, faltas executadas com pontaria milimétrica”, relata. Ele pontua, no entanto, que o atacante - embora tenha balançado as redes adversárias 1.282 vezes em 1.366 jogos disputados - tinha relação próxima com a ditadura civil e militar. “Ganhou um Fusca, de Paulo Salim Maluf, e posava para fotografias com Emílio Garrastazu Médici”.

No período mais intenso da repressão do regime militar, o general Médici explorou a alta popularidade do craque. Após a conquista do tricampeonato mundial no México, em 1970, Pelé aparece ao lado do militar no momento em que o capitão Carlos Alberto Torres levanta a taça Jules Rimet. Essa estreita relação entre os dois transformou o jogador no principal agente de propaganda do governo Médici, o que lhe concedeu a Ordem do Rio Branco, no dia 20 de abril de 1970, antes da disputa do mundial.

“O Pelé precisa ser lembrado apenas dentro de campo mesmo. Fora dele, o melhor jogador de todos os tempos falou muita besteira. Romário tinha razão: Pelé calado é um poeta”, analisa o jornalista Nasser Najar, 26. De acordo com ele, o craque fora de campo era “uma pessoa sem graça, com posturas e posicionamentos ruins”. “Vamos, portanto, lembrar do Pelé só dentro de campo, pois é a melhor imagem que a gente pode ter dele. Mesmo assim, não acho que a gente esqueceu o Pelé, porque ele está num pedestal merecido e diferenciado”.

Gênio

O contabilista Odinir Tavares, 71, que é torcedor do Corinthians e não viu seu time durante a década de 1960 vencer o Santos, lembra que o Rei do Futebol fazia as jogadas mais improváveis em campo. “Você nunca sabia o que esperar dele, mas sempre era uma coisa de outro planeta”, afirma Tavares. Segundo ele, o craque era caçado durante as partidas, porém sempre dava um jeito de se livrar dos marcadores, que muitas vezes eram desleais. “Pelé, no entanto, também sabia ser, e se fosse preciso dava ‘no meio’ do rivais. O Rei era magnífico”.

Ao todo, o incômodo jejum de vitórias do Timão contra o Peixe durou 11 anos. “Mas não conseguíamos ficar com raiva daquele timaço do Santos porque ele era bom demais. Dava gosto de assistir Pelé e companhia: era um futebol totalmente diferente do jogado hoje em dia, era mais lento, mais pensado”, recorda-se o contabilista. “Na final da Copa de 1970, contra a Itália, nem ficamos preocupado pelo fato de o Brasil sair atrás do marcador, pois era consequência natural virarmos o jogo”, opina Tavares. A seleção venceu a Azzurra por 4x1.

Nas décadas seguintes, os torcedores viram jogadores de alto nível fazer história: Johan Cruyff, Franz Beckenbauer, Diego Armando Maradona, Zico, Sócrates, Romário, Ronaldo e Ronaldinho - só para citar alguns. Nenhum deles, porém, sequer chegou perto dos feitos alcançados pelo maior atleta do século XX. “A importância de Pelé para o futebol é bem simples: ele é o próprio futebol. Cartões amarelos e vermelhos foram criados na década de 1960 para evitar as agressões das quais o craque era vítima”, explica o jornalista Nasser Najar.

Sobre o fato de as novas gerações preferirem Cristiano Ronaldo e Messi a Pelé, Najar é taxativo: os jovens veneram aquilo que eles veem na televisão duas vezes por semana. “As novas gerações, que gostam de futebol e vão falar sobre o esporte mais popular do planeta nas mesas de bar, vão comentar o que assistem, e não sobre os gênios brasileiros”, avalia. 

Para ele, os mais jovens assistiram o auge de Romário e Ronaldo apenas em DVD. “É normal, querem exaltar Messi e CR7. Mas, coitados: dá para citar uns 20 melhores que eles”, garante Najar. "É anacrônico comparar Pelé com Messi e CR7. Contextos históricos diferentes. Épocas distintas. Estilos nada parecidos. Pelé, Messi e CR7 possuem talentos únicos", complementa o jornalista Renato Dias.

Entre 1995 e 1998, Pelé entrou em uma nova empreitada, e foi Ministro do Esporte durante a presidência de Fernando Henrique Cardoso. Em pouco mais de três anos à frente da pasta, o melhor jogador de todos os tempos levou como bandeira de sua gestão a modernização do futebol e a garantia dos direitos trabalhistas aos atletas profissionais. Ele sancionou ainda a Lei Pelé, que determina a extinção da figura do passe nos contratos assinados por jogadores.

Se Pelé não é o futebol, pelo menos o brasileiro deve tudo, ou quase tudo, a ele.

Pelé na cultura

“Futebol ao Sol e à Sombra”

Escrito pelo jornalista uruguaio Eduardo Galeano, a obra passeia por histórias, jogadas e gols que marcaram a história do futebol. (Páginas 296, editora: L&PM, autor: Eduardo Galeano, preço: R$ 49,90)

‘Pelé Eterno’


Com roteiro assinado pelo jornalista Armando Nogueira (1927-2010), o documentário reúne imagens raras e entrevistas de arquivo sobre o maior jogador de todos os tempos. (Direção: Aníbal Massaini Neto, duração: 2h5 min, ano: 2004)

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    Publicado domingo, 14 de julho de 2024 - 20:49

    / Atualizado domingo, 14 de julho de 2024

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